terça-feira, 23 de março de 2010

Nuvem Bela

- Que deus abençoe suas colheitas, Senhor.

ㅤ ㅤ E com um leve aceno, o Padre Luís despediu-se dos fazendeiros que lhe deram a condução até Nuvem Bela. Não precisou pagar nada, mas em troca do caminho percorrido na pequena carroça, deu apenas a benção para o árduo trabalho daquela família que vivia do que o campo lhe dava. Nuvem Bela ficava mais a frente, era um pequeno vilarejo que surgiu abaixo após alguns passos, Luís fora deixado no alto de um morro, ao qual na sua base ela se encontrava. Um emaranhado de pequenas casas feitas sem nenhuma estrutura mais forte. Talvez uma forte ventania fizesse tudo ali desabar sem muito esforço.
ㅤ ㅤ No meio das poucas dezenas de telhados, duas construções se destacavam. Uma era um grande depósito, que parecia ser consideravelmente mais bem construída. E a outra era a capela, instalada na parte mais ao sul do vilarejo agrícola, sendo a única construção feita com dois andares. Luís passava a maior parte do seu tempo na cidade, e ficou feliz por poder respirar um pouco daquele ar puro. Segurou firme a pequena mala e começou a descer o morro sem pressa.

ㅤ ㅤ Durante a curta caminhada, o sol já estava quase a se ocultar no horizonte, o que deu a Luís uma das visões que mais tarde ele descreveria como uma das mais lindas que já tinha visto: O amarelado brilhante se escondia atrás de umas poucas nuvens, espalhando assim toda sua luminosidade por entre elas, deixando todo o ambiente exuberante. A luz pousava sobre as telhas de Nuvem Bela criando longas sombras estendidas no chão, deixando o vilarejo com um acolhedor ar de fim de tarde. Perdido nesta beleza toda, o Padre mal notou quando estava já chegando as primeiras casas. E só então, notou algo curioso, algo que a beleza do Sol omitiu: Todas as casas estavam com portas e janelas trancadas. E não havia uma viva alma pelos arredores das casas. ㅤ
ㅤ ㅤ Geralmente, aquele era um momento de diversão para crianças. Quando o trabalho chegava ao fim e eles retornavam cansados para suas casas e encontravam os amigos das redondezas. Luís criou várias hipóteses, mas nenhuma lhe pareceu conveniente para a situação. Talvez João saiba de algo. Foi o que seu pensamento finalmente concluiu, e assim seguiu seu rumo até a igreja.

ㅤ ㅤ Conforme a construção surgia entre as casas, Luís fora ficando mais calmo. Não era nenhuma catedral, mas a pequena capela tinha um ar de tranquilidade e paz. E, sentado numa cadeira de balanço em frente a porta de entrada, estava João. Luís alargou um pouco sorriso e foi ao seu encontro para lhe dar um forte abraço. O Padre João não tinha mudado muito desde a última vez que se encontraram, quando ainda nem Servos de Deus sacramentados eles eram. Sua pele morena envelhecera e criara algumas poucas rugas, mas as felpudas sobrancelhas e o sorriso branco ao extremo ainda eram suas características.


- Quanto tempo, meu velho amigo! - João tomou a iniciativa na fala.
- Sim. Sim. Anos sem nem ao menos trocarmos cartas, caro João.
- Quando recebi a mensagem dizendo que viria, preparei nosso quarto de hóspedes da melhor maneira possível. Não é muito grande, mas irá gostar do aconchego de minha pequena capela.
- Ora, João, foi ao seu lado que aprendemos sobre a Beleza do Senhor estar no Abstrato e não no Físico. Sua capela me fez sorrir desde o topo do morro.
- Hah. - E João riu. - Suas palavras me caem como elogios valiosíssimos, Luís. Venha, vamos entrando.

ㅤ ㅤ E assim João abriu a porta de entrada para seu visitante. Entrou e João foi em seguida, fechando a porta atrás de si. Luís pensou ter visto uma cabeça saltar para fora da primeira casa a frente da igreja. Mas a porta se fechou antes de confirmar qualquer coisa.

- Soube que está ajudando o Bispo Miguel. Deve ser árdua sua tarefa.
- Sim, João, algumas vezes chego a pensar se não valeria a pena ir para uma capela numa pequena vila como esta. A vida na cidade cansa e nos deixa cheio de medos indesejados.
- Mas ora, ainda sim, é uma honra estar na presença do Grande Servo que é Miguel.
- Sim.
- Então, se conforme em vir a uma pequena vila apenas quando vier me visitar novamente, está bem? - E Sorrindo, João tomou a mala de Luís em mãos. - Deixe que carrego.
- Como quiser, como quiser. - Fora tudo que Luís respondeu.

ㅤ ㅤ A Capela, por dentro, tinha um ar inesperado. As fileiras de bancos eram impecáveis em madeira nobre, mas não pareciam ser tão usadas como imaginado. O Mosaico na janela atrás do altar refletia uma luz que, naquela hora do entardecer, deixava a figura de Jesus um tanto assustadora. Luís se pegou pensando naquilo e logo em seguida excluiu seus pensamentos negativos, para logo entrar num corredor e seguir João. Decidiu, por fim, puxar um assunto para conversar. O tópico que primeiro lhe surgiu em mente era óbvio.

- Diga-me, João...
- Sim?
- Porque todos da cidade estavam dentro de suas casas? É um costume do local?
ㅤ ㅤ João virou-se para Luís de súbito, como se tivesse sido pego fazendo algo errado. Mas a expressão só durou uma parte de segundo, para em seguida o Padre sorrir para Luís.
- É. Eles dormem muito cedo e acordam muito antes do alvorecer.
- Entendo. Então é por isso que não vi ninguém na minha vinda.
- Exato, meu irmão. Mas eles ainda são Cristãos dos quais me orgulho muito.

ㅤ ㅤ Passaram por um corredor mínimo que tinha apenas três portas. As duas do lado direito não chamaram atenção alguma. Entretanto, a única do lado esquerdo fisgou os olhos do Padre Luís. A porta parecia ter sido feita sob medida para nada acontecer a ela. Tinha cinco travas de chaves que, pelo que Luís conhecia do ofício, eram das mais difíceis de serem arrombadas.
ㅤ ㅤ Seus olhos apenas não comeram mais ainda a porta porque João já o esperava na pequena escada. Alcançou seu amigo e juntos subiram os degraus até o segundo andar, que parecia ser menor que o primeiro. João abriu a primeira porta do corredor e deixou espaço para Luís entrar, com um sorriso na face.
- O melhor cômodo da casa para um melhor amigo.
- Assim me deixa sem jeito, João. - E com um aceno de cabeça entrou no pequeno quarto.
ㅤ ㅤ Não era maior do que um pequeno depósito. Havia apenas a cama, um armário e uma escrivaninha com cadeira. Luís entrou no quarto e sentou-se na cama, relaxando finalmente as pernas que já haviam sofrido muito naquele dia de viagem. João deixou a mala ao lado da cama.
- Vou deixar você descansar um pouco. Daqui umas duas horas o chamarei para o jantar e botamos os assuntos em dia. Acho que poderemos conversar noite adentro.

ㅤ ㅤ Dito e feito, o jantar fora um belo cozido de legumes com carne de boi. João, pelo que contou a Luís na mesa, havia aprimorado suas técnicas culinárias desde que viera morar sozinho naquela capela em Nuvem Bela. O que fora comprovado pelo fulgor com o qual comeram.
ㅤ ㅤ O jantar foi acompanhado apenas por água fresca, e logo depois eles se sentaram na sala de estar e conversaram por um bom tempo. Tanto a cozinha quanto a sala de estar eram as duas portas normais do primeiro andar, mas João nem chegou a mencionar a terceira porta. E também, não houve tempo. Muitas foram as histórias, e Luís descobriu mais um pouco sobre como o vilarejo trabalhava.
ㅤ ㅤ Segundo João, todos trabalhavam nos campos de plantação, que ficavam mais ao leste. A produção era de subsistência e eles apenas comiam o que colhiam. Era uma vila feliz, embora parecesse tão pacata e quieta. Luís também contou sobre seu trabalho, auxiliando o Bispo Miguel com papeis e outras coisas mais burocráticas. Parecia até mesmo que, às vezes, o nome da Igreja se erguia mais como uma instituição financeira do que como a casa que espalha a palavra do Senhor. Felizmente, Luís ainda se mantinha como o que seus pais o moldaram. Um homem Justo e honesto, assim como João.
ㅤ ㅤ Trocaram palavras por mais de quatro horas, até que finalmente, Luís se queixou de cansaço e subiu para dormir. João o acompanhou até o quarto, subindo as escadas da pequena capela, que parecia ser a única que ainda tinha suas velas acesas no vilarejo.
- Durmo no quarto em frente. Caso precisar de qualquer coisa, bata na porta três vezes bem forte e lhe atenderei. Ultimamente meu sono está pesado demais.
- Não acho será desta vez que baterei, João. Meus pés precisam urgentemente de repouso.
- Tudo bem, então durma bem. E que Deus esteja contigo.
- Contigo também, irmão.
ㅤ ㅤ E assim a porta do quarto se fechou e Luís folgou-se na cama. Dois segundos depois e ele estava dormindo profundamente. Fora um dia em tanto para um Padre que normalmente ficava sentado em uma cadeira a maior parte do dia. Teria uma ótima noite de sono.


ㅤ ㅤ Ou pelo menos, era o que queria. Talvez tivesse sido por vontade de Deus, ou talvez tivesse sido por pura coincidência. Luís abriu os olhos no meio da noite, acordado depois de um sonho conturbado que, agora, não se lembrava mais. Seus quase trinta e cinco anos sempre o deixavam com marcas de uma velhice que chegará mais cedo.
ㅤ ㅤ Levantou-se lentamente e pensou em tomar água na cozinha. Mas temeu por acordar João e dá-lo o trabalho de se levantar a toa. Então, ele se limitou a caminhar até a janela de seu quarto. Abriu-a um pouco mais, de modo que pudesse se escorar nela e botou a cabeça para fora, respirando o ar gelado da madrugada. Permaneceu imóvel por mais de cinco minutos, notando alguns pontos da cidade que nunca tinha percebido antes. E foi então que algo tragou a atenção do seu olhar:

ㅤ ㅤ No meio da Penumbra, um fraco amarelado emanava de uma construção. Luís forçou os olhos até que finalmente pôde notar que era o grande armazém que vira do alto do morro. Uma luz de lamparina estava acesa dentro dele, e agora, com sua atenção voltada à construção, pôde também ouvir cochichos vindo de dentro. A luz fraca e baixa balançava e formava sombras nas pequenas janelas com grade da construção enquanto, ao que pareciam, várias pessoas conversavam lá dentro.
ㅤ ㅤ Padre Luís ficou observando por pouco mais de vinte minutos, até que a luz se apagou. Instintivamente, abaixou-se e ficou no canto da janela a observar: Alguém abriu a porta do depósito e botou a cabeça para fora, olhando para todos os lados, mas principalmente, para a capela. Ficaram daquela forma por um bom tempo, até ganharem coragem e saírem, um por um. Eram oito homens grandes que saíram dali e foram se espalhando pelas casas do vilarejo. Até encontrarem seus lares. Pelo amor de Deus, o que conversavam a esta hora? Era sua pergunta. E iria tirar suas dúvidas na manhã seguinte. Deitou-se na cama e tentou relaxar.

ㅤ ㅤ Quando abriu os olhos, descobriu que tinha dormido demais. Dormido de um sono novamente perturbado. O sol já se manifestava com sua luminosidade para qualquer canto que olhasse. Levantou-se rapidamente vestindo a batina e saiu do quarto de encontro com as escadas. Encontrou João no meio da missa. E por isso deixou para fazer as perguntas depois, e observar primeiro.
ㅤ ㅤ Era uma missa simples, e grande parte dos presentes eram mulheres, pois seus maridos já haviam ido para a roça trabalhar. Mas uma coisa chamou a atenção de Luís: O comportamento dos Fiéis. Eles pareciam estar como quando recebiam broncas dos pais. Quietos e de cabeça baixa, se limitando apenas a responder aos sermões de João. Era como se não quisessem estar ali.

ㅤ ㅤ A missa terminou e todos saíram, enfileirados, sem nenhum ânimo. Não foi uma primeira boa impressão para Luís. Que se encontrou com João logo depois e conversou com ele rapidamente. Numa troca de palavras, João explicou que o vilarejo sempre fora daquele jeito. E que por mais que ele tentasse animar as coisas, as pessoas continuavam da mesma forma. Acabou que, no meio termo, Luís esqueceu-se de perguntar sobre a reunião de madrugada e deixou João partir para suas tarefas sem saciar sua curiosidade. Tratou de tentar esquecer o ocorrido e resolveu, por não ter mais muito o que fazer. Dar uma volta pelos arredores do vilarejo.
ㅤ ㅤ Saiu para caminhar pela porta da frente. Duas mulheres passavam carregando roupas enquanto conversavam no exato instante. Elas, que já estavam afastadas da capela, viraram o rosto para Luís perplexas e logo depois se afastaram apressadas e caladas. O Padre não conseguiu entender nada. Nuvem Bela começava a se tornar um mar de dúvidas para o Apóstolo de deus. Mesmo assim, não desistiu de sua caminhada, ela poderia quem sabe sanar algumas dúvidas.
ㅤ ㅤ
ㅤ ㅤ E fora justamente o contrário que ocorreu. Seus questionamentos só aumentavam conforme ele andava no vilarejo. Caminhava pela trilha de terra, e sempre seus passos chamavam a atenção de todos. Que se calavam e limitavam-se a observar. Quando Luís olhava para eles, desviavam o olhar e continuavam fazendo o que faziam com rostos perturbados. Aquilo já ocorria na catedral onde trabalhava, as pessoas geralmente não gostavam de encará-lo por muito tempo. Mas, ali, em Nuvem Bela, havia um exagero. Não ousavam nem cruzar com ele no caminho de terra.
ㅤ ㅤ Desapontado, consigo mesmo e com o vilarejo, o Padre sentou-se a beira do rio que passava perto do vilarejo. Era graças a ele que as colheitas ali eram boas e fartas. Apoiou-se nos braços e relaxou o corpo, deixando a cabeça pender para trás enquanto respirava calmamente. Ali, encontrou a Paz por um segundo e agradeceu a Deus por ela. Mas como dito, não mais que um segundo. No seguinte, ouviu gritos estéricos de socorro vindos do ponto alto do rio. Olhou para a correnteza dele até avistar quem clamava pela ajuda. Uma pequena garota estava ali, lutando para conseguir respirar e se manter na superfície.
ㅤ ㅤ Luís saltou no rio sem pensar duas vezes e nadou vigorosamente até a garota para salvá-la. A força da correnteza era grande, mas com certeza a determinação do Padre em salvar uma pequena menina era mais. Dez minutos depois, os dois estavam na beira do rio arfando pesadamente pelo ocorrido. A garota não tinha mais que dez anos e vestia roupas de filhos de camponesa. Tinha cabelos longos presos em duas tranças. Assim que teve tempo, olhou para ele para agradecer com um sorrio. Que esmoreceu ao notar as vestimentas de Luís. Um Padre.
ㅤ ㅤ
- Como foi parar ali? - Luís cortou o medo da garota.
- Eu... eu tropecei e caí. - Ela respondeu, se encolhendo.
- Tome mais cuidado da próxima vez. Já pensou o que aconteceria caso...
ㅤ ㅤ Luís parou a fala. A garota estava quase para fugir dele, de tão longe que tinha se postado.
- Pelo amor de Deus. Porque está com medo de mim? Salvei tua vida!
- Eu sei mas...
- E além do mais, sou um Padre. Digo a palavra de Deus, mocinha!
- Eu sei mas...
- Mas?
- Mamãe diz que não devemos nos aproximar dos padres. Dizem que são maus e só servem para nos ameaçar de ir para o inferno.
- Ora! Quanta blasfêmia! Eu pareço mal para você?
ㅤ ㅤ Um longo silêncio se seguiu, no qual a garota parava para analisá-lo. Depois de alguns segundos, ela balançou a cabeça negativamente.
- Então porque me teme?
- Não sei...
ㅤ ㅤ Luís bufou e se ajeitou, sentado.
- Qual o teu nome?
- Alicia.
- Então, Alicia, sou Padre Luís. E diga para sua mãe que eu sou um bom homem.
- Eu... Eu direi!
ㅤ ㅤ E assim ela se postou de pé e começou a correr na direção do vilarejo. Mas antes que se perdesse de vista, virou-se e sorriu para Luís. O primeiro que recebera daquele vilarejo.
- Os líderes da colheita estão decidindo o que fazer. É de noite, no armazém.
ㅤ ㅤ Após dar o voto de confiança a garota voltou a correr. Mal sabia ela que suas palavras não clarearam nada das dúvidas de Luís. Em apenas um dia sua mente se encontrava mais cheia de confusões do que em toda a sua vida trabalhando para o Bispo. Agora, já não sentia confiança em falar com João. Se ele era o Padre designado para aquele vilarejo, as pessoas não deveriam temê-lo. Deviam adorá-lo. As palavras de Alícia zanzaram por sua mente durante o resto do dia. Que fez questão de passar longe de qualquer outra pessoa. Tão desatento que não notou o pequeno vulto a se mover, na outra margem, um tanto distante.
ㅤ ㅤ Quando o sol já vinha a se por, voltou novamente para a capela. João o esperava a entrada, sua cara estava claramente escondendo nervosismo, que se aliviou ao vê-lo surgir de trás de algumas casas. O Padre foi até o amigo correndo.
- Onde estava? Procurei-te o dia todo!
- Parei para descansar, amigo. Foi para isso que vim, afinal. Fiquei as margens do rio.
ㅤ ㅤ João olhou para ele de cima para baixo.
- Parece-me mais que estava dentro dele.
- Hah. - E riu. - Pequenos acidentes me fizeram dar um mergulho. Mas até me ajudou a refrescar-me. Agora está tudo bem, e a batina está quase seca. Vamos entrar, João.

ㅤ ㅤ E dado o assunto por terminado, assim passaram mais uma noite juntos. O Jantar foi delicioso como sempre, e logo depois conversaram por mais algumas horas. Mas não tanto quanto da última vez. Luís tinha planos para aquela madrugada. Ele subiu para sua cama cedo, alegando estar novamente cansado pelo dia fora, e trancou-se no quarto de hóspedes com as luzes apagadas. Não pregou os olhos naquela noite, e após ouvir os passos do Padre João seguirem até o quarto dele, grudou-se na janela de modo a observar tudo sem ser notado. E assim viu a hora em que os homens grandes novamente se moviam para dentro do armazém. Chegavam um a um, se ocultando atrás das casas em volta. O Padre Luís contou atentamente, até que os oito houvessem entrado. Depois, esperou mais alguns minutos para ver se não havia mais ninguém a aparecer. Cautela que fora recompensada. Dez minutos depois, mais um homem veio e entrou no armazém.
ㅤ ㅤ Mais da metade da noite já havia passado e Luís não ouvia mais nenhum ruído dentro da casa. Desceu as escadas com extremo cuidado e suavizava seus passos o máximo que conseguia. A luz no quarto de João estava apagada, ele já estava dormindo. Passou pelo corredor de baixo, pela porta misteriosa que também não tinha luz alguma emanando por debaixo dela. Chegou até a porta de entrada e de lá, saiu para o ar gélido.
ㅤ ㅤ
ㅤ ㅤ Talvez aquele não fosse o estereotipo de todos os padres, mas Luís sempre fora diferente. Seus pais o ensinaram a ser um bom homem e entrara na igreja porque desejava realmente disseminar a palavra de deus. Não era o caso da maioria dos que faziam parte do clero naquela época. Filhos forçados. Padre Corruptos e porcos eram encontrados. Mas Luís sabia que João não era um deles. O que fazia sua curiosidade crescer ainda mais.
ㅤ ㅤ Seus passos cuidadosos sobre a grama baixa renderam uma boa resposta: Lá estava ele, postado ao lado da porta, ouvindo o que diziam ali dentro. Pegou a conversa num ponto alto.
- Temos de fazer algo! Ele pegou minha filha! Foi hoje! Ela não voltou para casa!
- Calma, não podemos fazer nada contra ele porque...
- Shhh! ...Querem que nos ouçam? Falem baixo!
- Como posso falar baixo!? Nunca participei desta reunião, só estou aqui por minha filha!
ㅤ ㅤ Luís concluiu claramente que aquele era o nono a entrar. O que não estava nos planos.
- Tenha calma. Muitos já sofreram o que você também sofreu.
- E nada foi feito! Já está na hora de acabar com isso! - Retrucou ele.
- Não vou me arriscar! Não quero passar a eternidade no inferno! - Disse uma voz.
- Ele sempre diz as mesmas coisas. Que leva os que escolhe para o caminho de Deus. E que aqueles que vão contra, devem sofrer nas mãos do Diabo! E depois disso, nunca mais sabemos onde estão nossos pobres filhos!
- Vamos nos levantar contra ele.
- Vamos!
- Não! É arriscado demais.
ㅤ ㅤ Aquilo já era demais. Um baque potente contra sua mentalidade. João? João está fazendo coisas deste tipo? Impossível! Sua mente caducou, enquanto ele pensava e voltava para casa com os mesmos passos sofridos. Já ia se virar para subir as escadas da entrada da capela, quando notou algo que não notara antes: Vindo de trás da capela, uma luz tênue chamava a atenção de seus olhos. Um impulso o mandou seguir a luz e ele redirecionou seus passos. Nunca havia ido até o fundos da capela. Botou os olhos ali atrás e viu uma porta, da qual a luz saía por uma janela embaçada.
ㅤ ㅤ Luís demorou apenas poucos segundos para mentalizar um esboço de mapa da capela na mente. Aquela sala ali só poderia dar a um lugar: A sala misteriosa do primeiro andar. A sua curiosidade agora já não era contida. Talvez porque sua mente já não trabalhava direito. Palavras e imagens surgiam e desapareciam dentro dela deixando o pobre Luís a beira da loucura. Quando deu-se por si. Lá estava ele, correndo irrefreado contra a porta.
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ㅤ ㅤ Escancarou-a com um só chute. Abrindo para seu interior. Abrindo também, para o interior de sua própria mente. Para fragmentos esquecidos. Ali dentro encontrou João. A Sala era iluminada por quatro lamparinas postas nos cantos da sala, uma grande mesa retangular se estendia pelo centro do cômodo, fincadas nela haviam diversas facas de vários tipos e tamanhos. E em frente a ela estava João de costas para a porta. Não se virou com ela se arrebentando. Não podia se virar, afinal de contas. Luís tremeu ao olhar em volta.
ㅤ ㅤ Aquele pequeno cubículo tinha um ar tenebroso e cheiro de carniça chegou as suas narinas assim que deu o primeiro passo para dentro dela. Seus olhos se adaptaram a nova luminosidade e então, notou a abundância horrível: Sangue. Havia sangue para todo o lado ali dentro. O líquido vermelho pingava do cando da mesa e ia formava enormes poças pelo chão do lugar.
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- João!?
ㅤ ㅤ O Padre não respondeu ao amigo de imediato. Ficou de costas por um bom tempo, rindo para si mesmo enquanto seus ombros grandes mexiam em sincronia com as gargalhadas. Até que se virou. O Padre nem de longe parecia um servo de Deus. Mantinha agora seu rosto frente ao amigo. A barba estava má cortada, e seus olhos arregalados ao máximo, junto a um cínico sorriso.
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ㅤ ㅤ[b]A barba estava má cortada, e seus olhos arregalados ao máximo, junto a um cínico sorriso. [/b] João não parava, não importa o quanto o jovem Luís chorasse.
- Pare, João! Pare com isso!
ㅤ ㅤE a única resposta que o pobre discípulo da Igreja tinha eram as risadas daquele que tinha se declarado seu amigo. E agora o aprisionava no porão do monastério. O rosto estava vermelho de tantas lágrimas que ele já tinha derramado, mas agora, já não sentia a dor. Apenas a dormência. Também, evitava olhar para qualquer coisa que não fosse a face de João em cima dele. Ao olhar para o lado, se deparava com o que havia de mais horrível. Suas mãos e pernas acorrentadas com grilhões vermelhos em brasa. As queimaduras só aumentavam e se intensificavam pelas costas do homem estarem apoiadas na grande fornalha que aquecia o monastério. Mas a dor já não era grande. Não a dor física. Maior era a dor emocional. Porque Justo João?
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- Pare.... Pare.....
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ㅤ ㅤTentou implorar uma última vez. E daquela, obtivera uma resposta.
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- É apenas a vontade de Deus. Luís.
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ㅤ ㅤE antes que mais algo pudesse ser dito, João o virou. Um novo grito agudo de dor ecoou pelo porão. Mais um grito que não poderia ser escutado. Agora, o que queimava era seu peito, ardia em chamas em contato com a fornalha. Novas lágrimas se formaram, usando o que restava delas. Sentiu as roupas serem rasgadas e uma dor fulgurosa invadir-lhe pelo reto. Mas nada que fosse pior ao sentimento de traição e as queimaduras.
ㅤ ㅤminutos depois, mais nada ele podia sentir. João o deixou ali e ele apenas desejava esquecer tudo aquilo. Desejou tanto que, após ser socorrido por um Padre que conferia o estoque de vinho, deletou a imagem de sua mente. Fazendo com que João voltasse a ser apenas o amigo de sempre. Fazendo com que as queimaduras desaparecessem, em meio uma ilusão de si próprio. Fazendo com que toda aquela noite fosse apenas um sonho. Um Pesadelo que o perturbaria em poucas noites.
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ㅤ ㅤLembrou-se de tudo. Luís. O pesadelo que o acordara, um dia antes agora estava claro em sua mente. E não era ilusão, fora seu passado. Aquilo que quis esquecer e agora veio a tona. Agora já sabia porque as pessoas se afastavam dele, podia novamente ver as queimaduras que lhe cobriam todo o corpo, incluindo a face, pulsos e mãos. E agora, podia ver o verdadeiro João em sua frente. O cínico. O odiável. Veias de raiva saltaram de seu corpo e ele avançou contra João pegando a primeira coisa que pudera pegar: Uma cadeira que estava ao lado da porta. Quebrou-a contra o lado direito de João que fora jogado sem nenhuma resistência pra um canto. Batendo em alguns barris, que envolviam toda a sala.
ㅤ ㅤOlhou novamente para aquele que se dizia Padre. João estava enlambuzado de Sangue até a face. Em suas mãos, ele carregava as tripas de uma pobre menina que não fazia idéia de quem era, mas cujo pai agoniava no armazém mais ao lado.

- Você nunca foi meu amigo, crápula sinistro!
- Claro que fui, Luís! Fiz apenas a vontade de Deus!
- E desde quando isto é Deus!?
- Desde que ele falou comigo.
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ㅤ ㅤDesistiu de conversar. João não estava mais simplesmente descontrolado. Ele era um louco. E alguém precisava dar um fim nele e naquele sorriso demoníaco. Atacou com os restos da cadeira contra ele. Mas daquela vez o moreno reagiu, rolando de lado e passando uma rasteira contra Luís, que caiu bruscamente no chão. João agiu mais que rápido, levantou-se e pegou uma faca de serra que estava fincada na mesa. E antes que mais alguma coisa pudesse ser feita, avançou contra Luís com a faca em punho.
ㅤ ㅤO Padre se defendeu como pôde, colocou uma mão em frente ao rosto, bem na frente de onde a lâmina iria trespassá-lo. E assim, a faca atravessou sua mão. Gritou agoniado de dor, mas manteve seu raciocínio. Chutou seu algoz brutalmente. João perdeu o fôlego e caiu para trás soltando a faca. Rapidamente, o Padre puxou a faca de serra de sua mão e fincou-a contra Luís. A lâmina atravessou a perna dele e travou no chão do cômodo. O moreno urrou numa mescla de alegria e dor.
ㅤ ㅤAgora não era mais hora para se conter. Rapidamente Luís puxou mais duas facas da mesa, que estava ao seu lado e afundou-as contra João. As lâminas trespassaram, respectivamente, o calcanhar e uma mão e também afundaram no chão. Mais gritos eram emitidos furiosamente do Padre Assassino que agora formava poças de sangue no chão que se juntavam com as das suas vítimas. Ele já não podia se mover. Não sem um pulso e com o calcanhar de Aquiles sangrando fervorosamente. Luís sorriu, com o mesmo cinismo de João e puxou mais uma faca.

- Vá ao seu Deus, João. Que o Diabo o carregue!

ㅤ ㅤE assim afundou a última lâmina no meio da cabeça de João. Seus olhos estavam arregalados e um sorriso mergulhado em sangue estava formado na sua face. Ele morrera do jeito que desejou: Da mesma forma que suas vítimas. Luís ficou postado em frente ao corpo dele, observando-o por alguns longos minutos, até finalmente desmoronar apoiando-se em um dos barris ao lado.
ㅤ ㅤO Barril mal colocado saiu do lugar e tombou no chão, abrindo sua tampa e despejando seu conteúdo no chão do lugar, além de recair parte sobre o próprio Luís. Dentro do barril, havia muito sangue, e mergulhado nele, partes de corpos humanos. Todos pertencentes a uma mesma criança, cuja a cabeça fora a última a sair do rio de sangue do barril, partida ao meio. Luís alargou o sorriso de loucura que formava um bolo na sua mente e olhou em volta. Haviam dezenas de barris idênticos naquele lugar. Aquilo não era seu lugar. Ele... Ele precisava sair dali.
ㅤ ㅤ
ㅤ ㅤPressionou o pano sujo da roupa contra a mão e começou a mancar em direção a saída. Já estava para respirar o ar fresco que tanto desejava, quando uma voz saiu de dentro da Sala. Bem atrás de Luís.
ㅤ ㅤ
- Você disse que era um bom homem.
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ㅤ ㅤE logo em seguida uma dor aguda se formou nas suas costas e percorreu todo o corpo. Uma longa faca de cortar porco perfurou seu corpo. Luís empalideceu e se ajoelhou enquanto o sangue começou a jorrar de sua boca, junto de lágrimas dos olhos. Ainda teve forças de olhar para trás.
ㅤ ㅤAli estava Alicia, com as roupas com as quais vira naquela tarde. Mas as roupas estavam rasgadas e ela estava com o peitoril nu. Um buraco se fazia no meio do abdômen, do qual as tripas que faltavam estavam impregnadas nas mãos de João, morto mais atrás. Ela tinha marcas na face. Marcas de vermelho de tanto chorar. Mas diferente dele, ela não pudera nem gritar, com um pano na boca que retirou instantes depois de Luís aparecer. A mente de Alicia não estava mais nada bem. Para ela, agora todos os padres eram João. Eram assassinos estupradores. E assim ela considerou Luís que a salvou. O Padre, cheio de cicatrizes de queimaduras estendeu a mão para acariciar a face da menina, mas sua mão não a alcançou a tempo. Mais de cinco forquilhas perfuraram suas costas. Atrás dele, estava uma multidão enraivecida. Que havia finalmente aberto o olhos para aqueles Padres malvados.
ㅤ ㅤAlicia fora salva a tempo e viveu feliz. Teve filhos e uma vida normal depois do incidente. Embora sempre se encolhesse ao ouvir qualquer coisa vinda da igreja. O resto do vilarejo. Nuvem Bela, se orgulhava de seu povo. Daqueles que confrontaram a igreja e os dois Padres do Demônio. João e Luís. Leia até o fim...

quarta-feira, 3 de março de 2010

Obrigado

Eu sei. Eu sei. Ultimamente estou fazendo poucos contos e pouquíssimos poemas. E estou exagerando quando venho falar diretamente com vocês. Mas é que, dessa vez me caiu a ficha sobre algo muito importante. Algo a que eu nunca dediquei uma postagem inteira para falar sobre. E não é mais que óbvio?

Eu gostaria de agradecer a vocês.

É um ato bobo e emocional, mas eu nunca deixei um cara bobo e emocional. Então, acho que posso fazer isso. Sabe, estava voltando para casa hoje quando parei para notar. Notei que o meu sonho de ser um escritor é algo que já foi realizado a muito tempo. Quando vocês começaram a ler o que eu escreto. O meu sonho, de emocionar – ou tentar – emocionar os outros com o que eu escrevo, eu já realizei faz tempo. Não que isso significa que eu deveria parar com meu sonho. Muito pelo contrário. A única coisa que vocês me deram, foi força. Força para continuar escrevendo sempre mais e mais. Vocês não sabem como eu me enchia de felicidade e meu ego subia toda vez que vocês vinham comentar comigo sobre os meus escritos. E não vou negar; eu ficava, fico e sempre ficarei um pouco metido quando ouço os outros falando assim. Quem diz que não fica é um hipócrita mentiroso. Mas mais do que esse sentimento tantas vezes inútil, vocês me impulsionaram. Talvez o blog seja a melhor coisa que eu tenha feito nos últimos tempos.

Vocês são os únicos que ajudam-me a nutrir meu maior sonho: De me tornar um grande escritor. De ter meus livros sendo comentados por críticos de todas as partes do mundo. E eu percebi que grande pilar vocês formaram no meu pensamento. Como retribuição, não me resta nada. Nada além de promessas. De que nunca esquecerei de vocês. De que sempre tentarei escrever uma linha melhor que a anterior. De que mesmo longe ou sem nos falarmos muito, eu tentarei sempre manter contato para saber se precisam das minhas palavras para mais que um conto ou que um poema, para um conselho. Sim. Mais do que como um escritor, eu gostaria que você me vissem como um amigo com quem sempre podem contar. Alguém em quem sempre podem se apoiar para se levantar. Não guardem para vocês seus sentimentos. É doloroso demais. A minha principal promessa então, é óbvia: Eu nunca deixarei de ser o amigo de vocês. Contem com isso, sempre. Porque afinal, se fosse por algum de vocês, eu abandonaria meu dom com as palavras sem pensar duas vezes.



Muito obrigado. Mesmo.
Leia até o fim...

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