domingo, 22 de novembro de 2009

Monólogo - 3


Preso em seu pequeno mundo de luz, o Pierrot. A cara pintada de branco, com contornos vermelhos exagerados em volta da boca e dos olhos. O espalhafatoso chapéu de Bufão, feito em cores alternadas de azul e amarelo; e a roupa, larga e folgada com grandes botões decorados. E também seu sapato com ponta empinada para cima e as luvas brancas gigantescas nas mãos. Lá estava o palhaço, sentado enquanto era iluminado por um único holofote.


Ficou desta forma por alguns bons segundos, até finalmente levantar a cabeça, direcionando-a diretamente para a luz. Passaram-se mais alguns minutos até ele finalmente sair da expressão vazia, ele sorriu.

- Do que você tem medo? - Falou. - Não há medo para os que não tem o que perder. Não há motivo para se ter medo quando você simplesmente... já não liga para nada. Vê?

E saltou de pé, começando a dançar pelo tablado de madeira. Passos de dança de um bailarino profissional e artista. Até finalmente parar na ponta dos pés, com os olhos fechados enquanto as mãos se portavam a frente do corpo.

- Não acham que sou feliz assim? - E abriu os olhos. - Feliz, como qualquer homem deveria ser! Sem seus medos! Afinal, quem gosta de sentir medo? De tremer nas bases no momento mais crítico? Ninguém! E é justamente esse o ponto. Eu.. perdi o medo de tudo. Então, eu sou nada mais nada menos do que um Ninguém. Algo inexistente e imperceptível a todos em volta. É lógico que a felicidade não me atinge. Não há como algo que não existe a tê-la!

Desceu da ponta dos pés lentamente, enquanto colocava a mão para trás. Observando a escuridão que o envolvia a todo instante.
- Por isso, não é certo não haver medo. Pois ele é a prova mais clara de que você ainda tem algo para proteger, e não quer perdê-lo. Para isso o medo existe. Ele é a prova da felicidade. - E abriu um sorriso, colocando uma mão sobre o queixo. - Alias, ótima coisa para se falar sobre: Felicidade. Vocês tem noção de como esse sentimento... essa emoção... essa sensação é? Podem explicá-la? O simples ato de sorrir, e de se deixar levar pelo lado bom de tudo. Ou simplesmente estar bem consigo mesmo. Ou tudo isso? Será possível diferenciar Felicidade de Alegria? - E puxou as mãos em frente à cabeça, abrindo e fechando-as, como se estivesse tirando algo da mente e espalhando para seu mundo de luz. - Sim. Claro. Mas eu não posso falar sobre nada disso, não com minha alma pútrida e seca. O porque de não dizer? É simples. Eu sou ninguém. E como tal não possuo o dom de ser feliz. Mas... mesmo quem tenha medo e assim, alma, mesmo eles, não podem também dizer sobre a felicidade. É algo tão complexo e ao mesmo tempo, simples, que adjetivos não podem dar qualidades a ela. Ela não pode ser taxada como um substantivo, tanto que é dita como abstrata. É simplesmente algo que você pode ter. Ou não pode ter. E que quando tem, você sabe que está sentindo mesmo que não possa ser narrado e descrito.

E ele travou do jeito que estava, sem mover um milimetro sequer. Ficou naquela posição novamente por mais um bom tempo, como se estivesse tentando agarrar uma mão invisível vinda da luz. Era o jeito do Pierrot, movido pelo que o seus sentimentos se tornaram. Tornando o corpo um reflexo do que sua alma degenerada tende a imaginar. - Mas, eu sou ninguém. E não posso sentir tal.

- Por isso, comecem a notar. Que todo o mal sentimento, advém de um bom. Quanto tem medo, é porque ainda tem algo que quer ter com você. Quando tem angústia e agonia, é porque você deseja estar de um jeito diferente do que você está. Quando tem tristeza, é porque você deseja que algo possa torná-lo feliz. E tudo, tudo, se interliga com uma única coisa final: Felicidade. No final de toda a cadeira e teia de sentimentos e sensações está ela. No final de tudo, ela é o desejo final de qualquer ação da qual você seja responsável. - E finalmente, saiu da posição, desmoronando no chão. - Não é engraçado? Lutar por algo que vocês não podem nem mesmo explicar o que é? Lutar pelo que pode mudar a cada segundo e a cada novo acontecimento? Pois é. Estes são vocês, minhas queridas falhas perfeitas. Porque eu sou ninguém. E como tal, sou perfeito. Nunca ouviram? “Ninguém é perfeito.” Este sou eu.

E levantou-se, lentamente. - Mas qual a definição de perfeito? Lógico, é algo que traga felicidade. É algo que seja feliz. Bom... - E puxou o chapéu de bufão da cabeça, mostrando os cabelos castanhos. - Como disse, no final, existe a amada felicidade. Só lamento dizer, que o perfeito não existe. E não existindo, também é perfeito. Só me resta dizer que o Perfeito é Perfeito. E assim, que a Felicidade é a Felicidade. Mas eu continuo sendo ninguém.

- Sabe como é? - Disse jogando o chapéu para fora do mundo de luz do holofote. - O negócio é que eu poderia ser feliz. Eu poderia deixar de ser um ninguém para voltar a brilhar. Para que todas as luzes de minha vida fossem acesas e eu pudesse correr livremente para onde quisesse. Para que eu pudesse ver o que está a minha frente e também o que estava atrás de mim, assim me dando uma noção sobre o meu futuro e meu passado. E não apenas do meu triste presente. Mas o fato...

Pierrot deu passos pesados e fortes, enquanto caminhava na direção do chapéu jogado. Até que a luz iluminou o chapéu e ele pôde pegá-lo do chão. O alcançou com uma mão para logo endireitá-lo sobre a cabeça.

- O fato é que eu não tenho motivação para essas coisas. Não tenho motivação para nada. Nada além de fazer minha função e ser meu eu sistemático e podre de sempre. Então... - E direcionou-se para o nada, apontando para aleatórios. - Então, por mim ou até mesmo por você mesmo, o que acho mais digno: Tenham Medo. Tenham agonia. Tenham angústia. Sofram. Chorem. Fiquem tristes e amargurados. Assim, vocês poderão Ter Alegria. Ter Liberdade. Irão Sorrir e Irão dar risadas. Melhor dizendo, vocês serão felizes. Ter sentimentos não é errado. Manejá-los de maneira pútrida é errado. Se evitarem a tudo, se tornarão inexpressivos. Se tornarão fantoches e palhaços. E suas vidas, serão limitadas a curtos mundos de uma luz fraca e opaca. Um simples holofote, muitas vezes. - E apontou para seu querido holofote. Para logo depois entrar na escuridão, sem que a luz o seguisse.

Imagem: The Stage by peacewisher222

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