quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Suas Palavras



Foram, talvez, apenas aquelas suas palavras
Vindas no espontâneo de silêncio e sorrisos
Em conversas de noites tão amadas
Em falas de sentimentos esculpidos

Foram, talvez, muitas daquelas suas palavras
Vindas de almas, vontades e descompromissos
Em paixões quase vivenciadas
Em sussurrares quase diluídos

Foram, talvez, simplesmente aquelas suas palavras
Vindas da amada de meus singelos pensamentos
Em falas só compartilhadas
Em toques – tão distantes – não dados

Fora, certamente, você.
Vinda para meus sentimentos
Em palavras, apenas aquelas, ditas.
Muitas daquelas, ditas.
Simplesmente, ditas.











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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Pseudo Logia




Dos anos, restou-me
a vaga memória

Lágrima suada de quem
(não) se comporta

Carta da alma, escrita
feito uma história

Mingua no céu, aumenta
a dor em uma cota.






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sexta-feira, 1 de julho de 2011

Fratura Poética



Me perguntam
como verso

Verso como
quem anda de muleta

Verso, é de prosa
que não saiu da caneta

Verso frustrado
Mas o verso que verso
esse, sai amado.



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Faces




Logro de momentos não vividos
Em prosas enfermas
Em latentes sopros de vida

Logro versando dor e suspiros
de cenas eternas
de estória rara cumprida


Logro em versos
que não quero
Logro em palavras
sem mistério





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terça-feira, 28 de junho de 2011

Miscelânea




Acompanha-me as linhas;
Se rosas são vermelhas
e violetas são azuis
será então vermelhas rosas
e mais, violetas, as azuis?

Se assim for, pois que
avermelho as azuis violetas
e que azulo as vermelhas rosas

E tudo, você sabe
a rosa e a violeta
o azul e o vermelho

Tudo é sua delicadeza
É meu amor para mantê-lo.




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sexta-feira, 24 de junho de 2011

O mundo que já acabou


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ㅤㅤ
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ㅤㅤ(Leia acompanhado da música.)
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ㅤㅤOlá.
ㅤㅤComo vai você?

ㅤㅤSim, eu sou a única pessoa que vive por aqui.
ㅤㅤUma moça, apenas.

ㅤㅤNão, nunca me cansei desse lugar, é lindo. Você não vê? Cada pequena lasca das madeiras dessa velha casa retratam minhas frágeis e intangíveis memórias; prestes a rachar, quebradas, estão todas prontas para ruir. E mesmo assim, da fragilidade de cada uma delas, do estalo que se faz quando eu arranco uma única partezinha dessa casa; me vem a nostalgia. E eu choro pelos tempos que já passaram.
ㅤㅤ
ㅤㅤ
ㅤㅤ
ㅤㅤ
ㅤㅤ
ㅤㅤNão, não é triste. Pelo menos, eu não sou uma pessoa que pode compreender este sentimento. Sabe, esse é um lugar onde não existe mais nada, eu... Eu não tenho por quem sentir nada. Não é preciso para mim ter tristeza, se nunca me houve nada mais. Seria... Injustiça caso isso acontecesse, não é mesmo?
ㅤㅤAli, você consegue ver aquele gramado, lá longe? Quando eu era uma criança, passavam por lá alguns pássaros, vez ou outra, e eu naquela época eu ainda tinha esperanças que alguém poderia vir me buscar. Afinal de contas, se os pássaros voam e somem por certo tempo, eu fico pensando que eles tem lugares melhores para ir, não é mesmo? E esses lugares melhores, poderiam estar lotadas de pessoas... Não, não, me desculpe. Apenas uma só estaria de muito bom tamanho. É aquela palavra, sabe? Companhia.

ㅤㅤSó que, conforme os anos foram passando e eu cresci, eu pude entender que não existia mais ninguém no mundo. Só eu. Via-me naquele espelho dentro do meu quarto, e via uma mulher onde antes havia uma menininha. Eu via meus cabelos cacheados e castanhos brincarem deslizando pelos meus ombros, e gostava de me sentir bonita. Mesmo que fosse só para mim.
ㅤㅤTambém tem aquela pequena cadeira de balanço na sacada. Consegue ver daqui? Quando eu me sentava nela e deixava meu peso balançá-la para frente e para trás, ela fazia um leve rangido. Era um rangido monótono, o tom nunca mudava e o máximo que eu conseguia fazer era deixá-lo mais alto e longo, conforme eu regulava na força. Mas eu gostava, porque era como se a cadeira me desse um Olá.
ㅤㅤEsse meu vestido também, nunca mudei nada nele. Gosto de comparar ele com minha alma, porque, quando eu me lembro de tê-lo em meu corpo pela primeira vez, eu sei bem que ele era branco. Branco e puro, assim como meu coração, cheio de sentimentos transbordando. Mas que, com o tempo, foi ficando mais amarelado. E a pouca esperança que eu tinha, se esvaiu.

ㅤㅤHm? Não, eu não estou me contradizendo.

ㅤㅤA ida da esperança é acompanhada da vinda da Satisfação. A tristeza, eu nunca senti. E a partir daquele dia, comecei a viver comigo mesmo, sendo minha própria amiga. E eu corria por estes vastos campos de grama rala, esses campos de solidão infinita, onde o crespar da terra entre meus dedos me traziam uma sensação acolhedora.
ㅤㅤE eu comecei a montar minhas próprias coisas, para brincar. Sabia que eu já consegui empilhar dez pedras daquelas ali? Sim, uma em cima da outra. Ficou intacta por uns pouquinhos segundos, mas é meu recorde. Já escalei aquele monte mais ao longe umas dez vezes, também. Eu me machucava, mas com certeza, não era nada perto das pequenas feridas que eu tenho dentro de mim.

ㅤㅤQuando você não tem por onde se orientar, eu acho que você acaba se perdendo nas suas próprias tangíveis rememorações do que já passou, e das prévias do que ainda pode vir. Eu, por exemplo, nunca parei para ver quando as flores desabrochavam, quando as folhas caíam, ou quando a neve começava a pintar a paisagem. Mas, eu sempre me peguei pensando se, num desses dias, algo diferente aconteceria. Ou tentando me recordar da última vez que os pássaros vieram me visitar. E vendo eles baterem asas para longe para numa mais voltarem, eu deixo novas lágrimas caírem. Me dá um aperto no coração, sabe? É como se a vida que eu tivesse, não valesse muita coisa sem algo mais.
ㅤㅤHm? Então, isso é tristeza?
ㅤㅤTem certeza?

ㅤㅤSe for assim, eu acho que... Bom, eu acho que, então...
ㅤㅤEu..
ㅤㅤEu...
ㅤㅤPor que?
ㅤㅤPor que, agora, as lágrimas não param de cair?
ㅤㅤPor que eu estou chorando na sua frente?

ㅤㅤ...

ㅤㅤ...

ㅤㅤ...

ㅤㅤEntão, é assim que é a sensação de ser abraçada? Sim, é bom. É caloroso, se parece com a lareira que eu acendo nas noites de frio. Como se a vida te desse um sopro de vontade. Será que eu posso ficar assim mais um tempo, abraçada com você? ...Obrigada.
É, então, se a tristeza é isso o que você diz, me parece que vivi um mundo triste. Uma vida inteira triste. Mas isso não importa, não é mesmo? Afinal de contas, você veio me buscar. Não veio? Você veio aqui por mim, não veio? Se é assim, tudo bem. Eu te dou a minha mão.

ㅤㅤNão, eu não preciso carregar nada.
ㅤㅤVamos.
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sábado, 11 de junho de 2011

Pseudo Nostalgia

Dos anos, restou-me só a lembrança
Andava com passos manjados na lua
E, de apetrechos, tinha ainda a alma nua
E os anos debocham, de pura vingança.

Vinganças do toque (não) tocado.
Lembranças dos lábios (quem sabe) doces.




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A Guarda - A Casa dos Tilintares

ㅤㅤ
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ㅤㅤ Ei, ei! Ei, você! É, isso mesmo, estou falando com sua pessoa. Desculpe-me por acabar me intrometendo assim numa de suas noites solitárias, mas muitas vezes já te vi por aqui, sempre a beber só e de cabeça baixa. E, justamente por meus olhos poderem acompanhar-te a silhueta, que você me chamou muito a atenção.
ㅤㅤ Abstenho de dizer meu nome por enquanto, e também não me importo caso não quiser se apresentar a mim. O importante é que um diálogo entre nós parece ter começado. E, por falar nessa troca de palavras, notou como meu linguajar é moderado e bem compassado? Em tempos medievais, existiam pessoas que andavam pelos bares da época com estórias para contar, eram estórias de todos os tipos e com todos os finais que possa imaginar. Em troca, sempre lhe ofereciam bebidas e deixavam-no narrar a vontade, suas fantásticas estórias, noite adentro.
ㅤㅤ Opa, não se acanhe, não estou aqui pedindo esmolas ou coisa do tipo. Você olha para mim e vê um esmoleiro? Espero que não. Enfim, eu sou apenas um rapaz de meia-vida que, na falta de um motivo mais feliz pelo qual viver, acabou por encontrar resquícios de alegria num ato bobo: O de contar histórias. Se me permite fazer a analogia, é isso o que você também, faz, não é? Com este líquido transparente no copo que tem em mãos...
ㅤㅤ Bom, no fim, todos buscamos nossos resquícios de alegria.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Deixe-me sentar ao seu lado. Gostaria de ouvir uma de minhas fábulas?
ㅤㅤ
ㅤㅤ
ㅤㅤ Pois bem, antes que sua imaginação voe longe e você tente fazer graça de mim; não, eu não começarei a contar estórias de reinos distantes e de príncipes, princesas e dragões. As narrativas que eu contarei nesta noite tratam daquilo que a sombra e a luz deste mundo ocultam. O outro lado da moeda. Aquilo que os homens podem ver, mas que não conseguem, de forma alguma, aceitar; e que, por isso, forçam a própria existência a esquecer o que presenciaram.
ㅤㅤ As minhas fábulas contam de pessoas como as que você encontra na rua. Como o jornaleiro da esquina, como a velhinha chata do bairro, como aquela menina promíscua que sai nas noites de sexta e só volta no fim do domingo. É, alias, muito alta a chance de você acabar identificando alguns deles após estas histórias. E note que agora não são mais estórias, com e. E sim, histórias, com aga e i. De agora em diante, pois, tratem-nas como fatos.
ㅤㅤ
ㅤㅤ E desta vez, tratarei de um fato que ocorreu aqui mesmo, nesta cidade. Já ouviu falar da Casa dos Tilintares? Para quem nunca ouviu falar, deixe-me gastar um pouco de tempo nela: A casa dos tilintares fora construída já faz quase um século, talvez até mais. Ela está situada num bairro nobre e está abandonada por mais de seis décadas. Já faz cerca de um ano que alguns corretores de imóveis e investidores pensam em por tudo abaixo e colocar ali algum novo empreendimento – e, com o correr que vai nossa política para os mais bem favorecidos, não duvido que ainda neste ano ela seja demolida.
ㅤㅤ De qualquer forma, o que nos importa não é o presente, e sim o passado recente.
ㅤㅤ A casa dos tilintares, como você bem pode deduzir, recebeu tal nome pelo fato dos sons que ela produz em certas noites. Quem passa na região de noite sabe que, se ela não quer voltar para casa com olhos arregalados e coração palpitando freneticamente, não se deve passar em frente àquela casa. Assim como a escuridão é certa em todos os cômodos do sobrado, também é certo que sons característicos de casas abandonadas ressoem, tais como rangeres de portas velhas movidas pelo vento, ou o som de insetos e ratos se rastejando pelas velharias.
ㅤㅤ Mas, não só por isso que as pessoas evitam passar por ela, também é bem característico da Casa dos Tilintares – e, convenhamos que este é um ponto que não existe em todas as casas abandonadas – soar pelos seus cômodos, o barulho de correntes pesadas se arrastando pelo lugar. Como se alguém estivesse preso numa liga de aço e tentasse desenfreadamente se soltar. Também não são poucos os que juram já ter ouvido gritos e lamentos no lugar. Só lhes é um pouco complicado especificar que tipo de lamentações e qual o timbre vocal, vez que a entonação era sempre aguda, fantasmagoricamente falando.
ㅤㅤ
ㅤㅤ E é neste cenário, meu caro ouvinte, que entra nosso Personagem.
ㅤㅤ Pois, afinal, histórias não fluem sem personagens.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Ele estacionou seu velho opala preto na frente da casa e desceu, numa noite dessas, alguns poucos anos ou meses atrás. Ele, nosso personagem, se chamava Raul. E digo apenas seu nome, porque seu sobrenome pouco importa; mais vale é ressaltar a semântica do mesmo e a alcunha que recebera. “Raul”, aos poucos que sabem do assunto, significa “Ilustre Combatente”, e mesmo que muitas vezes os nomes das pessoas não fazem jus às suas índoles, com Raul, isso funcionava. E daí, vinha sua alcunha.
ㅤㅤ “Guerreiro” Raul.
ㅤㅤ Aquele homem de pele morena escura vestia-se com um largo sobretudo escuro de couro e usava roupas grossas e cheias de bolsos por debaixo da vestimenta de frio. Presa no ombro, estava uma bolsa de alça única de pano bege. Raul tinha feições sérias, e provavelmente passava dos trinta anos no que se tratava do quanto o tempo lhe maltratara. De porte grande e ombros largos, ele, só de vista, já fazia honrar seu nome e sua alcunha.
ㅤㅤ E naquele instante, Raul também provaria sua fama. Sua fama dentro da Ordem dos Cavaleiros do Silêncio. Pois, quando uma pessoa surgia num lugar representando a Ordem, significava que havia trabalho a ser feito. E, naquele caso, Raul sabia muito bem o que tinha de fazer: Purificar uma Casa Abandonada.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Ao primeiro passo que dera dentro do terreno, Guerreiro já pôde sentir a aura negra que rondava a casa. Aos olhos de qualquer um, seria apenas um sobrado de dois andares e um sótão caindo aos pedaços. Mas, para os olhos de um Cavaleiro da Ordem, olhos que foram treinados para estarem em situações como aquelas, o que se via era muito pior.
ㅤㅤ Não que seus olhos observassem aquilo que outros homem não vêem. O fato era que ele aceitava e desejava ver através do manto que separava os dois lados da realidade; e, por através do manto, o que se via eram os lamentos de uma pessoa morta. A pressão da aura negra recaiu sobre os ombros de Raul como se fosse um peso descomunal, e ele sentiu o quanto aquela casa estava amaldiçoada.
ㅤㅤ - Tsc. - Reclamou. - Infelizmente, para você, eu não tenho medo de cara feia.
ㅤㅤ Sua locomoção, como imaginado, estava bem mais difícil. Uma vez que a casa parecia saber muito bem que aquele que se aproximava era um risco para a entidade. Ao mesmo tempo, o fantasma que habitava o lugar começou a brincar com seus sentidos. Logo, os lamentos começavam a ficar mais altos e vultos esbranquiçados começavam a passar pela casa.
ㅤㅤ “Volte ou morrerá.
ㅤㅤ Foi o que Raul ouviu quando parou de frente para a porta.
ㅤㅤ Paremos o tempo aqui e vamos fazer um passeio pela mente de nosso protagonista.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Para aqueles que pensam que os heróis dos contos de fada eram guerreiros corajosos e destemidos, aqui vai um balde d'água: Não existe homem sem medo. Você sabe disso, não sabe? O caro era que Raul, por dentro, sentia muito bem o medo tentando apossar-se de seu bravo espírito; era o que acontecia quando um fantasma renegado anunciava que pretendia te matar caso continuasse o que iria fazer.
ㅤㅤ E Raul iria.
ㅤㅤ Num flash, o moreno relembrou-se de alguns vários e solitários momentos de sua infância solitária. Viu-se novamente na cama do hospital no qual fora internado, viu-se novamente enfrentando os lamentos e súplicas dos mortos que ainda não queriam partir. Fantasmas que não sabiam que um pobre garoto podia ouvi-los, e que, por isso, gritavam mais alto. Raul gritou e chorou naquela noite, como em várias outras.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Piscou os olhos.
ㅤㅤ Não, aquilo tudo havia passado. E ele tinha de cumprir sua missão.
ㅤㅤ
ㅤㅤ O Cavaleiro da Ordem abriu a porta com certa dificuldade, e, junto da ação, já colocara a mão no bolso do sobretudo para retirar dali uma lanterna. O salão de entrada do sobrado era grande, e ainda haviam por ali alguns velhos móveis carcomidos por cupins. A poeira formara uma espessa camada sobre todo o lugar, e Raul pôde muito bem ouvir alguns rastejares fugirem com sua aproximação.
ㅤㅤ Um passo adentro. Dois passos adentro.
ㅤㅤ BAM!
ㅤㅤ A porta se fechou atrás dele com força e sem um mínimo ruído antes do baque, e aquela era a mesma porta que ele tivera de fazer força parar abrir por estar emperrada. O coração de Raul saltou dentro de seu corpo, e logo em seguida, para piorar a situação, as vozes começaram a aturdi-lo novamente, agora com mais força e intensidade, quase como um coral do terror, gritando palavras de desgosto sobre o moreno.
ㅤㅤ Mas o Guerreiro não se deixaria abalar. Firmando o olhar no local, ele começou a avançar. Para que não haja a possibilidade do fantasma se acolher à apenas um dos cômodos da casa após a purificação, Raul deveria ainda achar o local onde a energia negra se concentrava, o foco da aparição amaldiçoada do recinto.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Aqui, eu vou parar para explicar um pouco sobre a Ordem dos Cavaleiros do Silêncio.
Se você já começou a entrar no mundo que estou mostrando para você, eu acho que já notou que nossa sociedade esconde muitas coisas misteriosas. Não falo apenas de fantasmas e espíritos renegados, estendo-me para falar que também existem muitos outros seres míticos que surgem em livros aleatórios cá e acolá.
ㅤㅤ Acontece que, para os homens que descobrem esta realidade alternativa, só existem três caminhos a serem trilhados: O primeiro é tentar ignorar o que você vê, até que haverá o momento em que sua própria mente o ludibriara para que não enlouqueça – como acontece com muitos que não conseguem parar de ver através do manto. O segundo dos caminhos é aceitar esta realidade e tentar se mesclar à ela, daí, surgem os diversos clãs de Magos que existem pelo mundo. São homens que estudam e tentam dominar a magia de trás do manto. E, por fim, existe aqueles que se opõe a estas anomalias. E aí se encontra a Ordem dos Cavaleiros do Silêncio, assim como muitas outras organizações que se movem para tentar amenizar o máximo possível a existência destes seres na sociedade.
ㅤㅤ Geralmente, os guerreiros que seguem as Ordens são pessoas que sofreram de algum trauma extremo causado pelas criaturas do outro lado do véu quando mais novas e foram acolhidas por alguém da organização. Este era o caso de Raul, que, agora, era um dos principais alicerces da Ordem dos Cavaleiros do Silêncio, que tinha membros espalhados por todo o Brasil.
ㅤㅤ
ㅤㅤ O foco da aura negra não estava no primeiro andar, e foi com grande pesar que Raul observou aquelas escadas, que pareciam mais longas quando vistas numa noite daquelas. Seus ombros largos se projetaram para frente, e ele começou a subir os degraus de dois em dois, tentando ignorar o ranger delas, que parecia aumentar conforme subia as escadas.
ㅤㅤ Guerreiro Raul já tinha os dentes quase para trincar, os gritos de terror nos seus ouvidos pareciam estourá-los; contudo, Raul avançou sem este medo, por ter a certeza no coração de que um fantasma nunca poderia afetar fisicamente um Homem. Pelo menos, era isso que Raul pensava até aquela noite.
ㅤㅤ Chegando no segundo andar, ele viu-se diante de um corredor estreito que levava para mais quatro portas, duas de cada lado. Mas, foi botando um leve sorriso no rosto de feições sérias que Raul virou-se para a esquerda. Não tinha de conferir cômodo por cômodo, a Aura Negra não mentia sua localização, ela vinha da última porta à esquerda. O que era ótimo e ruim ao mesmo tempo. Ali em cima, a Lua da noite parecia iluminar o local todo com clareza, o que fizera o homem desligar a lanterna e recolocá-la num dos bolsos de suas vestimentas.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Um passo na direção.
ㅤㅤ “Não Ouse!!” O Grito ecoou no meio do coral do terror.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Dois passos na direção.
ㅤㅤ “A Morte te aguarda a cada passo que avança!” Foi quase o guinchar de um pássaro.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Três passos na direção.
ㅤㅤ “Não, não, NÃO!
ㅤㅤ
ㅤㅤ Guerreiro Raul ignorou os gritos fantasmagóricos e avançou correndo até a entrada do quarto. E foi com toda essa pressa que ele tentou abrir a porta. Agora, meu caro ouvinte, você sabe aquele momento crítico, em que o tempo parece parar para dar espaço para os acontecimentos que estavam por vir? Pois foi exatamente aquilo que aconteceu naquele instante.
ㅤㅤ Assim que o moreno membro da Ordem tocou na velha e enferrujada maçaneta, por um instante, seus olhos viram algo que não deveria estar ali. E, num instante, aquela noite temerosa e aterrorizante se transformara e outra. E ele sabia disso porque ele não estava mais na casa abandonada, e sim, numa casa bem cuidada e iluminada. O coral de gritos e lamentos não mais parecia ressoar no seu espírito, e agora Raul se via assolado por um silêncio igualmente perturbador.
ㅤㅤ A mão que segurava a maçaneta tremia, e foi com aquele mesmo temor que o Guerreiro abriu a porta para descobrir o que lhe aguardava naquela sala, no antro de todo o terror do fantasma. Paremos aqui o tempo mais uma vez, meu ouvinte. E siga minha voz, pois agora tomaremos por emprestada a visão de Raul.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Imagine-se entrando em um quarto pequeno e muito escuro. A única luz que adentrava o lugar era a do astro da noite e noiva do sol, Lua; e era essa também a responsável por dar à você um vislumbre do que é o lugar: Os cômodos não são velhos, muito pelo contrário, pareciam ter sido comprados a pouco tempo. A parede era pintada de uma cor neutra, o que dava contraste ao chão com ladrilhos vermelhos. Talvez essa seja a descrição até mesmo do seu próprio quarto, não sei.
ㅤㅤ Mas o fato era que ali, caída ao lado da cama, estava um corpo.
ㅤㅤ Uma mulher com um corpo magro e quase subnutrido estava jogada no chão. Seu corpo ainda parecia se movimentar, bem de leve, como se ele lutasse em cada suspiro que soltasse, para que não fosse o último. Ela vestia trapos que pareciam algum dia terem sido roupas de cama, talvez até uma camisola à moda antiga, mas eles estavam sujos de poeira e sangue seco.
ㅤㅤ Aquela pessoa não estava ali porque queria. E não digo isso por eu ser o narrador onisciente desta história. Eu digo isso porque, presa ao seu pé, estava uma corrente. Uma corrente que prendia seu tornozelo sem folga alguma, trancafiada por pelo menos cinco cadeados que pareciam pesar uma tonelada quando vistos daquela forma. A pele da mulher naquele ponto estava em carne pura, e o sangue já duro que se formava no chão abaixo do tornozelo e na própria corrente mostravam o quanto ela tinha lutado para tentar escapar. Ou, ao menos, para se livrar daquele item maldito.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Trim
ㅤㅤ Tilintou o silêncio.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Raul piscou com força, e se deparou com um velho quarto caindo aos pedaços. O ladrilho vermelho estava todo quebrado e rachado, isso nas partes em que ele ainda estava ali. A armação da cama, que fora o que restara ali, estava corroída por ferrugem e parecia contorcida por completo. O moreno lembrou-se da visão que acabara de ter, e olhara com receio para o lugar em que a mulher estava. Enfim encontrara a origem de todo aquele mal.
ㅤㅤ Sem demora, colocou-se sentado ao lado do ponto no qual lembrara de ver a mulher jogada e abriu a bolsa de pano que carregava consigo, retirando dali primeiramente um giz branco. E, com ele, Raul começou a desejar no chão alguns círculos e símbolos que muito se assemelhavam com pentágonos e outras figuras geométricas. Guerreiro Raul estava fazendo o círculo de magia para seu ritual.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Aqui, eu vou parar novamente a história para explicar um pouco mais sobre este mundo que é o nosso, e não é ao mesmo tempo: Se você agora está notando, Raul tem capacidades paranormais de se mesclar com pensamentos negativos muito fortes, isso se deu por causa de sua extrema relação com criaturas do tipo, durante o correr de seus duros anos. Da mesma forma, acontece que muitos outros humanos também recebem alguns dons – ou, se assim quiser chamar, maldições – por muito se relacionarem com o que está por debaixo do manto da sociedade.
ㅤㅤ Acontece que, uma vez que o mundo real se junta ao mundo “real”, sempre surgem aí as anomalias para ambos os lados. Existem, sim, por exemplo, casos de homens que se tornaram criaturas das trevas ou de luz; e também há boatos sobre o contrário. O espírito que cada um porta dentro de si e suas vontades e virtudes são o que influenciam nos fios do Destino.
ㅤㅤ E é por isso, também, que Raul fazia naquele momento um círculo de magia. Ele poderia escolher qualquer coisa para representar sua intenção de purificação da alma do fantasma, como, por exemplo, uma bíblia sagrada, ou um manta budista; até mesmo rituais feitos por e recitados por ele mesmo representariam bem o papel. Pois, o que é realmente necessário para se fazer manifestar qualquer ato que quebre a realidade, são as vontades e virtudes. Guerreiro Raul precisa, mais do que tudo, acreditar que seu círculo de magia tem poder, e que ele tem a capacidade para ditar as regras que mandam nas almas.
ㅤㅤ Daí que surgem, por exemplo, as desavenças sobre os mitos populares. Um Vampiro não pode morrer com a água benta jogada por um padre que não crê em seu poder purificador. Mas, certamente a pele deste noturno queimará se esta água benta for jogada por alguém que acredita no poder ali contido, mesmo que tenha sido a água abençoada pelo mesmo padre que não crê no seu poder. Vendo por esse ângulo, pode parecer realmente fácil para qualquer um se tornar um caçador de monstros; mas não caiam nesta armadilha. Quando você fica cara-a-cara com seu pior medo, muitas vezes você começa a deixar de acreditar até mesmo na realidade, como então poderia acreditar na “realidade”?
ㅤㅤ Cavaleiros das várias Ordens que lutam contra o que há por debaixo do manto são tão comentados, tanto entre os humanos que os conhecem, quanto entre os seres míticos que habitam este mundo.
ㅤㅤ Porque eles são realmente poderosos.

ㅤㅤ Todo o ciclo de ritual de purificação de Guerreiro Raul estava pronto, exatamente como seu mentor havia ensinado ele a fazer. Os círculos se ligavam através das várias arestas que formavam ângulos e figuras com relação ao centro da imagem. Em volta do círculo, quatro velas de diferentes coras foram postas e acesas, muito embora o vento misteriosamente entrasse no lugar tentando apagá-las.
ㅤㅤ O Cavaleiro da Ordem sentou-se de joelhos ao lado do círculo e retirou do bolso uma pequena e gasta caderneta, também herança de seu mentor. Num rápido folhear pelo amarelo que se tornaram as folhas, encontrou a página desejada, onde, no meio de várias notas menores, havia algo que parecia quase um poema.
ㅤㅤ
ㅤㅤ - Espírito embebido em trevas e sombra.
ㅤㅤ
ㅤㅤ E, mesmo estando de olhos semi-cerrados, Raul novamente visualizou a cena que tivera quando entrou no quarto. Com a pequena diferença que a mulher agora parecia olhar para ele, e diretamente para ele. Com olhos que pareciam mais com duas lanças que gostariam de lhe perfurar a alma, eram olhos cheios de ódio. Ao mesmo tempo que a mulher parecia observá-lo diretamente, novas vozes recheavam sua mente, tomando de Raul o silêncio que o cercava.
ㅤㅤ - Quantas vezes disse para você parar de tentar!? - Dizia uma nova voz. - Os convidados ouviram! Pare de mexer estas malditas correntes!
ㅤㅤ
ㅤㅤ - De mim, fiel servo, não mais recebeis afronta.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Um sorriso cínico e curto acompanhou o olhar que acompanhava Raul, e ele parecia realmente estar naquele dia, com aquela mulher ainda viva o observando. Seus lábios estavam secos e quebradiços, até mesmo com sangue seco entre algumas feridas abertas, mas mesmo assim a mulher sorria com dentes amarelados. Observava-o, fazendo o esforço quase mortal de levantar o rosto na sua direção.
ㅤㅤ - Se você não me escuta, eu lhe trancarei neste quarto! - Vinha aquela mesma voz.
ㅤㅤ - Já é a quinta vez só este mês! Quinta! Não serei eu quem vai cobrir as janelas com grades, para que todos vejam a vergonha pela qual tenho de passar. - E seguiu-se o barulho de vidro sendo quebrado, com toda a raiva necessária no ato. - Pois já chega! Vou mandar comprar uma corrente e não deixarei nem mesmo que saia de perto da cama. É o fim de suas escapadelas!
ㅤㅤ
ㅤㅤ - Se cabe a este a mão amiga da luz...
ㅤㅤ
ㅤㅤ Os olhos da mulher se arregalaram e se Raul naquele instante não estivesse dentro de uma ilusão, ou de uma pseudo-ilusão, ele sabia que ele também arregalaria seus olhos e se assustaria. Pois aquela mulher, aquela que estava presa na corrente mexeu seus lábios formando uma palavra. Uma palavra seguida de outra. E, mesmo não havendo som nenhum, o Cavaleiro pôde entender o que ela queria dizer naquelas palavras.
ㅤㅤ “Salve-se, Guerreiro.
ㅤㅤ - Você realmente achou que eu queria que você viesse morar comigo? - Uma voz cheia de escárnio. - É tão idiota que chega a me dar raiva, é realmente possível que eu tenha uma relação de sangue tão próxima com você? Pois isso me enoja, você desgraçou a honra da minha família.
ㅤㅤ
ㅤㅤ - Que assim seja. Pois vem, minha alma te conduz.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Toda aquela visão se desfez na frente de Raul, e ele se viu novamente naquele recinto vazio. Entretanto, agora algo muito pior se fazia presente ali, naquele lugar. E quando disse “vazio”, quis dizer que não havia mais ninguém vivo ali, além do próprio Guerreiro. Pois naquele dia, Raul entendeu que até mesmo almas mortas, quando se desvirtuam e se tornam fantasmas, tem força de vontade a ponto de impor suas vontades. E naquele dia, ele também descobriu que fantasmas na verdade podiam atacar um homem fisicamente.
ㅤㅤ Na sua frente, o espírito renegado materializara-se.
ㅤㅤ A mulher surgira no plano material para impedir que sua maldição tivesse fim, e ali estava aquela mesma mulher que Raul vira nas suas visões. Entretanto, ela agora flutuava alguns centímetros acima do chão. Seu olhar era completamente escuro e seu corpo parecia emanar uma aura púrpura que chegava a cheirar como o enxofre. Presa ao seu pé, havia ali uma corrente prateada que fazia sangrar gotas que nunca tocavam o chão antes de desaparecer. A corrente esta presa ao nada e flutuava assim como a garota.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Trim
ㅤㅤ A corrente tilintou num estalo, e no momento seguinte Raul caiu para trás com o rosto marcado pelo golpe do espírito. O Cavaleiro estava quase atônito, pois já enfrentara inimigos materiais sim, mas nunca um fantasma que se tornara um oponente do mesmo plano. Seus membros tremiam, e ele via que pela primeira em muito tempo deixava-se dominar pelo medo.
ㅤㅤ E começava a novamente ouvir os lamentos dos que morriam antes da hora.
ㅤㅤ E começava a novamente ver-se no hospital em que fora internado quando criança, naquele lugar onde o terror rondava a sua mente e ele nunca entendia o porquê. Raul via-se novamente atormentado pelos vultos das noites inconstantes de sua infância e sentia sua vida esvair-se em cada lágrima que chorava por puro terror. Eram tempos terríveis.
ㅤㅤ Ali, no plano que beirava entre a realidade e a “realidade”, o fantasma da mulher agora ria alto, e sua risada ressoava como se fossem tilintares de correntes que eram forçadas. A corrente que pendia do seu pé envolvera Guerreiro Raul e o apertava os músculos com uma força sobrehumana, força tamanha que faziam estalar os ossos e as juntas do corpo do Cavaleiro. Mas ele estava em estado de choque, nem sequer sabia do corpo, mais se importava com o medo que o assolava.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Cada vez menos o pequeno Raul conseguia dormir. Seus pais nunca vinham visitá-lo, ele não tinha pais. E, fora a família que nunca teve, também era a saúde frágil a interná-lo num hospital. O serviço social achava que estava fazendo o bem para o garoto, mal sabendo que o internavam no único lugar aonde nunca teria paz. Ele começava a criar olheiras enormes pelas noites à pio, e seu corpo ficava cada vez mais fraco, tal qual sua saúde. Pois são pessoas completamente diferentes, aquela que quer viver um próximo dia, e aquela que não mais suporta um único dia.
ㅤㅤ Mas isso foi até aquele dia.
ㅤㅤ Aquele dia em que um grupo de voluntários aparecera para alegrá-los com roupas de palhaços. Não, Raul não achava graça em nada que faziam. E por mais que tentassem, tudo que Raul conseguia fazer era balançar a cabeça, aceitando ou não o que lhe dissessem. Mas isso foi antes do Palhaço Paçoca entrar. E foi só naquele momento que ele levantou o olhar para observá-lo.
ㅤㅤ Não sabia quantos anos tinha, a maquiagem lhe ocultava a idade e a identidade. Mas isso não importava. Pois aquele ser era diferente. Assim como os espíritos em sofrimento emitiam o terror, aquele homem emitia luz, uma aura de tranquilidade envolvia o corpo daquele homem, e, mesmo sem ter feito nenhuma brincadeira, tinha feito Raul esboçar um sorriso. O Palhaço Paçoca pareceu entender quem era o garotinho que ele observava, e o que ele tinha sofrido. Pois foi até ele saltitando e pulando, para logo em seguida lhe entregar, não uma bala ou um pirulito, mas um pequeno pingente com o símbolo da luz: O Sol.
ㅤㅤ Algumas semanas depois, Raul fora adotado por um homem chamado Charbel Vieira, também conhecido dentro da Ordem dos Cavaleiros do Silêncio como “Alegre” Charbel. O homem que se tornara seu mentor, o Palhaço Paçoca.
ㅤㅤ
ㅤㅤ E mesmo com o corpo envolto naquela corrente fantasmagórica, Raul conseguiu trazer seu braço até o peito, onde o pingente pendia por debaixo da camisa. Voltara a realidade, e junto, sentia as dores do corpo. Mas, junto disso, voltava também a vontade de viver e a coragem. E o medo fugia frente àquele que se chamava “Guerreiro” Raul.
ㅤㅤ Naquela noite Raul também descobriu que a Magia que se oculta por de trás do Manto não era algo completamente sombrio. Não era algo que deveria ser combatido pela força de vontade dos Cavaleiros da Ordem. Afinal de contas, a Força de Vontade, como ele bem pôde sentir naquela noite, também era Magia.
ㅤㅤ - Que assim seja. Pois vem, minha alma te conduz!! - Bradou o moreno, tentando ignorar a dor do aperto das correntes malditas. E naquele instante apertou na pala da mão o pingente do Sol, que começou a emitir um brilho forte e azulado.
ㅤㅤ - Que assim seja. Pois vem, minha alma te conduz!!! - O tom de voz aumentou e a corrente pareceu apertá-lo ainda mais, ao mesmo tempo que o fantasma pousou a cabeça sobre as mãos e começou a agoniar de dor, onde os gritos ecoavam como correntes se quebrando e tilintando.
ㅤㅤ - Que assim seja. Pois vem, minha alma te conduz!!!! - O grito de Raul Guerreiro foi forte, e, daquela vez, ele sentiu o pingente alterar-se nas suas mãos. Por um breve instante, Raul sentiu estar carregando, não uma simples memória de seu mentor, mas uma espada de luz. Uma espada que, num instante, cortou a corrente que o prendia, transformando-a em sombras que logo dissolveram-se no nada.
ㅤㅤ
ㅤㅤ - E que tua alma descanse. Pois não há alma que não mereça a Luz.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Aqui, meu ouvinte, eu pauso a cena para mostrar algo muito peculiar: Aquele fantasma que materializara-se com seu puro ódio e rancor da vida e da casa que a aprisionara tinha aparecido para Raul no mesmo lugar onde ele criara um círculo de magia, segundos antes. E também era naquele mesmo lugar que aquela mulher tinha morrido, presa à uma corrente. E quão surpresa seria, se eu he dissesse que, na realidade, tudo que aquela moça queria, era que justamente Raul o salvasse? Pois naquele instante, Raul lembrou-se das palavras que a moça soletrara para ele na sua visão. E, curiosamente, agora as lembranças eram outras.
ㅤㅤ “Salve-me, Guerreiro.
ㅤㅤ E Guerreiro Raul ergueu seu pingente na direção do fantasma, e o item pareceu agora brilhar mais que o próprio sol, pois um clarão fez-se naquele quarto. E no instante seguinte, estava ali apenas o Cavaleiro da Ordem, de joelhos no chão, com o corpo dolorido e a alma aliviada.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Trim
ㅤㅤ Tilintou a Casa dos Tilintares, uma última vez. Mas aquele som não parecia o tilintar de uma corrente. Mais se assemelhava com o tilintar de um sino, de um pequeno sino que soou, bem perto da alma de Raul. E ele sentou-se no chão, ouvindo novamente aquela voz das visões.
ㅤㅤ - Então, você é a minha irmã, não é? - Disse uma voz simpática, a mesma que gritava no espírito de Raul, instantes antes. - Eu entendo que sente a mesma dor que eu, pela morte de nosso pai. Mas devemos seguir em frente. Estou construindo uma casa para morar com minha esposa, vai ser um sobrado dos mais requintados da cidade. Gostaria de morar conosco? Vai ser uma alegria tê-la comigo, para compensar todos os anos que me foram perdidos de convivência com você. Nesse tempo que nem sabia de sua existência. Sim, somos apenas meio-irmãos, mas de que importa? Vem comigo?
ㅤㅤ Sabe, muitas vezes eu comparo o paraíso idealizado dos homens com uma ilusão daquilo que eles mais desejam. Pois, se eu estava certo na minha comparação, eu tenho certeza que agora, uma Irmã corre de braços dados ao seu Irmão.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Em algum lugar do paraíso.
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quarta-feira, 18 de maio de 2011

Esboços



Em traços de neve, criei-a.
Formada em lábios de mel e suspiro
Temporária, estava ali meu alívio.
E sorria para mim, a sua maneira.

Em traços de grafite existia.
Estátua de Afrodite; inerte, imóvel.
Não obstante, meu ser era onócuo
Diante da imaculada sua magia.

E em traços de lágrimas, lembro o que vivi.
Pois na neve (não) há seu calor.
Pois no grafite (não) há seu louvor.
Mas dos traços, falta a ti.




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terça-feira, 19 de abril de 2011

Sobre a Utopia


Fora não mais que uma tormenta;
Tendo, o viver do impossível, vivenciar.
O peito arde e a alma já não aguenta
Era dor, do desejo jogado ao ar.

Fora muito mais que uma dádiva;
cravou, lá no fundo, a Certeza.
O toque que queria, ela lá estava
Utópica, sonho de lábios, minha princesa.

Não obstante, não é de noites insólitas que se faz vidas
À você, doce amada, estas letras muito mais tem contidas.
Àquela que une tormenta e dádiva, imploro em solo;
Não mais venha nas nuvens, é nos seus reais braços que me revigoro.





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quinta-feira, 14 de abril de 2011

A Guarda - Introdução

ㅤㅤPara você, caro leitor, tenho que, antes de tudo, deixar uma mensagem de suma importância: Tudo o que você lerá veio embasado em muita pesquisa, anotações e deduções, vale a pena ressaltar este último ponto. O fato de eu usar da narrativa para descrever todas as cenas é puramente um efeito de estética e que facilitará o entendimento para aqueles que tiverem meus escritos em mãos.
ㅤㅤTodos que pretenderem dedicar seu tempo aos meus últimos treze anos de busca, devem lê-los do modo que foram encontrados; ou seja, cada volume e capítulo por vez, já que que minhas descobertas foram escritas em ordem cronológica e muitas vezes uma depende diretamente de uma anterior para fazer sentido. Válido também é notificar os leitores que, assim como ocultarei alguns fatos e descobertas, em muitos outros momentos usarei de descobertas futuras para melhor explicar um fato antecedente. Peço que compreendam que toda a modificação que eu faço é para o melhor entendimento daqueles que poderão prosseguir com meu último legado.





ㅤㅤSou Jair Darwinheart, e já fiz muitas coisas em minha vida. Mas, dentre várias delas, destaco duas coisas: A primeira é o trabalho ao qual me dediquei por quase toda minha vida, sendo um consultor investigativo para casos complicados em todo Brasil. Afinal de contas, é muito fácil, com a tecnologia e ciência atual, remontar todo um crime em seus mínimos detalhes, mas a mente humana continua sendo algo bem mais complexo que qualquer cena ou prova.
ㅤㅤO segundo ponto que destaco, é minha fascinação por casos paranormais. Uma vez que sou formado em muitas áreas de ciências biológicas e humanas, chega a ser quase um tabu para mim aceitar que no mundo existam incidentes inexplicáveis. Foi graças à junção destes dois pontos que hoje vocês têm nas mãos essas páginas e páginas de conhecimento adquirido.

ㅤㅤAntes de iniciar a narração da primeira de minhas buscas, resumirei um pouco sobre como me engajei em tamanha empreitada: Dois anos após me aposentar de meu trabalho e cinco anos após a morte de minha esposa, eu acabei sentindo um vazio enorme em meu peito. Meu filho eu já não via fazia oito anos, e, por motivos que oculto por agora, talvez ele nunca mais quisesse me ver; os avanços tecnológicos eram tantos que já quase não precisavam de minha ajuda; e uma vez que não tinha mais quase nada com o que ocupar-me a mente, notei como minha amada Pandora fazia falta naquela casa tão vasta.
ㅤㅤFoi buscando um sentido para minha vida que viajava novamente para Londres para ingressar numa nova faculdade aos sessenta e oito anos. Já não estava tão motivado como na época da juventude, culpava a minha idade avançada, quando na verdade era por puro desinteresse que se ocultava naquela minha tola tentativa. Todavia, foi por obra do destino que durante a viagem eu me deparei com algo completamente inacreditável e inesquecível. Por hora, não revelarei mais sobre este ponto, mas haverá uma caderneta inteira explicando sobre o que ocorreu naquele dia.

ㅤㅤO fato é que aquilo que eu vi reanimou todo meu espírito e me deu finalmente algo novo para o qual me dedicar. Agora, já faz mais de dez anos que pesquiso sobre fatos relacionados a esta organização denominada “A Guarda”. E, pelo medo de a morte me abraçar e do mundo perder todo o conhecimento que acumulei, é que estou organizando minhas anotações e descobertas desta forma. Se vocês agora estão lendo isto, provavelmente já devo estar morto, seja por causas naturais, ou por causas “naturais”.
ㅤㅤAos que adentram no universo d'A Guarda, peço cautela em cada passo dado. Pois muitos serão os desafios e poucas serão as recompensações.




Hehe, a inspiração e a empolgação finalmente vieram. E vieram fortes e sagazes. Isso é só uma prévia, aquilo que está antecedendo uma série de contos que tem como plano de fundo a organização "A Guarda". Vocês saberão mais das minhas idéias conforme escreverei cada uma das histórias!
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terça-feira, 12 de abril de 2011

Postagens Atrasadas


Então, tem gente brava comigo porque faz um tempo que eu não escrevo nada para colocar aqui. Pois é... estão certos em ficarem nervosos mesmo! Até eu estou frustrado comigo mesmo. Então, vim fazer a pequena postagem explicativa:

Eu já tive uns vários surtos de idéias durante este mês e o mês passado. No total, tenho idéia para uns nove contos, que já estão com os enredos devidamente anotados na minha caderneta de notas. Fora isso, é claro que vez ou outra me vem os poemas que eu trago vez ou outra. Então, Tadashi, porque não posta?

Simples! Eu não estou com aquele "tesão" pra escrever ultimamente. Entrei numa fase um pouco... como eu posso dizer... zen? De qualquer forma, meus dedos já estão formigando pra eu digitar logo algumas histórias para o blog. Então, é só esperar vir AQUELA empolgação e eu despejo minhas idéias aqui!




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quarta-feira, 16 de março de 2011

Da Hipocrisia ao Futuro


Este vai ser um texto um tanto... Diferente. Ou não. Vai saber, às vezes vocês entendem dos meus textos mais do que eu. Bom, o fato é que isto soará mais como uma conversa do que qualquer outra postagem.





Eu não sei se isso é válido, mas eu acho que todo o escritor de ficção é um hipócrita. Mas é um tipo de hipocrisia diferente. Ou... sei lá, é difícil de explicar. Sabe? Às vezes eu tento transmitir tantos tipos de sentimentos na minha escrita que eu acabo me esquecendo que a maioria deles, eu não vivi. Do tipo, a coragem de um personagem secundário; ou a força de vontade e o espírito incansável do protagonista daquele conto acolá; ou até mesmo um ato inesperado que um dos integrantes da história fez no meio da narrativa. Eu não passei por isso tudo. Não tive a coragem daquele fulano de tal numa hora que precisei ter, ou nunca tive a força de vontade daquele outro ciclano, ou então, eu nunca fui capaz de realizar um ato que era preciso.
Por isso, acaba que eu estou pensando assim: Meus personagens são melhores do que eu.

E, geralmente não é só. Ultimamente, eu fico orgulhoso de mim mesmo por conseguir dar ótimos conselhos aos amigos meus que estão com problemas. Fico feliz em saber que eu consigo animar uma pessoa com palavras boas, e que consigo fazer um sorriso aparecer na face de outra pessoa. Isso é muito bom, uma das melhores sensações que eu já tive – e que espero ter pelo resto da vida. Todavia, agora eu parei e pensei um pouco: Aquelas palavras tão bonitas que eu falei. Eu estou as cumprindo? Não, acho que não.

Eu já contei a vocês o porque de eu decidir escrever? Talvez já, talvez não. Mas, não ligo, falarei de novo: Eu fui cresci vendo aqueles desenhos japoneses, lendo aqueles livros, vendo aquelas séries, vendo aqueles filmes, lendo aqueles quadrinhos, ouvindo aquelas músicas. E eu me maravilhava com a forma com a qual os autores, desenhistas, atores, diretores, músicos e cantores conseguiam mexer com as minhas emoções. Era incrível. Foi com o tempo que eu notei que meu grande sonho era conseguir fazer o mesmo que eles! Criar emoções, brincar com as que já existiam.
Tentei uma pá de coisas; música (gaita e teclado, um desastre nos dois), mágicas com cartas, canto, desenho. Mas nenhuma deu muito certo. Foi então que eu me deparei com a escrita e me afeiçoei com ela.
Mas novamente eu paro pra pensar: Eu, como pessoa, não estou fazendo por onde. O que as músicas dizem, ou no ato daqueles personagens.

Então, depois de pensar muito sobre o assunto,(e já tentar me mudar quanto a este ponto várias vezes) eu decidi fazer isso de vez. Vou quebrar um pouco com a hipocrisia dos meus textos e dos meus conselhos e fazer por mim mesmo.
Eu preciso emagrecer, por questão de saúde e até por estética. Eu preciso estudar, pra entrar de uma vez na faculdade. Eu preciso treinar mais duro no Karatê. E eu preciso correr atrás de alguém pra mim. Que pelo menos a hipocrisia com a qual eu escrevi meus personagens possa se tornar um pouco real!
Então, minhas caras crias de contos e poemas, me emprestem um pouco de suas personalidades, tá?




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segunda-feira, 7 de março de 2011

Passos não dados



E essa é a dor, querido.
Finda na mente, na silhueta longe.

Chuva caiu, não sem sentido.
Tido como contido, no fundo, na silhueta longe.

Resquícios do nada, você consigo.
Caminha no infinito, busca o finito, a silhueta longe.






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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Suma Importância Nacional

O modo mais fácil de destacar a importância que os Jornais Televisivos dão as suas matérias, é analisando o tempo que eles reservam para cada tipo de reportagem. Confira...



Atual situação de desabrigados das chuvas: Nulo
Situação política do Estado Egípcio: 30 Segundos
Investigações policiais sobre quadrilhas: 1 Minuto
Despedida do Jogador Ronaldo Fenômeno: 15 Minutos, e cobertura ao vivo


A população brasileira fica feliz com a adequação de temas e tempo.
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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Renúncia à Divindade

ㅤ Conforme adentrava o lar; mostrava-se, imponente, onisciente. Era de mármore, pele prateada, roupas que pesavam toneladas. Tocou nos lábios dela, mas ela só sentiu pó e pedra. Olhou-a por cima dos ombros e depois deixou correr sua purificação.


ㅤ A água desceu sobre o corpo. O prateado se substituíra pela cor do pecado; as roupas de mármore e pedra, jogadas num canto. Ele a viu sorrir. Renunciara ao posto de Deus. Agora era só o marido dela. Beijou-a, e agora sentira sua carne e amor.


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sábado, 22 de janeiro de 2011

Imagens e Marcadores

Olá para os leitores do Blog! Cá estou novamente para (des)entretê-los sendo apenas eu, rs. Enfim, esta postagem é algo que vou tentar fazer ser bem rápida e direta. A mensagem principal: Dei uma pequena modificada nos marcadores das minhas postagens - sendo mais preciso, nas postagens de contos -, e vim aqui para explicar melhor sobre eles. Junto, haverá uma sugestão minha, para o caso de estarem lendo pela primeira vez uma postagem minha. Vamos lá!


Contos: Drama
Onde colocarei as minhas narrativas que visam, como objetivo principal atingir meus leitores pelo sentimento de sensibilização do personagem ou do conto, por inteiro. Como podem ver pelo número de postagens, não é minha preferida. Minha sugestão, dentro do tema, é Lágrimas no Paraíso, que retrata a estória de um homem que perdera tudo na sua vida, e, subitamente, tem uma nova chance. Posso dizer com extrema certeza que me dediquei bastante a este escrito.

Contos: Fantasia
O estilo que predomina nas minhas narrativas, porque simplesmente adoro entrar num mundo em que só se pode ter acesso pela imaginação. E também, a clara influência das literaturas infanto-juvenis em minha literatura. Deste estilo, eu aconselho lerem Penas e Cera. Não é o conto ao qual mais me dediquei, e também não é o que mais gostei de escrever. Entretanto, é um texto recente e que mostra o nível de minha escrita, atualmente. A história tem saltos temporais, indo desde a pré-história até a atualidade. Com um laço que os envolve quase invisível.

Contos: Horror e Suspense
Aqui se encontram a maioria dos meus primeiros escritos. Vez que eu escrevia estas narrativas - e ainda escrevo, vez ou outra - para um concurso de contos de Terror de uma comunidade a qual eu participo. Abordo, a maioria das vezes, temas pesados e gosto de retratar sem dó cenas com sangue e carnificina. Destaco, dentre os escritos, o conto surreal Chaves, Reflexos, Sentimentos, onde narro a curta e terrível jornada de Daniel, que se viu repentinamente forçado a abrir treze portas que guardavam inúmeras surpresas relacionadas a sua vida.

Contos: Humor
Estilo recente, que comecei após algumas influências de leitura e da internet - destaco aqui a presença dos textos do Cronista André Mansim, do blog Verdades e Bobagens. É divertido, e acabou que a maioria dos meus contos deste estilo podem ser encaixados, também, no marcador "Crônicas". Indico, deste estilo, O Natal de Ariadne Leverson e a Greve Surpresa, que narra, com toda a graça que eu tento colocar na minha literatura cômica, o que aconteceu de surpreendente na noite de natal da mesquinha e cética Sra. Leverson.

Contos: Real
Aqui estão as histórias que não tem a pitada de fantástico. São poucas, mas eu gosto de grande parte delas. Estas são narrativas que destrincham fatos que poderiam realmente acontecer, vez ou outra. Quem sabe até apareceu na tela de sua televisão, semana passada. Deixo, de "Real", o conto Relatos Mirins, que na realidade está mais para crônica, rs. É um escrito que relata de jeito cômico várias situações pelas quais as crianças e seus pais passam. Fruto de ingenuidade e lugares-comuns da relação familiar novata.

Contos: Surreal
Aqui estão os textos em que eu, provavelmente, mais usei de introspecção e brinquei com a mente do meu leitor. São leituras que se moldam de um modo especial para cada pessoa, e as deixa com alguma ponta de reflexão sobre grande parte da estória. Do tema, eu deixo, com tranquilidade, o primeiro Monólogo. Esta série de contos - sendo eles; Monólogo 1,2,3 e 4 - narram o personagem Pierrot. Atuando, no que parece ser o palco de um teatro, a um monólogo que trata de várias questões reflexivas da vida de cada um. O Pierrot salta nas emoções, indo da alegria contagiante à tristeza mórbida em poucos segundos. "Monólogo" é uma série de contos que nunca irei parar de fazer, por retratar, algumas muitas vezes, sentimentos contidos dentro de mim por muito tempo.


Enfim, espero que essa nova maneira com a qual organizei as postagens do blog ajude alguém quando quiser procurar por escritos meus. Eu pretendia terminar a postagem aqui, mas me lembrei de um comentário bem antigo, sobre as imagens que eu posto nos blogs. Eu gostaria de dizer que todas as fotos de Céu que postei por aqui foram tiradas e editadas por mim. E, de folga, estou deixando aqui algumas fotos que me agradaram bastante. E, quem sabe, não agradam também a mais pessoas.









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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Sem Pátria


No Japão, sou Brasileiro.
No Brasil, sou Japonês.


Cocei a cabeça, procurei apoio moral.
- E agora?
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Prático, Útil...


João Carlos, morto na catástrofe das chuvas em Teresópolis


Assassino Luís acendeu um cigarro, deixando de lado a parte de óbitos do jornal.
- Poupar bala, sempre bom.
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Pratici(Bruta)lidade

Guia do Matador de Insetos, Volume 4, Página 476:


“Artigo n°967: Sobre a relação banho x barata. Caso um matador interceptar um protozoário baratóide durante seu momento de pura higienização, há três modos com os quais se seguir.



A: Conforme artigo n°967, a primeira solução é, com toda a destreza natural possível, saltitar pelo chão enquanto o insetóide corre desordenadamente – como é de sua natureza. A direção que deve seguir é a da porta do box, para sair dali o mais rápido possível e voltar com nossa melhor arma.
B: Conforme artigo n°967, a segunda solução é, usando do jato de água proporcionado pela mangueira de banho, virar nossa arqui-vilã de costas. Logo após isso, a técnica é uma mescla de puro bom uso de química, física e experiência no ramo de Matador de Insetos. Segure o sabonete com a mão e o molhe, logo após, girando o sabonete na mão – caso não haja destreza suficiente para o ato, use as duas – deixe com que o líquido, mescla de água e sabonete líquido, caia sobre o corpo da barata. Uma vez que ela respira pelos poros daquela parte do corpo virada para cima, seu ataque será igual ao de quando alguém joga água nos seus tubos respiratórios. Dura apenas dez segundos até completa morte da barata.
C: Conforme artigo n°967, a terceira solução é, compartilhando de grande prática no ato, pisar no inseto. Uma vez que está banhando-se, basta se desfazer dos restos do inseto e higienizar-se.”
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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Última Vez



“Vai-te”, me dissera, “leva seu destino”, só uma vez;
Fraterno, o abraço me fizera a vida.
Digo, certo, não saber, do fundo de minha (in)sensatez,
Como e tanto a voz por mim se fez acolhida.

Foi em marrom outonal, bem lembro.
E, da secura de uma desperdiçada transparência dos olhos,
vi ali a cura de qualquer ferimento.
Passos de firmeza, de alma hesitante, sem remorsos.

Já de longe, a alma fez tremer.
E meus passos se projetaram de volta, só no meu coração.
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Destino Desatino


I – Cinzas do Passado

ㅤㅤ Depois de tanto desejar se ocultar na escuridão, lá estava Januário – de boca seca e olhos vidrados no nada – desejando, agonizante, por um feixe de luz. Mais a frente, na mesa suja e cheia de garrafas de pinga vazias, jazia ela.


II – Tentativas do Presente

ㅤㅤ Querida Mariana,


ㅤㅤ (Largou a caneta, respirou fundo. Havia pouca tinta e tinha certeza – ou queria ter a certeza – de que ela não terminaria aquele escrito. As folhas, amareladas, eram as últimas da gaveta. E, bem no fundo, Januário sentiu que não haveria mais cartas. Alcançou novamente o objeto e pôs-se a escrever.)


ㅤㅤ Esta será, provavelmente, a minha última chance de atar os nós que, há muito tempo, eu deixara soltos. Agora que já não reflito, reviso e reescrevo meus escritos; tenho a total certeza que tudo o que está escrito aqui sou simplesmente eu. Não minha máscara porca e imunda, não minha técnica na escrita; será simplesmente eu, Januário Lopes.

ㅤㅤ Para que possa entender com exatidão toda a complexidade das minhas palavras, Mari – se é que posso ainda chamá-la assim –, devo começar onde todos os romancistas tradicionais geralmente começam: Pelo início.
ㅤㅤ Será que você, por ventura, é capaz de se lembrar de como nos conhecemos? Da maneira com a qual, naquele bar de Jazz da zona norte, nós nos cumprimentamos e trocamos aqueles olhares tão íntimos, apresentados um ao outro pelo camarada Batista? Pois, se sim, eu posso dizer que estas memórias que carrega consigo, eu também levo dentro do que resta da minha alma. Aquela era uma época em que eu realmente era feliz. O Batista, hoje me pergunto se foi realmente uma benção na minha vida, estava arrumando tudo para mim com todas as editoras onde tinha contatos. O nome “Olive Golden” começava a aparecer cada vez mais nos cadernos B dos grandes jornais do país, meu pseudônimo virou uma febre entre os adolescentes que – tão crentes de lerem um célebre e jovem escritor norte-americano, que só fora descoberto no Brasil – faziam a questão de espalharem a minha literatura comercial de todas as formas possíveis.
ㅤㅤ E, depois de três livros entre os mais vendidos dos escritores nacionais da atualidade, você me surgiu. Uma luz na minha vida, que servia um café adocicado nas minhas madrugadas insólitas e me dava sorrisos em momentos que eu nunca cogitaria ter dado um. Casamo-nos um ano e meio depois de termos total certeza que fomos feitos um para o outro; e, três anos depois, tínhamos uma casa longe da correria da grande São Paulo, o carro do ano e uma poupança de dar inveja em muitos. Mesmo eu podendo bancar tudo, Mari, você ainda queria trabalhar. Seu ofício como bancária sempre fora um fardo para você, eu bem sei. Mas hoje eu agradeço por você não o ter parado por nada. Ao menos assim eu retirei um dos pesos dos meus ombros, em saber que, ao nos separarmos, você viveria bem.



ㅤㅤ Mais um ano destes segundos tão valiosos se sucedeu, meus livros já tinham perdido aquela fama – como toda boa febre adolescente –, mas mesmo assim vivíamos bem e ríamos. Eu me lembro bem daquela noite, minha querida, aquela na qual saí com Batista para uma prosa descontraída e algumas latinhas de cerveja. Cheguei em casa tarde, mais de onze da noite, tenho certeza, mas você me esperava na sala. Os cachos castanhos levemente caídos para a direita e os olhos selados num leve sono. Fechei a porta com cuidado para não acordá-la, sem sucesso algum. Você abriu os olhos e, quando eu pensava vir uma reprovação pela minha tentativa de vida boêmia, sorriu para mim de um jeito inesperado.
ㅤㅤ Não preciso dizer o quão desconsertado fiquei, preciso? Levantou-se do sofá com uma leveza com a qual nunca vira se mover, e, com um derradeiro amor, você me teve nos braços. “O que foi, Mari?” perguntei, provavelmente sentiu o hálito forte que tinha. Demorou-se a me responder, apenas aconchegando seu corpo tão pequeno ao meu. Num misto de serenidade e alegria, “Estou grávida”, você me disse. A notícia no início me veio como um tapa, pegou-me desprevenido. Mas, como todo tapa de um casal no auge de seu amor, o tapa veio seguido se um aconchego, de uma reconciliação e de uma confirmação: De que você viera para ficar para sempre na minha vida. Ah, Mari, como eu gostaria de novamente beijá-la como a beijei naquele momento. Com tanta emoção no peito.



ㅤㅤ (Deixou a cabeça cair sobre os braços, e, com toda a saudade do mundo, Januário se deixou chorar lágrimas de redenção. Mariana, como queria ter continuado a ficar com ela. O desalento aumentou e o escritor falido pouco notou das lágrimas que borraram o papel.
ㅤㅤ Conteve o grosso das gotas do passado e agruras do futuro e levantou a face. Precisava terminar o que se comprometera a começar mais uma vez.)



ㅤㅤ Meses se passaram rápido, eu vivia agora numa alternância entre cuidar de vocês duas e cuidar de mim mesmo, de meus escritos. Passávamos por uma fase um tanto difícil, economicamente falando, os contratos com algumas editoras se encerrara e elas não quiseram renová-los. Também as idéias pareciam não fluir tão bem como antes. Mas eu pouco percebia daquilo tudo. Para mim, só bastava amá-la. Mimá-la. Ríamos sem motivo e passamos muitas noites em claro, apenas deitados abraçados e conversando sobre nossa querida Amanda. Era um hábito que tínhamos ganho havia pouco tempo, uma vez que eu já não passava noites em claro na frente de um teclado.
ㅤㅤ Nos mudamos para um apartamento, vendemos nossa casa para podermos ter uma nova que se adaptasse para nossa filha. Na realidade, nós dois sabíamos que nos desfizéramos da casa para que pudéssemos devidamente comprar tudo o que fosse necessário para nossa pequena; Amanda seria filha de pais felizes e atenciosos.
ㅤㅤ E, foi só então que ela nasceu. De parto natural, numa madrugada de segunda, ela nasceu.



ㅤㅤ (Levantou-se um pouco e caminhou com passos pesados pela pequena sala. Por um momento, ele deu graças por toda a bebida alcoólica ter acabado. No momento seguinte, sentiu-se desgraçado em confessar para si mesmo que queria ter ao menos mais um copo de vodka.
ㅤㅤ Coçou a barba mal cuidada e sentou-se na cadeira novamente.)


ㅤㅤ Aquela foi a segunda época de ouro de nossa vida, não foi, Mari? Cada segundo após o nascimento de Amanda foi pensando apenas nela. As roupas, os móveis, o carinho, o amor. Ficávamos quase o dia todo juntos, tanto, que mal notara que já não escrevia nada que prestasse havia vários meses. As contas que se atrasavam, eu pensava na época, podiam ser resolvidas depois. Eu mal me lembrava que já não tinha mais contratos e que a comissão pelas vendas de meus livros já eram uma mixaria.
ㅤㅤ O pior, é que senti tudo isso da pior maneira, tudo de uma vez. Estávamos caminhando no parque, nossa Amanda tinha quase dois anos e agora dava seus primeiros passos livres, saltante e dançante. Nós caminhávamos todos os dias, era uma atividade tranquila e revigorante – além de não tão caro. A pequena correu um tanto para longe de nós, saindo de nossa vista momentaneamente, seu aviso de desaprovação de nada serviu. Quando corremos para acompanhá-la, lá estava ela. Amanda estava parada na frente de uma pequena loja no meio do parque, uma loja que vendia souvenirs e pequenos itens. Os olhos da pequena estavam presos num ursinho de pelúcia, olhos de quem se apaixona.
ㅤㅤ Alcançamos nossa filha e ela se virou para nós com uma calma espetacular, um segundo depois, apontou para o ursinho e tentou, naquelas palavras tão doces e carinhosas, dizer para nós que o desejava. Movido pelo puro impulso de alegrar minha garota, entrei na loja e apontei o item. A funcionária fora rápida em alcançá-la e logo estava pagando por ele no caixa.
ㅤㅤMari, como eu desejava que aquilo não tivesse acontecido. O cartão de crédito não foi aceito com um “limite estourado” piscando na tela do aparelho. Quando virei-me para fora da loja, lá estava ela, no meio de suas pernas, toda esperançosa. Eu nunca pude me esquecer do seu olhar de tristeza quando disse que não podíamos levá-lo naquele momento. Prometi a mim mesmo que viria outro dia só para pegá-lo para Amanda.
ㅤㅤ Todavia, querida, este dia não chegou.
ㅤㅤ Quando chegamos em casa, depois do passeio, descobrimos que a luz fora cortada pela falta de pagamento. O terceiro aviso de pagamento do aluguel do apartamento estava caída na entrada, e a montanha de contas nos recepcionou, com a caridosidade do vento da janela que deixamos aberta, jogada por toda a sala.



ㅤㅤ (Deixou seus olhos passearem pela sala, aquele pequeno quarto em que morava agora não era nada, comparado ao apartamento em que vivera com Mariana. Comparado à casa em que moravam, ainda antes. Olhou para a caneta, ainda havia bastante tinta. Teria de terminar.)


ㅤㅤ Por cerca de um mês inteiro, eu tentei voltar a escrever. Voltar a fazer dinheiro com a minha literatura, para que não pagássemos todas as contas com o seu puro esforço no banco. Fora um mês inteiro de frustração, e, quando eu notei que nada iria sair, vi-me com Batista novamente. O velho amigo, que agora raramente víamos, chamou-me para sair, para relaxar um pouco, por conta dele.
ㅤㅤ Carente de consolo, aceitei o convite de minha danação. Naquela noite, bebi tanto que Batista sentira-se culpado em chamar-me para sair. Minha cabeça girou, pensando em tudo que eu tentava não pensar, pensando em tudo que eu tentava pensar em, pensando em tudo. E, cambaleante, Batista me deixou há uma quadra de casa.
ㅤㅤ Foi exatamente ali que encontrei-o. Quando tentava discernir qual era a chave que abria a porta de entrada do bloco, deixei minha percepção porca notá-lo, um metros atrás de mim. O homem de pele branca e roupas desgastadas me observava com uma calma aterradora. Seu olhar tão cheio de nada me fez levemente estremecer, assim como toda a aura de terror que ele parecia emanar. Nervoso, esbravejei qualquer coisa.
ㅤㅤ "Vim porque nós podemos fazer bons momentos juntos”, ele respondeu. “Porque eu sei algo que aliviaria sua tensão”, ele respondeu. Naquele primeiro encontro, deixei-o falando sozinho e entrei em casa. Acabei discutindo com você, e tenho a leve impressão que Amanda vira tudo, do pequeno vão aberto na entrada de seu quarto. Dormi caído no sofá da sala.

ㅤㅤ Depois daquele dia, resolvera sair para beber sempre que me sobrava dinheiro. O pouco dinheiro que eu recebia de comissão por livros vendidos rendia-me a saída alternativa para os problemas em goladas doloridas e boas. E era sempre nesses momentos que ele aparecia, aquele homem pálido. “Me chamo Macedo”, disse um dia, “Sou um homem de mau com a vida, assim como você”. E, aos poucos, eu acabava dando corda para conversas com ele.
ㅤㅤ Pelo que me dizia, ele também já tivera muito e agora nada tinha. E insistia que agora era um homem feliz, por ter conseguido sua “válvula de escape”, como ele mesmo disse. Eu sei, Mariana, que nunca me ouviu falar nada de Macedo, mas eu realmente não sabia o que falar. Ele era diferente, os olhos dele eram hipnotizadores, incitavam-me para cair em sua ladainha.
ㅤㅤ Nossas conversas, querida, já eram sempre piores, sempre discussão, sempre brigas, e o choro alto de Amanda mostrava que ela sabia bem do horror em que estávamos entrando. E a dor de culpa por estar sendo um péssimo pai fazia-me sair de casa para esquecer dos problemas. E lá, sempre estava Macedo. Fui cedendo a suas persuasivas, a cada golada aquilo se tornava mais agradável, se tornava mais excitante. E foi numa noite de sexta feira que decidi aceitar o convite dele. Naquela noite, Macedo fez-me tomar uma garrafa a mais de pinga, que me fizera perder por completo a noção de espaço e tempo.



ㅤㅤ (Quando relembrara daquelas cenas, um calafrio cruel e cheio de espinhos lhe subiu o corpo.)


ㅤㅤ Quando o peso da sobriedade caíra sobre meus ombros, eu já tinha o feito. E, ao contrário do que imaginava – no antro de minha sensatez abalada –, não me sentira mal. Voltei para casa quase ao amanhecer, com um sorriso na face. Beijei você, Mari, contra a sua vontade e fedendo a álcool. Eu tirara toda a tensão de mim, e é difícil explicar o porque. Talvez, por eu ter feito algo tão pior do que simplesmente ser um mau marido e mau pai, eu agora me sentia disposto a encarar minha vida.
ㅤㅤ Naquele dia, quando acordei, barbeei-me como a muito tempo não fazia. Limpei a língua das camadas de álcool impregnadas nela e abracei-a com amor. “Que passarinho verde você viu?”, você me disse, ainda surpresa pelo bom humor que eu tinha. Ainda naquele dia, sentei-me na frente de minha escrivaninha e produzi como há muito tempo não fazia. Talvez meus atos me dessem idéias, talvez o fato de ter extravasado minhas angústias tivesse me dado a calma para produzir minha inspiração novamente. Tinha todo um romance pela frente. E, para todo ele, eu decidira fazer do uso de Macedo.
ㅤㅤ Assim que a irresponsabilidade debruçava-se sobre minha alma e eu sentia-me novamente um completo nada, ia ter com Macedo. Sempre o encontrava por lá, perto do boteco, com uma nova roupa velha e seu olhar penetrante. Todo aquele jeito nefasto e cativante, e a ilusão que ele fazia na mescla daquela dança de palavras com a dança das bebidas, me faziam a cabeça novamento. Novamente, via-me entretido com as maiores atrocidades que pensava nunca cometer, desgastando todo o meu prazer anormal e toda minha tensão em quem mal merecia. Macedo sempre estava por perto, sempre cuidava para que nada me interrompesse. Também, era ele quem limpava tudo e não deixava rastros para ninguém. Fazia tudo com uma perfeição milimétrica.
ㅤㅤ Mas, mesmo assim, eu sentia que ele próprio não estava satisfeito por completo. Seu olhar macabro parecia pedir por mais, sua pele branca contorcia-se num sorriso mal cuidado sempre que chegava no ápice de meu ato, mas não era um sorriso verdadeiro. Eu sabia que Macedo algum dia iria mandar-me fazer algo inusitado, iria convencer-me a fazer algo inusitado. E, com todos aqueles planos arquitetados, eu bem sabia que Macedo seria capaz de muito para atingir seus desejos.
ㅤㅤ Mas eu não ligava.
ㅤㅤ Mari, você se acostumou, lembra? Eu quase sempre estava feliz, e algumas editoras menores começaram a aceitar meus trabalhos. Meu pseudônimo americano foi deixado de lado e iniciava-me com meu próprio nome, Januário Lopes. Dois livros de contos e um romance já publicados e um bom dinheiro entrando. Parecia que estávamos reconstruindo nossa vida do zero.
ㅤㅤ E só naquele ponto eu notara o quanto Amanda pareceu diminuir no meu conceito. Não que eu não a amasse, claro que amava, era minha querida e amada filha. Mas, não sei porque, os momentos que passávamos com ela já não eram tão agradáveis e rápidos. Suas falas bonitinhas não me cativavam como antes. Naquela época, ela já tinha seis anos e ia para o colégio infantil.


ㅤㅤ Foi quando coloquei um “Fim”, num novo romance, que Macedo fizera o impensável. Os minutos que se sucediam aos meus escritos eram sempre os piores, os mais terríveis e carrascos. Para não cair na armadilha de ter de procurar Macedo, eu geralmente procurava dormir depois que digitava meus textos. Mas, naquele dia, a campainha tocou.
ㅤㅤ Era no meio da tarde, nossa pequena estava no colégio e você, Mari, estava trabalhando. Macedo entrou para dentro da casa logo que abri a porta. Era a primeira vez que ele estava ali, e por instinto, fechei a passagem. Ele não era digno de estar na minha casa. Na verdade, eu também não era, mas isso eu sempre ignorava. Contudo, mal pude pará-lo. Ele me segurou pelos braços e vi no seu rosto uma expressão alegre e diferente. “É hoje, Januário”, ele me disse com entusiasmo.
ㅤㅤ "Faremos mais uma vez, já preparei tudo para você. Vamos para o bar, nos distrair até dar o horário”, ele disse, “dessa vez é incrível, você vai amar de verdade. Vamos, Januário”. E, quase por pura pressão dele, saí de casa e entreguei-me aos tragos novamente. Duas horas depois estava bêbado e insensato de todos os meus atos, movendo-me puramente pela minha ânsia de ser ainda pior do que sempre era. O local que ele escolhera fora realmente incrível, um casebre de madeira discreto e um tanto isolado. Foi ali que aconteceu. Fiz novamente.



III – Agruras do Futuro


ㅤㅤ Depois de tanto desejar se ocultar na escuridão, lá estava Januário – de boca seca e olhos vidrados no nada – desejando, agonizante, por um feixe de luz. Mais a frente, na mesa suja e cheia de garrafas de pinga vazias, jazia ela. Amanda estava morta, as pernas abertas e o sêmen do próprio pai saindo de suas partes íntimas nunca antes violadas. O novo pseudônimo, Pedófilo Maníaco – que a mídia dera a ele desde seu segundo assassinato daquela forma –, nunca fora tão pesado. A marca de seus dedos envoltos na garganta de sua tão amada filhinha fizeram doer seu peito.
ㅤㅤ Agora não sentia-se aliviado. Não poderia mais viver sua vida miserável, não era o consolo de poder ser pior que o faria viver bem. Ele já era o pior, tanto para ele, quanto para sua família. A sobriedade, daquela vez, fora cruel ao extremo com o pobre Januário. Dera a ele a visão de sua filha, mostrara como ela debatia-se com um horror na face, horror provocado pelo próprio pai, bem na frente de seus olhos.


IV – Torturas do Sempre


ㅤㅤ ...foi por isso, Mariana, que eu nunca fui o mesmo depois que a encontraram naquele casebre. Eu já não tinha forças para continuar, a minha alma foi roubada, e apenas um resquício de culpa incrustado numa pequena faceta dela fora deixada para trás. Sou eu, Mariana, o assassino de nossa querida filha.
ㅤㅤ Nunca te dei o devido consolo, nunca apartei suas noites chorando na sala, nunca abracei-a quando, simplesmente do nada, você se ajoelhava e começava a chamar pela nossa filha. Mas, como eu podia? Seria hipocrisia minha, seria não ser quem sou. O vício pelo álcool aumentou dentro de mim, e, mais do que nunca, aquela parecia ser a saída mais fácil, mais simples.

ㅤㅤ Fiquei realmente feliz quando pediu o divórcio e saiu de casa. Fiquei feliz por você, por saber que estava tentando reconstruir sua vida de alguma forma. E, agora, é quase uma tortura para mim tentar te trazer de volta um sofrimento tão maior. Esse foi um dos motivos, Mari, por eu nunca ter conseguido enviar uma de minhas cartas para você. Todas minhas tentativas terminaram em chamas e, por conseguinte, cinzas. Já foram tantas que me perco na poeira do meu lixo que nunca tiro.
ㅤㅤ Já pensei em tantas formas de te contar que me dói pensar que usara de minha técnica literária para um eufemismo hipócrita. Uma música, sete poemas, incontáveis cartas anônimas; e agora eu me deparo com a primeira vez que tento escrever-lhe, sendo eu mesmo.
ㅤㅤ Mas ontem, quando fiquei sabendo que você e Marcos vão ter um novo bebê, algo em mim mudou. E, novamente, eu tento escrever para você. Esta é minha última tentativa de contar a verdade, e, caso eu realmente consiga enviar estar carta, saiba que agora que a lê, eu estarei morto. Tirarei minha vida de desgraça.

ㅤㅤ Peço sinceras desculpas por trazer à tona tanto horror. E espero que prossiga bem com sua vida. Ainda penso em você, sempre pensarei, como sendo meu eterno amor.

ㅤㅤ Ass. Januário Macedo Lopes.



V – Cartas do Nunca


ㅤㅤ Depois de tanto desejar se ocultar na escuridão, lá estava Januário – de boca seca e olhos vidrados no nada – desejando, agonizante, por um feixe de luz. Mais a frente, na mesa suja e cheia de garrafas de pinga vazias, jazia ela.
ㅤㅤ As cinzas foram levadas por um vento que entrou pela janela e a carta antes intacta desfez numa pequena nuvem cinza pelo quarto. Januário bebeu mais um gole da vodka barata, enquanto tinha os músculos dos ombros levemente massageados.
ㅤㅤ – Você fez bem, querido. - Dizia Macedo, para ele, em sua presença aparentemente espectral – Você fez bem.

ㅤㅤ Januário olhou para a gaveta e viu uma última folha de papel amarelado. Talvez, houvesse uma nova última tentativa em breve. Caso ainda houvesse tinta na caneta.
Leia até o fim...

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sussurros Engasgados

ㅤㅤAli, mais uma vez, postara-se. Pronto, estava.

ㅤㅤEra com grande ternura que já confessara seus feitos:
ㅤㅤSubiu ao alto do Olimpo, mas lá, nem sinal da presença;
ㅤㅤTarde da noite, Hercule Poirot o considerara suspeito.
ㅤㅤR(←“)apaz de punho forte”, Quixote, a força de sua crença.
ㅤㅤA(←`) poucas lágrimas, dissera tudo, o Sujeito,
ㅤㅤDe cabeça baixa, frente àquela divina Senhora, e sua clemência.
ㅤㅤAli, depois de Aurélia, postara-se. Mais livros.

ㅤㅤLapidou na alma cada gota do suor.
ㅤㅤOnde, em cada qual, vivenciaste tanto, e por tanto.
ㅤㅤNão a encontrara. E torcia para que não fosse por força maior.
ㅤㅤGastou de anos, todavia não cairia por seu próprio pranto.
ㅤㅤAli, mais uma vez, postara-se. Mais folhas.

ㅤㅤE fechou os olhos. Idealizava-a.

ㅤㅤÁtimo de tolice, jogara-a lá. (Hah!) Fazia tanto tempo!
ㅤㅤRoubou dela a vida jovem, condenou-a ao carrasco
ㅤㅤDas folhas, do seu mágico dom que viera com o vento.
ㅤㅤUma vez divertido passear por eles, agora, só espasmo.
ㅤㅤA biblioteca soava sombria, não tinha mais seu antigo envolvimento.



ㅤㅤ(...)



ㅤㅤ(...)



ㅤㅤ(...)



ㅤㅤ(...)



ㅤㅤFaltavam poucos anos de vida, vida de arrependimento.
ㅤㅤIncansável, a busca terminava. Terminava incompleta.
ㅤㅤNão havia sucesso, e sua amada perdida para sempre.
ㅤㅤAli, frente a mais um, agora um livro cinzento,
ㅤㅤLábios de leve soaram, “das minhas tentativas, a última faceta”.
ㅤㅤMal-acomunado da desgraçada do peito ardente,
ㅤㅤEle nem ao menos vira qual o livro. Cego de desalento.
ㅤㅤNão soubera, mas aquele amontoado de poeira da gaveta,
ㅤㅤTudo poderia ter, menos letras. Como bom livro em branco.
ㅤㅤE ali postara-se, como em toda sua vida. Vestiu-se do mágico manto.

ㅤㅤCarregou sua alma para dentro do nada.
ㅤㅤHora de desgraça, abriu os olhos e encontrou-se vivendo atrás do horizonte.
ㅤㅤE ali, só ele existia.... Ou não.
ㅤㅤGalopando no vácuo, montado num cavalo de mentira, ao longe, a amante.
ㅤㅤAli, reencontrada a esperança. Retomada.

ㅤㅤAos berros, lágrimas e juras de amor, ele correra.
ㅤㅤO coração saltitante, fim de tristezas de uma era.

ㅤㅤF(←")IM", Gritara.
ㅤㅤI(←"F)M", Gritara.
ㅤㅤMago amante de livros, aquele que aprisionou sua amada dentro da literatura finalmente a reencontrara na sia infinita biblioteca. Abraçou-a com gosto e deixou que todo seu arrependimento se transformasse em mais pura demonstração de amor. Ela também envelhecera, perdera toda sua juventude perdida no nada de um livro em branco, assim como ele perdera toda a juventude procurando pela amada. Mas já pouco importava. Feliz, abraçou-a, beijou-a. E juntos, saltaram para fora do livro, cobertos pelo mágico manto branco. Desabando em pranto, lembrou-se de todos os “FIM”s pelos quais já passara, procurando apenas o seu. Aos leves sussurros, para a amada, confessou: “A estrada longa e árdua, meu amor, finalmente chegou ao fim”.


FIM
Leia até o fim...

domingo, 2 de janeiro de 2011

Postagem de Ano Novo

Que tal começar o ano com uma boa música? Deixo aqui Ryuichi Sakamoto - Merry Christmas Mr. Lawrence tocando. Que seja do agrado de todos!

Leia até o fim...

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