domingo, 17 de outubro de 2010

Vivazes Virtuais


E, por mais que sejam as supérfluas separações,
Sentimentos mais longe chegam; conquistadoras, conquistadas.
Quadrado cheio de tudo, sem vilões.
De você me deu ciência; espírito livre, sem amarras.

E, por que, “que nada te abale”, Alma independente?
Se tanto em tão poucos girares temporais, atado estou a me sentir.
Até onde podes voar? Corrente não será suficiente.
Sobre seus pés, seguindo em frente, “e que por nada você irá cair”.

E, de digitadas palavras, surgiu o fino fio
Que esbelta e cintilante, laços fraternos, súbitos vivazes, se formaram.
Coexistem, sim, saudades de um abraço macio,
Mas que há de se reclamar; quando almas certamente se tocaram?
Leia até o fim...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Referências Literárias: André Mansim

Estreando este novo tipo de postagem do blog, chamado Referências Literárias, eu resolvi, ao menos uma vez ao mês, entrevistar algum amigo ou conhecido meu que admiro por sua interação com algum tipo de arte. E, nada melhor para começar o quadro, que o grande amigo André Mansim. Cartunista e Cronista, já famoso entre os ciclos de blogs da internet.

Fala Mansim! Para o começo da entrevista, faça-nos uma breve apresentação de você.
Olá amigo Tadashi.


O que eu tenho pra falar sobre mim? Bom, eu sou casado com a Andréia, minha linda esposa, tenho a Fridona e a Chambinha, uma cachorra e uma gata, hahaha. Trabalho em uma loja a 23 anos!! Sou professor de história também, mas atualmente não estou lecionando. Gosto muito de música e de escrever baboseiras. Hahahaha, minha cabeça é um poço de baboseiras, hahaha. E gosto muito de desenhar também.

Como e quando você começou a escrever e desenhar? E a idéia do blog, qual foi o pontapé inicial disso tudo?

Eu desenho desde criancinha, esses dias minha mãe pegou um livro de receitas que ela tem desde antes de eu nascer e me mostrou o que ela julga ser meu primeiro desenho. Hahahaha era um capitão América, hahaha, bem feinho coitado!!!
De escrever eu acho que meu principal incentivador foi um professor que eu tive. Ele disse que eu tinha idéias incríveis mas que não sabia colocar no papel. Então de teimosia eu comecei a escrever sem parar. Hahahahaha.
Quanto ao blog, eu fiz pra tirar uma onda e acabou que muita gente gostou e acabou me incentivando. Tem muita gente que gosta de coisas ruins mesmo, hahahahahaha.

Analisando seus vários escritos, Mansim, eu sempre noto a clara preferência pela crônica caprichada em ironia e humor. Quais suas influências literárias? Quem foi ou foram as pessoas que moldaram seu talento para a alcunha de Cartunista e Cronista?

Sabe, eu sempre gostei muito de ler. Já lí uma biblioteca inteira, hahaha, mas o jeito irônico eu acho que me inspirei no Mário Prata e no Marcos Rey que eram gênios nesse tipo de escrita. Gosto muito também do jeito do Eduardo Bueno de escrever coisas sérias de um jeito leve. Mas essa minha tática de escrever sempre a partir de alguma coisa que aconteceu comigo e que eu mesclo com umas coisas inventadas, é uma coisa que eu mesmo pensei e acho que deve ser original. Mas como dizem: Nada se cria, tudo se copia!
Quanto aos desenhos eu tenho vários mestres que não me conhecem: Laerte Coutinho, Angeli, Glauco Vilas Boas, Henfil, Will Eisner, Gil Kane e atualmente o mais importante e melhor cartunista/desenhista do Brasil, Spacca! Quem ainda não leu D.João Carioca, Jubiabá, Santô e os pais da aviação, tem que procurar pra ler! São obras primas!
E um mestre amigo e companheiro que me ensinou e incentivou muito num jornal aqui de Barretos é o Wilson Cassi. Esse é o cara!

Você teria um top 10 de Livros e Filmes que gosta? Mostra pra gente!

Livros:
D. João Carioca, escrito por Lilia Moritz Schwarcks desenhado por Spacca.
A trilogia escrita por Marcos Lozekan chamada “Uma entrevista com Deus”.
Jubiabá, adaptada em quadrinhos pelo Spacca.
Não faça tempestade em copos d’agua, Richard Carlson
Chatô o rei do Brasil, de Fernando Morais.
Noticias do planalto, de Mario Sérgio Conti
A viagem do descobrimento, de Eduardo Bueno.
O enterro da cafetina, de Marcos Rey.
Os 3 mosqueteiros, de Alexandre Dumas. (O melhor da minha infância).
100 crônicas de Mario Prata, do mesmo.

Filmes:
Uma lição de amor.
Teoria da conspiração.
Inimigo do Estado.
De volta para o futuro 1,2,e 3.
O suspeito da rua Arlington.
O livro de Eli.
Todos os 3 da trilogia Bourne.
Mentiras de um cara de pau.
Quatrilho.
Os irmãos cara de pau, 1 e 2.

E tem mais filmes pra fazer o top 500, mas só esses já tá bom!



Sempre muito bem ligado com tudo a sua volta, Mansim, seus escritos demonstram que você, além de crítico, é um formador de opinião – visto os vários visitantes que acessam seu blog todos os dias. Cada escrito seu pode alterar a forma de pensar de alguém sobre alguma coisa, como você lida com esta responsabilidade?

Em tudo o que escrevo eu procuro não dizer a verdade absoluta, até porque ela não existe. Eu sempre deixo uma margem para a pessoa tirar sua própria opnião, deve ser por isso que as pessoas gostam, (ou pelo menos falam que gostam, hahahaha). Mas se alguém for influenciado pelo que escrevo eu não vou achar ruim, afinal, o que escrevo é o que acredito como sendo correto!

Ainda na esfera virtual; o quanto o início do blog e sua interação com os blogueiros fez você crescer? Grandes amizades já surgiram por aqui? Conte-nos de sua socialização com internautas!

Parece incrível, mas tem muita gente que hoje é meu grande amigo que fiz via Orkut e blog, e acho isso muito legal!

Já pensou em explorar novos ramos literários, Mansim? Contos, Poemas, Novelas, Romances; lhe interessa tentar algum deles algum dia? Ou, indo mais longe; música, teatro, cinema?

Acho que ainda vou escrever um livro, tenho muitas idéias, até demais, hahahaha, mas falta coragem para começar a escrever.

Qual foi, considerando os seus escritos e cartuns, o retorno mais gratificante que já recebeu pelo seu esforço? E, já pensou em desistir disso tudo? De largar mão dos escritos e desenhos? Porque?

No começo eu desenhava e escrevia num jornal aqui de Barretos, o dono me prometeu até salário por isso, mas nunca pagou nada, hahaha. Mas foi bom porque amadureci muito com isso. Hoje escrevo e desenho em outros dois jornais aqui da cidade, hahahaha, ainda não ganho nada, hahaha, mas as pessoas pelo menos comentam e elogiam. O que já é bom.
No blog o que mais me dá prazer é ver amigos comentando e seguindo sempre. Isso já dá prazer e vontade de continuar.
Já pensei em parar, mas foi por uns 3 segundos, depois passou...

Esta é uma pergunta que um amigo de uma comunidade de contos sempre faz para os entrevistados dele, e, eu acho que é uma boa pedida para você também, Mansim: Diga-nos cinco coisas que não sabemos sobre você.

Sou cristão da Igreja Presbiteriana, sou sãopaulino doente, jogo bola mal pra caramba (mas jogo toda semana), não tenho carta de carro (que vergonha), hahahahahaha, Gosto de punk rock, e blues!

Bom, encerrando a entrevista, tem algumas palavras finais? Muito obrigado pelo tempo gasto com este grande apreciador do seu trabalho, e desejo-lhe todo o sucesso e retribuição que se pode ter com seus escritos, Mansim. Afinal, você merece! Valeu e abração!


Obrigado amigo, você é um grande cara por quem tenho muito carinho e é um grande incentivador. Alí em cima quando falei das relações de amizade virtuais, com certeza vc é uma das melhores! Obrigado e se lembre que estou esperando seu livro!

Eu que agradeço pelo seu tempo, André! E, é isso, meus poucos e caros leitores! Vou deixar, aqui para finalizar a postagem, o link para o blog do grande Mansim. E, a gente se vê na próxima postagem. Provavelmente um conto.

Link para o blog do Mansim:
http://amansim.blogspot.com/
Leia até o fim...

domingo, 3 de outubro de 2010

O Golem e a Intangível



ㅤㅤ I
ㅤㅤ
ㅤㅤ Novamente, apareceu. O deserto no qual eu vivia por uma eternidade – ou, pelo menos, nunca me lembro de ter saído daquele lugar – parecia ganhar mais brilho quando ela surgia. Tinha cachos dourados e uma pele alva, brilhante; envolta numa manta branca que a fazia ficar ainda mais divina. Aproximou-se de mim com passos ensaiados, brincalhões; e tocou de leve no meu ombro.
ㅤㅤ - Você parece estar mais vivo dessa vez. - Ela disse.
ㅤㅤ - Não acontece muito. - Retruquei. - Talvez só quando você resolve me visitar.
ㅤㅤ Ângela riu do meu comentário e virou-se de costas, afastando-se dois passos antes de se virar novamente para fitar a minha face com seus olhos azuis e uma feição um pouco mais séria.
ㅤㅤ - Desculpe não por não vir até você tanto quanto antes. É que eu tenho tido muitas coisas para fazer, sabe? Mas agora, eu acho que posso me dedicar um pouquinho mais a você – o meu melhor amigo. Dessa vez, Hiroshi, eu vim para te levar comigo.
ㅤㅤ - Me levar... com você?
ㅤㅤ A dúvida recheou meu ser, afinal, minhas lembranças – falhas e miúdas – nunca me mostraram nada além daquele universo de areia no qual eu vivia, solitário quase sempre, só sendo visitado por aquela existência cheia de vigor. Desviei o olhar para encarar o céu escuro e sem estrelas que jamais tinha mudado.
ㅤㅤ - Realmente há algum lugar diferente deste aqui? - Complementei.
ㅤㅤ A garota angelical deixou sua face envolver-se num antro de preocupação, e acabou que novamente se aproximou de mim, aquecendo-me num abraço quente e acolhedor. Demorei para retribuir àquele ato de carinho e caridade que ela demonstrava, não sabia se algum dia já tinha sido abraçado por alguém. Acabou que, depois de alguns poucos segundos, meus braços se moveram e eu também deixei meus braços repousarem sobre sua pele macia. Mantemo-nos naquela posição por tempo incontável, para mim quase uma nova eternidade que eu gostaria que perdurasse ao infinito, até que afastou seu corpo do meu, o suficiente para que pudesse penetrar seu olhar dentro de minha alma, através de minhas orbes negras e desgastadas. Acariciou minha face e sorriu.
ㅤㅤ - Há, meu querido, há um lugar muito melhor. Um lugar que é – e sempre foi – seu por direito, e é hora de reconquistá-lo. É hora de buscar sua vida de verdade, de enfrentar seus medos e fronteiras. Você me deixa levá-lo embora deste mundo sem vida?
ㅤㅤ Me calei, por alguns segundos, até que finalmente senti confiança naqueles dois mares azuis que tinha em suas orbes. Dois mares que sempre me convenceram que eu era especial à ela, com feições ternas e amorosas. Ousei, toquei os lábios da moça de pele alva com os meus rachados e secos. Não houve resposta de início, até que finalmente ela se entregou ao amor e beijou-me de volta. Quando afastei minha face da dela, duas lágrimas escorriam pelas suas bochechas pouco rosadas. Ângela, a única que viera até mim e conquistara meu coração, estava mais feliz do que nunca estivera.
ㅤㅤ - Hiroshi, vamos? Vamos embora daqui?
ㅤㅤ Eu assenti com a cabeça, levemente.
ㅤㅤ - Vou, com você, para onde for necessário.

ㅤㅤ
ㅤㅤ II
ㅤㅤ
ㅤㅤ Centro Revolucionário do Novo Brasil. 13 de Março de 2045, 23h30min.
ㅤㅤ
ㅤㅤ As vozes inundaram seus ouvidos, tirando Messias do sono leve. O homem levantou-se do amontoado de colchonetes que eram sua cama e olhou para o relógio de pulso, já era a tão esperada hora. Zanzou pelo pequeno cômodo improvisado na rocha, colocando uma camiseta regata. Se pudesse e a ocasião fosse mais informal, teria ido sem a parte de cima de suas roupas; vez que o calor de cinquenta e oito graus que fazia ali – cem metros abaixo da superfície – era quase insuportável. Sua cabeça latejava a cada vez que um grito sobrenatural soava em seus ouvidos, tornando difícil a simples caminhada que ele precisava fazer pelo pequeno corredor escavado na pedra. A euforia sonora, que só ele e mais alguns poucos no mundo podiam ouvir, indicavam o quanto Eles estavam agitados e inquietos.
ㅤㅤ Não era para menos, aquele era o dia do contra-ataque.
ㅤㅤ Encontrou poucas pessoas nas teias de túneis da Resistência, a maioria dos soldados estavam prontos para saltar de volta à superfície para reclamar seus direitos. Poucos meses antes, ninguém mais tinha esperança de um dia reconquistar o planeta perdido, mas fora então que os escolhidos foram surgindo em volta do globo, e a precária comunicação entre os rebeldes de todos os continentes começou a se unir para uma retomada. O último ser deixado dentro da caixa de Pandora, a Esperança, começava a se reavivar dentro do coração de cada um dos seres humanos que não foram dominados. Os passos de Messias se apressaram conforme se aproximava da sala de meditação, acenou para alguns poucos homens que ficaram no CR do Novo Brasil para a proteção dos Escolhidos e das – poucas – crianças.
ㅤㅤ Virou à esquerda numa bifurcação dos túneis mal-iluminados e logo encontrou uma pequena porta de aço, vigiada por dois soldados que se espremiam na parede com fuzis ainda munidos da antiga pólvora. Messias acenou para eles e aproximou-se da porta, batendo nela pesadamente. Poucos segundos até uma pequena escotilha se abrir e dois olhos fitarem os de Messias com tensão, estavam todos nervosos. A porta se abriu em seguida, dando passagem ao Escolhido, que se viu junto de mais três homens e quatro mulheres.
ㅤㅤ Sentou-se em sua cadeira e deu as mãos para os que sentavam ao seu lado. Agora, Messias já quase não estava no mundo físico. As vozes – diversificadas em gritos, sussurros, pedidos e choro – dominavam-no por completo, assim como dominavam a todos naquela sala. De mãos dadas e almas unidas, eles eram mais fortes, poderiam assim comandar o outro lado da revolução. Messias fechou os olhos e entraram em transe, os oito escolhidos da antiga América estavam unidos e prontos para o confronto, esperando que, no resto do mundo, os outros também estejam em seus lugares.
ㅤㅤ
ㅤㅤ III
ㅤㅤ
ㅤㅤ Trocávamos carícias e aconchegos desde o momento do primeiro beijo. Ângela se entregava a mim assim como eu cedia a cada encanto daquela moça de cachos dourados, como se fossem séculos de paixão contida agora extravasados em poucos minutos. No meio de mais um daqueles beijos longos e românticos, parou, deixando a cabeça pender um pouco para trás. Seus olhos azuis se reviraram nas órbitas, para meu desespero, e Ângela pareceu estar fora daquele corpo.
ㅤㅤ Segundos agonizantes, até que a minha amada voltou a si e seu olhar novamente se direcionou para o meu. Agora, ela estava com uma feição séria e preocupada na face.
ㅤㅤ - O que foi, Ângela?
ㅤㅤ - É chegada a hora de levá-lo para a realidade. - Ela falou. - Siga corajoso como sei que é. Pode se mostrar confuso nos primeiros momentos, mas todos vão precisar de sua ação, de sua liderança; toda ajuda é necessária. Você me promete que enfrentará, sem medo, aquilo que o fez tão mal?
ㅤㅤ Não entendendo tanto do que falava, apenas confirmei com a cabeça.
ㅤㅤ - É por isso que me apaixonei por você, mesmo visitando a tantos outros iludidos em seus mundos surreais. - Ela falou, seguindo um beijo e um abraço mais forte. - Estarei sempre ao seu lado durante o confronto, meu amor. Você, Hiroshi, lutará bravamente; e eu me orgulho por poder ter trazido a luz da verdade para você.
ㅤㅤ Agora, mesmo que tentasse dizer mais alguma coisa, não pude. As dunas do deserto infinito que era meu lar começaram a tremer com força, ao mesmo tempo em que o céu parecia rasgar-se para algo luminoso entrar naquele vácuo de vida. Me senti flutuando junto de minha Ângela, enquanto tudo a nossa volta parecia se destruir. Não, destruir não era a palavra certa, tudo em volta parecia se refazer em pura luz. Num momento em que não posso dizer qual é, senti que eu mesmo estava desaparecendo, me tornando parte daquela mágica situação. Senti meu corpo queimar e em seguida formigar. Estava, sim, desaparecendo, saindo daquele universo chato e solitário. E Ângela estava indo comigo. Fechei os olhos.

ㅤㅤ
ㅤㅤ IV
ㅤㅤ
ㅤㅤ Uma forte queimação invadiu sua nuca. Hiroshi, instintivamente, levou a mão até lá e encontrou algo metálico e quente preso à seu corpo. Segurou com força e arrancou, contendo a dor do desplugue. Caiu no chão um dispositivo eletrônico com faíscas saltando de dentro dele, mais parecia uma aranha mecânica, ainda parecia estar viva! Num ato de puro reflexo, disparou contra o bicho com a arma presa no pulso, um laser púrpuro disparou por comando mental contra o aracnídeo metálico, transformando-o em nada mais que sucata tecnológica. A luz vermelha, encontrada num painel ao centro do corpo minúsculo, apagou.
ㅤㅤ O descendente de japoneses olhou em volta, onde estava? A sala velha parecia estar abandonada fazia décadas. Caminhou até um espelho empoleirado e viu a si mesmo. Estava mais forte, mais musculoso do que se lembrava. Uma armadura que mesclava placas prateadas e negras cobria todo seu corpo, fazendo-o parecer um soldado. Olhou para o pulso, ali, um cano cilíndrico parecia estar acoplado à sua pele, passando por debaixo da armadura; fora aquele aparato que disparou o laser que dizimou a criaturinha no chão. Concentrou seu pensamento no item, e logo a arma modificou-se girando em torno de engrenagens que saltaram de seu pulso, até formar, então, algo semelhante a uma metralhadora giratória. Ouviu o chiado de mecanismos perto ao seu ouvido, fitou o espelho e encontrou sobre o ombro uma outra arma um canhão, talvez. O que ele havia se tornado? Deixou de ligar para seu corpo e concentrou-se na mente, nas lembranças e memórias. E, de súbito, todas elas começaram a invadir seus pensamentos de uma única vez. Ele cambaleou na sala velha e caiu sentado no sofá cheio de mofo.
ㅤㅤ
ㅤㅤ "As naves de formato cônico surgiram ao redor do globo, cobrindo bairros inteiros de cidades e metrópoles famosas de todo o mundo. Nenhum país tomou responsabilidade pelos aeromodelos, e a ONU convocou uma reunião de emergência para decidir o que será feito. Exércitos estão cercando os OVNIs, e o decreto de evacuação foi dado logo na primeira hora na maioria dos países.
ㅤㅤ A única manifestação feita pelas naves foram pequenos cilindros metálicos disparados por toda a cidade. Cientistas, Físicos e outros estudiosos já se reuniram em laboratórios de última tecnologia e estudam os artefatos; por hora, é informado que parece ser uma espécie de dispositivo eletrônico que armazena alguma sorte de itens dentro deles.
ㅤㅤ Mais informações serão dadas a qualquer momento.
ㅤㅤ Aqui é Lídia Carvalho, direto para o Noticiário Plantão.”

ㅤㅤ
ㅤㅤ Hiroshi urrou de dor, a cabeça parecia que ia explodir com tantas informações vindas tão rápido para dentro de sua mente. Pressionou-a com as mãos e fechou os olhos, contendo lágrimas sofridas.
ㅤㅤ
ㅤㅤ - Vamos, Hiro! Rápido!
ㅤㅤ - Calma! Calma, cara! - Hiroshi gritou com o colega de quarto, enquanto via as pessoas correndo pela estrada, deixando os carros e motos para trás no engarrafamento colossal formado na BR. Um grande acampamento do exército se encontrava a cerca de dois quilômetros dali, e podia ser avistado facilmente. Havia uma gigantesca tenda, da onde um estrondo devastador fazia crianças e pessoas com sensibilidade auditiva tamparem os ouvidos. O ministro de defesa fora bem claro: Todos deveriam evacuar para aquelas áreas militares o mais rápido possível. As cidades não eram mais pontos seguros, e os Extraterrestres eram inimigos. Não deviam confiar nas palavras mal traduzidas daqueles seres cinzentos de quatro pares de mãos.
ㅤㅤ - Que calma nada, mano! - Messias insistiu. - Tão falando que o mundo vai ser dominado por esses ETs loucos, os caras que chegaram lá na frente tão espalhando boatos que tem uma escavadeira gigante dentro da tenda e que a gente vai pra debaixo da terra. Não tem tempo pra você ficar com suas frescuragens agora, Hiro!
ㅤㅤ - Mas e se os bichos cinzas estiverem falando a verdade? E se eles vieram pra trazer o desenvolvimento? Eu acho que a gente poderia...
ㅤㅤ - Não, cara! Vamos seguir pra onde todo mundo tá indo!
ㅤㅤ Por pura insistência do amigo Messias, Hiroshi deixou de lado suas idéias malucas e seguiu com ele. Para aonde a esperança ainda tinha lar, para os braços da organização que agora comandava a população.

ㅤㅤ
ㅤㅤ Arfante, o nipônico começava a ligar os fatos e voltar à realidade. Lembrava-se da invasão na terra. Lembrava-se de seus antigos amigos. Lembrava-se de tudo, até que...
ㅤㅤ
ㅤㅤ "Esta é uma missão de reconhecimento de área. Vocês, voluntários, devem seguir a finco todas as nossas ordens! Sei que o calor os deixa desconfortáveis, mas devem se acostumar! Ficaremos abaixo da superfície, numa temperatura que os cinzentos não aguentam, o tempo que for necessário. Nossa equipe fará reconhecimento de área em uma antiga liga de túneis de esgoto vinte metros acima de onde estamos agora.
ㅤㅤ Lembrem-se: As aranhas metálicas são a coisa que devem evitar mais do que tudo! Elas sobem pelo seu corpo e se fixam na nuca, atrelando-se ao sistema nervoso com mecanismos avançados. Caso elas conseguirem o feito, pá! Vocês estão dominados pelos aliens e se tornam nossos inimigos. Eles estão em número muito reduzido em comparação a nós, precisam dos escravos mentais, dos Golens! Não dêem a eles a chance de dominar mais ainda nossa Terra! Adiante, Rebeldes! ”

ㅤㅤ
ㅤㅤ Lágrimas caíam dos olhos descendente nascido e criado em São Paulo. Lembrou-se, com amargura, de quão trágica terminou aquela missão de reconhecimento. Lembrou-se do exato momento em que seu fuzil de pólvora não conseguiu penetrar na proteção metálica do aracnídeo que subiu em seu corpo e o dominou, deixando sua alma vagar num universo paralelo e sem vida alguma, senão a dele.
ㅤㅤ Tentou conter a emoção e os sentimentos e fixou-se nas últimas lembranças que tivera. Ângela. Olhou para o lado e deixou sua mente e espírito acalmar, aos poucos, a figura linda de sua Amada se formou. Olhando para ele com um sorriso encantador. Estendeu o braço para tocá-la, mas os dedos do ex-golem trespassaram a forma etérea do espírito. Ângela era um fantasma, uma moça que já morreu; assim como outros milhões que foram dizimados no primeiro ano da invasão extraterrestre, espíritos que resolveram ajudar os que ainda habitavam a terra. Espíritos que formaram escolhidos para dizer-lhes de seus planos. De suas ousadias que agora mostravam-se efetivas.
ㅤㅤ Hiroshi lembrou-se da promessa feita a sua amada. Ele precisava lutar, lutar pelo seu planeta e pelos seus irmãos. Caminhou até a janela, e de lá observou vários outros ex-golens, todos livrando-se de suas aranhas dominadoras; todos acompanhados de figuras esboçadas e esbranquiçadas, seus fantasmas libertadores. O cenário era devastador, a cidade tinha prédios caindo aos pedaços e ruas abandonadas havia muitos anos; olhou para o horizonte e encontrou uma nave cônica pairando sobre a cidade, a algumas dezenas de quilômetros.
ㅤㅤ Voltou seu olhar para a rua. Dos bueiros, começavam a sair centenas de homens vestidos com pouca roupa e armas de fogo antigas. Saíam espantados no meio dos escravos mentais libertos que também não tinham muito em ordem os pensamentos e só agora começavam a se recordar de seus feitos antes de serem dominados. Hiroshi sentiu o espírito de Ângela tentar abraçá-lo por trás – sensação semelhante a um calafrio, e sua voz ecoou em seus ouvidos, terna e limpa. Todos vão precisar de sua ação.
ㅤㅤ O ex-golem saiu para a sacada do apartamento abandonado que era sua guarita, quando ainda servo dos cinzentos, e levantou o punho aos céus, enchendo os pulmões de ar para seu grito forte.
ㅤㅤ Ouviu alguns gritos de comando, e da janela pôde observar alguns líderes das tropas da resistência chamando todos para a luta. O ex-golem saiu para a sacada do apartamento abandonado que era sua guarita, quando ainda servo dos cinzentos, e levantou o punho aos céus, enchendo os pulmões de ar para soltar um forte grito de ânimo. Soldados da resistência e ex-golens se juntaram ao grito. Agora, com aquelas armas extraterrestres acopladas aos corpos de homens sãos, talvez pudessem contra os inimigos cinzentos.
Leia até o fim...

sábado, 2 de outubro de 2010

Lágrimas no Paraíso


ㅤㅤ I
ㅤㅤ
ㅤㅤ Até o odor mais horrível começou a desvanecer. O peso que desmontava a cabeça do, agora frágil, homem subitamente deixou de existir enquanto ele abria os olhos, sóbrio uma vez em muito tempo. Daniel demorou a distinguir o que o cercava, e mesmo quando seu raciocínio conseguiu acompanhar a visão, a mente confusa não captou sentido; nunca estivera ali, e não acreditava que sua bebedeira pudesse levá-lo até tão belo lugar.
ㅤㅤ Suas roupas estavam leves, muito diferentes do terno impregnado de suor e de acidez do álcool, se viu vestindo uma camisa de lã folgada e um short de seda. Deu um passo sobre a sala simples de tablado de madeira, aquele lugar exalava paz em cada mínimo canto. Onde estava?
ㅤㅤ
ㅤㅤ II
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ㅤㅤ Definhando. O cheiro desgostoso – quase insuportável – inundava a saleta sem vida que um dia já fora antro de tantos risos. Daniel estava definhando, aos poucos, dolorosamente; o mundo e sua maldade mostravam-se mais fortes que a antiga coragem do garoto, agora homem. O deszelo pela vida, tão destacado nos inúmeros itens jogados para todos os lados e nas garrafas de bebida abertas em momentos aleatórios, cada vez mais recheava a mente do diminuto ser que se tornara.
ㅤㅤ O corpo – que só se movimentava para alimentar o vício há pouco adquirido – parecia que não era seu, não o sentia, não conseguia expressar-se no mundo material quando dragões inescrupulosos destroçavam e engoliam sua alma todos os dias, em cada golada. E, quando conseguia manter-se dentro de sua sala, parecia sofrer ainda mais; como se a realidade quisesse expulsá-lo novamente para a derradeira loucura do álcool. A face de Daniel caiu de lado, e seus olhos cansados de pálpebras tombadas fitaram o seu terror, carrasco impiedoso; que antes era o motivo que o fazia seguir firme e forte. A foto continuava ali, mesmo depois de tentar queimá-la, de atirá-la pelo corredor sombrio, de quebrar sua proteção; a imagem de Ana com o pequeno Joel nos braços mantinha-se agregada a seu resquício de vida. Era o que o destruía, e ao mesmo tempo, era o que o mantinha vivo. Afinal, se ele morresse, teria de enfrentá-lo. Preferível a feição de nojo da ex-esposa que encarar as incertezas de um pós-suicídio. Já fazia três anos desde aqueles dias de tormento. Três anos de decadência, de amigos se afastando e padrão de vida despencando. Ele já estava no fundo do poço, e mesmo assim, parecia sempre insistir em afundar ainda mais.
ㅤㅤ Mergulhado na cratera temporal no meio do sofá de couro rasgado, Daniel estendeu o braço na direção da vodka barata. Mais um gole e um engasgo, seguido de uma série fulminante de tosse, como se seu corpo tentasse expelir todo o mal do líquido maldoso, sem sucesso. Virou o rosto para o chão e deixou que seu organismo já surrado reclamasse por melhoras, o vômito saiu branco e ralho, não comia direito já fazia algumas semanas, apartando a fome com salgadinhos míseros e cheios de mal elementos da vida. A cabeça girou, e repentinamente faltou-lhe forças para sequer permanecer desperto. O mundo se fechou e a escuridão se apossou de sua sanidade.
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ㅤㅤ III
ㅤㅤ
ㅤㅤ Não tinha a mínima idéia de como aguentou o enterro todo. Daniel estava inflexível, imóvel; pessoas vieram dar-lhe a mão e abraços caridosos. Entretanto, só respondera com simples balançares de cabeça, sem prestar atenção alguma à quem lhe dirigia a palavra. Ana, sua esposa, caía em prantos próximo ao cimento fresco. Não era para menos, toda aquela cena de tristeza e choque nunca deveria ter acontecido; Joel não devia ter morrido daquela forma, por uma bobeira, por tão pouco e tão cedo. Ele ainda mal tinha começado a andar! Ana desviou o olhar, fitando seu marido, procurando achar naquelas orbes negras, antes tão aconchegantes, algum consolo para seu resquício de lógica. Mas Daniel não tinha como estar pior, balbuciava palavras sem-nexo; verbos e substantivos que se formavam num plano surreal, que perguntavam a si mesmo um mar de dúvidas cruéis e inumanas. Será que, caso se encontrassem após sua morte, ele saberia seu nome? Joel seria capaz de lembrar do próprio pai? E, supondo que ele se lembrasse, seria capaz de perdoá-lo?
ㅤㅤ Cada novo questionamento fazia o homem sair mais de sua consciência, deixar o tempo passar sem acompanhá-lo. E, quando menos percebia, implorava por mais. Seu simplório viver estava de joelhos para que ele saísse daquilo tudo, para que não partisse para o outro lado, e mesmo assim abandonasse este. A única e mal-formada resposta que encontrou; veio amarga, forte, e descia goela abaixo. A pseudo-salvação.
ㅤㅤ
ㅤㅤ IV
ㅤㅤ
ㅤㅤ A luminosidade não vinha do astro-rei, ela simplesmente brotava de todas as partes e deixava o local com aquele clima: Tranquilo. Daniel sentiu que seus pés podiam alcançar mais longe, defronte tanto sofrimento dos últimos três anos em que se via perguntando se era o autor da morte do filho, agora podia-se dizer que estava relaxado por completo. Sentiu-se mal por isso, não era certo alguém que merecia a sofridão e a solidão ter tanta liberdade. Lembrou-se, numa inundação de recordações, de tantos vários momentos que passou com Ana e Joel. O calor do menino segurando seu dedo com suas pequenas mãozinhas superava qualquer abraço que já fora lhe dado, um pequeno engasgo do moleque o fazia sorrir feito bobo por uma tarde inteira. Fora um pai-coruja.
ㅤㅤ E, como por consequencia, lembrou-se da fatídica tarde. Resolvera levar Joel para passear pelo bairro, mesmo o bebê tossindo em seus braços e com indicação de chuva para o céu tão claro. Tão claro que fez Daniel desacreditar das previsões, que o fez sentir segurança para levar sua cria para tomar ar livre. Mas a chuva veio, súbita e tenebrosa, pegando pai e filho desprevenidos. A tosse virou gripe, e a gripe tornou-se pneumonia. A pneumonia virou dor para os pais, a causa mortis de seu pequeno e único fruto do amor. Derramou lágrimas sofridas que há muito não saíam, sempre contidas pelo poder ilusório do álcool. Abraçou os joelhos e se viu jogado no canto da saleta de luz, expressando todo seu sentimento em urros e mais choro. Todo o conforto do lugar esvaiu-se. Sumiu.
ㅤㅤ
ㅤㅤ A sala perdeu seu brilho, assim como o coração de Daniel agora tinha plena certeza de que conviveria com a dor por toda eternidade. A luz começou a se apagar e Daniel se recolheu ao canto da sala. Estava sóbrio, sóbrio demais; tanto que podia distinguir o que pensava do que tinha como alucinação antes. A mente se viu cheia das mesmas dúvidas, do mesmo psicológico terror. Em resposta, a luz da sala mingou por completou e a escuridão mais uma vez tomou conta.
ㅤㅤ Daniel continuava a pensar. Afinal, morrera e aquele era o purgatório? Se fosse, que bela chance seria de ver Joel. Não queria, tinha medo e insegurança; mas o coração de pai falava alto contra qualquer desafeto que ele tinha com a coragem. Cerrou os punhos e levantou a cabeça, os raios luminosos misteriosos começaram a surgir novamente. Levantou-se do chão e manteve-se ereto, era a derradeira hora da verdade. As luzes eram quase ofuscantes de tão fortes. Descalço, o homem caminhou até a única porta do tranquilo cômodo. Ele se tornara um paradoxo, continha dentro de si extremos de sentimentos. Sentia dentro de si medo e coragem, hesitação e ímpeto, tristeza e felicidade.
ㅤㅤ Abriu-a de uma vez só. E teve como resposta mais daquele cegante branco, pôs a mão sobre os olhos para tentar distinguir qualquer coisa. Um passo adiante na luz, uma sensação de alívio e paz assomou seu corpo. Mais um passo, Daniel colocou na face um sorriso, algo que desconhecera já fazia tanto tempo! Tomou fôlego, correu e se jogou no infinito de tranquilidade.
ㅤㅤ Veio, como resposta um simples e baixo sussurro.
ㅤㅤ Pai.
ㅤㅤ
ㅤㅤ V
ㅤㅤ
ㅤㅤ Tonto, o homem despertou. Aquele cheiro tão desgostoso naquele dia parecia pior ainda. Rolou no chão sujo e fedido, afastando-se do que seu corpo expulsara. Estava ficando farto daquilo tudo. Desabotoou a camisa branca encardida e jogou o terno de lado, ao tempo que se levantava. Descalço, caminhou pela sala silenciosa até a janela.
ㅤㅤ Fazia três anos desde que Daniel deixara de prestar atenção para o quão belo era o nascer do sol por aquela janela. Respirou fundo, recebendo os primeiros raios de luz do astro-rei na face e peito nu. Abriu um sorriso, algo que desconhecera já fazia tanto tempo.
ㅤㅤ Talvez fosse tempo de mudanças para ele.

FIM

Para os que conhecem - e também para os que não conhecem, rs - o conto foi baseado na música Tears In Heaven de Eric Clapton.
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Leia até o fim...

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