sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A Planície Infinita


Depois de cinco minutos, enfrentando toda minha vontade de voltar a dormir, abri os olhos. O lençol cobria a minha face e o ventilador parecia estar ligado bem na minha cara, pela ventania que fazia. Me espreguicei com vontade e finalmente saltei da cama, puxando o lençol de cima de mim.


- Mas que diabos... - Falei. Mas não terminei a fala.


Na minha frente, onde era para estar meu pequeno e aconchegante quarto, havia uma planície verdejante que cobria tudo o que meus olhos podiam observar. Fora o céu. Mas meu quarto tinha um teto, e não tinha grama. E definitivamente não era grande daquele tamanho. Dei alguns passos adiante daquele mundo estranho, quando olhei para trás. Minha cama estava lá. Ótimo. Pensei. Teleportaram minha cama comigo junto. Era uma hipótese maluca e sem nexo algum, mas o que você pensaria numa situação parecida com a minha? Imagine se você cochilasse na sala de aula e acordasse no meio de uma floresta. Era assim que eu estava.


Finalmente, depois de alguns segundos olhando para minha cama, voltei a olhar para o horizonte e comecei a caminhar. Foi uma caminhada longa, e eu não sabia exatamente quanto tempo havia se passado desde que eu a havia começado. Quando você não tem um relógio, e todo o cenário parece ser sempre o mesmo do anterior, você começa a perder a noção de tempo. Mas tinha certeza que já estava longe, pois não via mais minha cama.


- Ei! Tem alguém aí!? - Gritei. Sem resposta alguma. Agora, minhas pernas doíam de tanto andar.


Mas mesmo assim continuei caminhando por aquela planície. O sol aparecia hora ou outra, mas quase sempre estava coberto pelas nuvens vistosas do lugar que era para ser meu quarto. Sempre gritava, talvez na esperança de alguém aparecer para me dizer o que está acontecendo. Ou na esperança de minha mãe me acordar de um sonho muito doideira.


Mas minha mãe não me acordou, e finalmente, alguma coisa aconteceu naquela imensidão verde. Vi ao longe um pequeno pontinho amarelo se aproximando. Parei, aguardando-o. Conforme ele ia se aproximando, ia tomando mais forma. Era alguém montado em cima de um cavalo. Naquele momento comecei a pensar se era melhor esperar ele chegar, ir até ele ou fugir de volta para minha cama. O fato é que de tanto que me demorei pensando nisso, ele se aproximou sem mais problemas.


- Gostou da nova decoração do seu quarto? - Veio a voz velha e arranhada, mas com o vigor de um garoto de doze anos de idade. Da minha idade.


O velho senhor tinha um bigode grande que dava pequenas voltas em torno de si mesmo antes de finalizar-se. Usava um chapéu marrom com uma pena fixada nele, ao melhor estilo Robin Hood. O resto da sua vestimenta; que incluíam uma calça folgada presa para dentro de botas, uma camisa de seda e uma capa por cima delas; eram todas amarelas. Fora o seu cinto, que era branco com uma fivela dourada em forma de cabeça de touro. Tanto seu bigode quanto seu cabelo eram brancos da idade, mas ele parecia muito bem em forma. Demorei um pouco para respondê-lo.


- Isto aqui é meu quarto? - Perguntei.

- Mas é claro, onde mais seria!?

- Tipo, sei lá. Uma Planície de um universo paralelo seria uma ótima opção, não seria?

- Como sempre, seu senso de humor é divino, garoto! - Disse o velho, seguido de uma risada bem humorada.

- Não, é sério. - Naquele ponto da conversa estava acreditando em qualquer coisa.

- Sim, eu sei que fala sério, meu pequeno.

- Ótimo. Então, vamos começar desde o começo, certo? O que é aqui?

- Depende do ponto de vista.

- Do ponto de vista normal. - Respondi automaticamente.

- Estamos no seu quarto. - Falou o velho com um sorriso na face.

- Tá... - Disse, pensando um pouco. - E do seu ponto de vista? - Arrisquei.

- No meu ponto de vista, este é um mundo maravilhosamente lindo e silencioso! - Ele falou abrindo os braços aos céus, mostrando as luvas de couro, também amarelas.

- Isso não ajuda muito. - Respondi finalmente.


O velho cavaleiro amarelado pareceu notar minha confusão e desceu de seu cavalo branco, logo colocando a mão dele sobre meu ombro.


- Relaxe. Não há nada aqui que irá lhe fazer mal. Até porque, tudo aqui é assim.

- Tudo assim?

- É.

- Tudo assim, tipo, quieto, com a grama baixa e o céu limpo?

- Exatamente. Pelo menos, na maior parte do tempo.

- E você mora por aqui?

- Sim. Sou o Guardião desta terra.

- Mas que terra é esta?

- O seu quarto, no ponto de vista normal.


Desisti, bufando por um momento. E assim, um longo minuto de silêncio nos cobriu, como se todo o assunto que tínhamos para conversar tivesse se esvaído. O velho cavaleiro continuou com a mão no meu ombro, olhando, hora para mim, hora para o céu azulado. Sempre com a mesma expressão sorridente. Enquanto eu fiquei ali; parado, imóvel. O que eu tinha para falar, afinal? Olhei para ele, pela face que ele fez, eu estava com uma feição meio triste.


- Vou ficar aqui para sempre?

- Ora, meu jovem... - Disse ele. - Você fica sempre no seu quarto?

- A maior parte do tempo, sim. Isso significa que a maior parte do tempo vou ficar aqui?

- Mais ou menos. Isso depende do ponto de vista, também.


Novamente me calei. Mas desta vez, por apenas alguns segundos.


- Eu estou sonhando, não é?

- Depende do...

- ...do ponto de vista. - Finalizei a frase para ele. O cavaleiro sorriu, como se eu tivesse feito algo bonitinho para ele.

- Exato. E se você for parar para pensar, pequenino, tudo na vida depende de um ponto de vista. Ás vezes o que é bom para um, é péssimo para outro. Pontos de vista. Já parou para pensar nisso? Esta planície é maravilhosa, um músico adoraria parar para pensar por aqui quando desejasse. Já você, que veio para cá tão repentinamente, não sabe ainda o que pensar.

- E outros já vieram para cá?

- Depende do ponto de vista. Também.


Parei para pensar num instante. E finalmente, achei uma boa brecha.


- No meu ponto de vista. - Respondi. O velho cavaleiro abriu um grande sorriso.

- No seu ponto de vista... - Ele respondeu, quase cantarolando. - Várias pessoas já passaram por aqui. De inúmeros lugares, de inúmeras eras.

- E quem é você? - Perguntei. E finalizei: - No meu ponto de vista.

- Parece que finalmente as coisas ficaram mais claras agora, Hm?

- Pois é. Agora responda-me. - Disse meio impaciente. Não queria parecer estar assim. Mas se você estivesse numa situação parecida da minha, também iria querer logo uma resposta. O cavaleiro pareceu notar essa minha pressa, pois fez uma longa e demorada reverência para mim, e começou a falar lentamente, num tom de voz diferente da anterior.


- Eu sou Lorde Túlio. Guardador da Infinita Planície.

- Lorde... Túlio?


De alguma forma aquele nome me pareceu muito familiar. Já havia o visto em algum lugar. Talvez o tenha ouvido quando era menor. Ou talvez o tenha escutado em algum lugar, não há muito tempo atrás. De modo que quase me esqueci da presença de Lorde Túlio, enquanto mergulhava nos meus pensamentos. Voltei a olhar para ele, nos seus trajes amarelos. Ele parecia querer dar continuação à nossa conversa. Sorri para ele.


- Então, Lorde Túlio. - Disse, já convencido. - Que lugar é este? No meu ponto de vista?

- Isso depende de qual ponto de vista você usar, meu jovem. - Respondeu ele, cortando meu barato.

- Mas como...

- Posso lhe dar uma demonstração do que falo, meu rapaz? - Disse ele antes que eu pudesse finalizar minha frase. Não que ela mudasse muita coisa, já que eu continuava bem confuso.

- Tudo bem. Me mostre, então.

- Perfeito!


Disse ele, e logo em seguida subiu em seu cavalo branco. Ajustou um pouco a sela do cavalo e em seguida estendeu a mão para mim. Era a primeira vez que eu montava num cavalo, mas a sensação não foi ruim, exceto pela sensação do meu traseiro ficar pulando a cada trote. No início, andávamos lentamente apreciando a vista. Eu sentado na frente, e as mãos longas e fortes de Lorde Túlio ao meu lado, segurando as rédeas.


- Bom, vamos começar nossa pequena jornada, meu jovem.


E antes que eu pudesse perguntar do que ele estava falando, Túlio atiçou seu cavalo que começou a correr mais rápido. E mais rápido. E mais rápido. Tão rápido que chegou uma hora que tudo ao meu redor pareciam ser só grandes borrões de tinta. Não tinha como um cavalo ter aquela velocidade, mas também não tinha como uma planície ser meu quarto. Demorei alguns segundos para me acostumar com o vento batendo na minha face assustadoramente. Olhei para trás e Lorde Túlio estava intacto e sorridente. E de alguma maneira seu chapéu continuava preso na sua cabeça.


- Não perca os detalhes, meu jovem!


Falou Túlio. Demorei para entender do que ele estava falando, e foi só então que notei. Os borrões que passavam por nós, não eram borrões azuis e verdes, como eram para ser caso corrêssemos nessa velocidade na planície. Era difícil me fixar em uma só imagem, quando parecíamos correr tão rapidamente. Mas Túlio ignorava essa minha dificuldade, então, imaginei que eu deveria observar daquele jeito mesmo. Forcei a vista com tudo.


- ....!!


E finalmente gritei de espanto, quando uma imagem se fixou. Era o Grande e Invencível Guerreiro Lothar, junto de seu escudeiro Fig. Eles estavam enfrentando uma montanha de monstros que não paravam de vir em cima deles. Mas a imagem foi tão rápida que logo foi substituída por outra. Agora, eu via um pequeno garoto usando boina, camisa e calça social. Era Thomas, brincando no seu silencioso balanço. Virei para outro lado e vi Lorena, a princesa, sendo resgatada pelo seu grandioso chefe da Guarda. Eram todas imagens conhecidas. Para todos os lados que virava, novas imagens. Até que finalmente o cavalo começou a reduzir nos trotes. E pouco a pouco, os borrões se tornaram verdes e azuis novamente. Até que finalmente a corrida voltou a ser caminhada e eles voltavam a trotar sobre a Planície Infinita. Mais ali ao longe, a minha cama.


- Obrigado, Lorde Túlio. - Disse, virando-me para o cavaleiro amarelo. - E desculpe por ter me esquecido de você. É algo imperdoável, eu sei. Mas...

- Ora! Por favor, meu jovem! Relaxe e procure apenas continuar sua vida.

- Sim, vou tentar.


E desci do cavalo com a ajuda dele. O Lorde desceu em seguida, e fomos caminhando juntos em direção à minha cama. Assim que chegamos a beira dele, virei-me para o Cavaleiro amarelo e o abracei com força. E logo depois, me deitei na cama. Túlio se sentou ao meu lado, na cabeceira da cama.


- Lorde Túlio.

- Sim?

- Isso foi é um sonho, certo?

- Depende do ponto de vista, meu rapaz.

- Imaginei que essa seria a resposta. Obrigado.


E em seguida, fechei os olhos para dormir. De repente parecia tão cansado e sonolento que não demorei mais que dez segundos para adormecer ali. O sono pareceu durar uma eternidade, e quando acordei novamente, foi com minha mãe me chacoalhando forte na cama. Abri os olhos e suspirei. Estava de volta no meu quarto. Olhei de relance para a estante onde estavam os meus livros. Tanto os que li quando os que eu criei. E logo depois, olhei para uma gaveta antiga. Onde dentro, havia um desenho de criança. Um desenho de um cavaleiro corajoso, valente e bondoso. Mas na ocasião em que o desenhei, anos atrás, só tinha um lápis amarelo. A viagem para minha própria imaginação foi algo estranho, inesperado, fantástico, inesquecível e completamente nostálgico. E a sensação de conversar com Lorde Túlio, o primeiro personagem que criei, foi incrível.





A imagem usada na postagem é do seguinte Artista:

http://kkart.deviantart.com/art/Mountain-Plains-of-Tabernash-93876809

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sábado, 8 de agosto de 2009

Monólogo - 1


Perante toda aquela escuridão, uma única luz focalizada se acendeu, deixando ele visível. A aparência dele não deixava ninguém se enganar. A cara pintada de branco, com contornos vermelhos exagerados em volta da boca e dos olhos. O espalhafatoso chapéu de Bufão, feito em cores alternadas de azul e amarelo e a roupa, larga e folgada com botões grandes e decorados. E também seu sapato com ponta empinada para cima e as luvas brancas gigantescas nas mãos.


- Gostaria de muito agradecer por investirem o precioso tempo de vida de cada um de vocês para ouvirem o que tenho a dizer. - Disse o Pierrot, inflando o peito e abrindo os braços para o nada. Pois nada havia, fora o pequeno círculo iluminado em que estava. - Mas garanto desde já, caros companheiros, que este não será um tempo perdido... - E começou a caminhar pelo tablado de madeira, o barulho dos passos se ouvia e a luz seguia seu movimento. - ...Ou talvez, será, para alguns de vocês.


Ele jogou um olhar fulminante para o vazio e apontou para um local aleatório.


- Alguns que dissimulam a vida e se entorpecem no reino da penumbra!


Apontou para outro lado, mantendo a expressão de raiva.


- Alguns que criam desespero e solidão do nada! E para o nada vão!


Apontou para outro lado, mantendo a expressão de raiva.


- Alguns...


E sua mão caiu levemente, voltando a alojar-se ao lado do corpo. Ele ajoelhou-se, cabisbaixo e ficou assim por alguns segundos, antes de levantar a cabeça novamente, olhando para um ponto qualquer no céu obscuro do lugar.


- Amigos, aqui presentes. Vivenciei de tudo um pouco. Chamo da minha mente as vozes da loucura, e não sei o que com elas fazer. Grito, de minha alma, pelos sentimentos perdidos, mas eles não voltam. Perduro sobre uma luz na infinidade obscura... - Disse, abaixando a voz, tornando-a quase um sussurro. Suas mãos, pareciam tentar se agarrar em algo no ar, e seus olhos brilhavam com uma esperança que não existia. - Agora. Tudo o que tenho são três coisas: O resquício de minha alma, O meu ego ferido e a solidão. A mais profunda solidão. Mas...


E ergueu-se, enquanto da sua triste face, agora surgia um enorme sorriso.


- Não seria isto perfeito? Seria minha imensa solidão, a minha mais fiel companheira? Aquela, que quando todos se recusam, vem a me ajudar? Vem a me dar a mão? E meu ego, ora! Aquilo que me faz continuar a viver e atuar! Aquilo que prende minha alma ao corpo e me faz permanecer a sorrir e cantar! Seria ótimo para mim, com certeza. Seria perfeito caso estes dois fossem minhas fiéis companheiras.


E novamente o sorriso esmoreceu e sua face tomou-se pelo desânimo.


- Mas existe sempre o indesejável. Aquele, que por mais que a vida lhe dê oportunidades de se livrar, permanece. E perante as três coisas que possuo, uma eu odeio. ...Porque? Porque, entidade divina, porque deixa comigo uma pequena parte da alma de uma vida que não mereci? Deixa em mim a pequena parcela que prevalece e me leva para as masmorras da torturante tristeza.


Ele saltou, abrindo novamente o sorriso contagiante e correu pelo tablado, acompanhado dos passos e da luz que o seguia para onde quer que fosse. Como se ele, o Pierrot, tivesse se tornado o centro daquele pequeno mundo, o tabu de sua existência. Ele saltitava enquanto jogava ao vento as palavras, felizes que vinham a seguir.


- Poderia, sem minha alma! Poderia correr feliz pelos campos e planícies da solidão! Poderia conquistar a terra que nunca me fora prometida, mas que, sem mais nem menos, tivesse descoberto! A vida é minha tortura. É a única coisa dentro de mim que me pára. A única coisa dentro de mim que não deveria ter direito algum, mas reina ditatorialmente sobre todo o resto. Com ela, a feliz solidão se torna amarga a cada passo solitário ouvido. E o ego contido em mim, de nada serve, sem algo que me alegre para deixar-me vivo. A grande vida limita cada um de meus passos e cada um de meus atos. Interpreto por interpretar, porque foi para isso que vim ao mundo.


Ele parou de correr, contendo os passos, um após o outro, até que se acorrentasse numa caminhada lenta, que terminou com ele observando o tablado iluminado. Sentou-se e abraçou os joelhos com força, e mordeu levemente o lábio.


- Porque, mesmo com todos vocês vindo me assistir... - E apontou para o nada, como se mostrasse uma platéia, enquanto esboçava um triste sorriso. - O que tenho a lhes passar é uma atuação. Não é meu sentimento mais puro. Pois este, limitado pela vida está sendo. Limitado pela vida como meu ego e minha vontade de amar a solidão.


Levantou-se novamente, e passou as costas da mão sobre a face, como se limpasse lágrimas. Embora nenhuma estivesse ali. E levantou-se lentamente, como se estivesse se recompondo. Logo, ficou ereto com as pernas juntas, como estava no início de tudo. Abriu as mãos e as esticou em direção do vazio.


- Mas devo continuar. Pois, pelo espaço que meu corpo consome, algo de útil deveria gerar, mesmo para o mundo limitado deste pequeno círculo iluminado. Então, para vocês, caros expectadores, deixo uma última mensagem. Uma que sempre fica dentro de meu coração, no que restou da minha alma: Abracem, ou a vida. Ou a solidão ...Obrigado. - Disse finalmente. Se curvando em reverência ao ninguém.


E o silêncio cobriu o local. Como sempre era, depois de cada peça terminada.



Clap! Clap! Clap! Clap!


O som cruzou todo o pequeno mundo iluminado do Pierrot, o pegando de surpresa. Ele não bateu palmas, mas elas vinham, de algum lugar. Arregalou os olhos, com um princípio de desespero.


Clap! Clap! Clap! Clap!


As palmas continuavam a vir, somando sempre novos pares de mãos ao seu som. Fazendo-o aumentar a cada segundo. Vieram, crescendo, dentro e fora de seu coração. Como se a vida, o resquício dela que ainda pairava dentro daquele corpo começasse a se regenerar. As palmas solitárias viraram um barulho ensurdecedor e desordenado, entretanto, maravilhoso. Ele sorriu, e as luzes se acenderam no palco. A Solidão tinha ido embora.




Fim.

Agradeço especialmente para a Natália, por me passar um vídeo incrível sobre um poema de William Shakespeare. Ele que me deu a inspiração para este curto conto que me surgiu na cabeça no mesmo instante que os dedos começaram a digitá-la. A imagem do pierrot é forte, e transpassa emoção em cada gesto e palavra. O que me fez escolhê-lo como protagonista( e antagonista) desta história curta. Abaixo, vai o link da artista que criou a imagem do conto.


http://peacewisher222.deviantart.com/art/the-stage-112464350

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segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Agradecimentos Gerais e Futuro




Primeiramente, gostaria de dizer que tentarei nunca deixar de ter este blog. Pois foi a porta de entrada para muitas coisas boas que me ocorreram num período de míseras duas semanas. Que se tornaram duas semanas bem importantes na minha vida. Para que eu possa completar esta postagem melhor, contarei um pouco do pequeno e inútil drama que tive que passar por cima.

Eu estava crente que iria prestar vestibular para Direito. Para me formar, passar num concurso público, e então, sustentar toda minha família. Mas, eu não conseguia me ver como sendo um advogado, não conseguia me ver seguindo a carreira jurídica. Era pura e simplesmente assim porque eu desejava o bem de meus pais acima de tudo. E, por isso, o ânimo que eu tinha para estudar era zero, ou menos. Coisa que mudou. Alguns meses atrás, comecei à ver animês novamente, e ao mesmo tempo, voltei à ler vários livros. Tudo isso fez com que eu finalmente percebesse o que eu desejava para minha vida. E é o que ainda desejo: Tocar o coração das pessoas com algo que eu tenha feito. No caso, Escrita, minha forma mais sincera de me expressar. Com esta descoberta, minha mente entrou em outro pequeno conflito: Sonho x Meta. O que fazer? Fiquei assim por um bom tempo.

Até que finalmente, outro dia, voltei à ler o blog de um amigo, e encontrei-o no msn para falar com ele sobre escrever. Acabei descobrindo que ele desejou virar escritor como profissão. Que decidiu levar a vida daquela forma. E aquilo, para mim, foi como a ficha caindo. Parei para pensar e fiquei assim por algum tempo, até finalmente raciocinar. Eu queria ser escritor também. Nada de Leis, Nada de Constituição. Gostaria de escrever o que desejasse, ora! Direito ficou para trás, e agora, estou me preparando para prestar para Letras. A vontade de estudar duro voltou, nem que seja um pouco, mas com o tempo aumentarei isto. O que importa é que agora minha vida se estabilizou e eu sei que carreira vou seguir pela minha vida.

Agradeço de coração à inúmeras pessoas que me ajudaram nestes últimos dias. Cristiano, o dono do Blog que li, escritor extraordinário, que me fez acordar pra vida e notar o que eu realmente queria. Rafael, ou Beiçola, pelas conversas inteligentes e pelos animês. Acabou sendo a primeira pessoa que sabia que eu chorava pacas vendo animê. Natália, Graaaande Natália, que me deu um apoio gigantesco agora que mais precisava. Simone, minha prima querida, com quem conversei sobre querer cursar letras. E com ela, finalmente consegui mais coragem para seguir em frente. E os que leram meus contos, foram poucos eu sei, o que faz com que eu me alegre mais por tê-los sempre por perto. Gostaria que sempre me acompanhem e me dêem suas sinceras opiniões, pois contam muito para mim, os comentários serão todos levados à sério. O blog continuará, e sempre colocarei aqui minhas histórias menores. Meus contos e coisas que me vem na mente.


De coração. Obrigado para vocês todos.
Junto desta postagem, vai o Link dos Artistas que fizeram as imagens que coloquei nas postagens dos contos "O Cubo" e "A música do Coração".

http://abigel.deviantart.com/
http://divineerror.deviantart.com/
http://bjdezek.deviantart.com/
http://notspecific.deviantart.com/
http://pitrisek.deviantart.com/




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domingo, 2 de agosto de 2009

O Cubo


Existem vários universos. Uma porção infinita de cada tipo. Uma porção infinita de cada tamanho. Essa história, conta especialmente o que aconteceu em um destes universos. Aquele universo se limitava à um grande cubículo de vidro, tinha o tamanho de um quarto espaçoso. No meio do grande cubo, havia uma parede de vidro, que dividia o local em duas partes. Não havia nada além do cubo, nem dentro, nem fora dele. A única coisa que existia ali eram dois seres. Dois espíritos de luz, que viviam um em cada lado do cubo.


Eram pequenas bolas brilhantes que flutuavam emanando sua personalidade de acordo com o tom de luz. Quando se enfureciam, a luz ficava vermelha. Quando estavam alegres, a luz tomava uma amarelo ofuscante. Quando estavam tristes, elas brilhavam em púrpuro. Haviam diversas outras cores que eles podiam assumir, mas isso, de nada importava. O Seres de Luz tinham uma vida triste, onde a única coisa que podiam fazer, era ficar flutuando pelos seus lados do cubo. Triste, para nós, pessoas. Para eles, era uma vida normal. Quando olhavam para o lado e viam o ser de luz que ficava do outro lado da parede de vidro, achavam que fosse o próprio reflexo.


É engraçado ver como dois seres que vivem tão perto um do outro podiam ao mesmo tempo estarem tão distantes. A ponto de até acharem que são os únicos em todo um universo. Afinal, o cubo não deixava de ser um universo. Provavelmente eles poderiam muito bem viver assim pelo resto da vida, assim como milênios já se passaram com eles acostumados com o reflexo. Mas o impensável destino sempre encontra um jeito para que tudo na vida se desenrole do modo mais peculiar.


Crack!


Foi o som que se fez ouvir, quando um dos seres, por acidente, bateu forte demais na parede de vidro. Do outro lado, o outro ser de luz assustou-se, ele não havia feito aquilo. Porque seu reflexo havia feito? Enquanto isso, o ser que fez a rachadura se perguntava porque seu reflexo não se deformou pela quebra do espelho. Junto com a quebra daquela pequena parcela da separação deles, surgiu também uma quebra no pensamento já feito de ambos os lados.


A principio, nada ocorreu. Ambos os lados tentaram continuar suas vidas como sempre foi. E por um tempo, aconteceu realmente isso. Mas a rachadura continuava ali, provando que algo de errado existia. Certa vez (pois não era possível decidir se estava de dia ou de noite), um ser de luz estava bem na frente da rachadura da parede, observando-a de perto. E, por coincidência ( ou quem sabe destino ), o outro lado também estava ali. Fazia a mesma coisa. A proximidade dos dois era tanta, que pareciam um único brilho, separado apenas por alguns centímetros de vidro quebrado. De modo que já não havia como discordarem, não estavam sozinhos. Surgiu então a vontade de se comunicar. E foi assim que eles aprenderam a usar a voz.


- Olá? - Soou a voz de um espírito, pela primeira vez no cubo.


O espírito do outro lado atirou-se contra a parede oposta, assutada. Ouviu alguma coisa, e entendeu o que havia ouvido. Ficou afastada da parede por vários minutos, antes de tomar coragem para aproximar-se dela. Ficou a frente da rachadura novamente, e sua voz nasceu.


- Olá. - Segundos de silêncio constrangedor seguiram-se.

- ...O que você é? - Voltou a voz.

- O habitante solitário deste mundo. Você vem de onde?

- Sempre estive aqui. Também habito esse lugar.


Uma dúvida nasceu nos seres de luz. Imaginavam, os dois, se seus reflexos diziam a verdade.


- Você tem nome?

- Não, nunca precisei me apresentar antes ...E você?

- Também não.

- Então...

- É, seria bom se nós tivéssemos algum nome para chamarmos um ao outro.

- É...

- Então?

- O que?

- Alguma sugestão?

- Não, não penso em nada. E você?

- Hm... Que tal... Não, nada.

- Vamos, diga.

- É.. que tal: Amor?

- Amor? Palavra estranha.

- Veio na minha mente, não posso fazer nada.

- Pode ser esse nome mesmo. Tem algum significado?

- Não que eu saiba.

- Então, pode ser. Amor.


E partir daquela vez, eles começaram a conversar. Não sempre, porque não havia tantos assuntos à se falar daquele lugar. Mas agora que tinham um ao outro, eles podiam fazer várias coisas, como sincronizar danças e movimentos no espaço do cubículo, para pura e simplesmente passarem o tempo.


De repente, quando não faziam nada, um tédio mortal os assombravam. Coisa que não aconteciam antes, quando estavam acostumados à viver naquela imensa solidão que era o pequeno cubo de vidro. Era engraçado ver como as coisas mudavam. Vantagens e Desvantagens.


- Amor? - Disse um ser, certo dia.

- Fale.

- Será que só nós dois habitamos esse lugar?

- O que te faz pensar assim?

- Não sei, comecei a pensar hoje: Agora, podemos conversar sempre que quisermos. Mas antes, eu imaginava ser o único do cubo, que eu era o centro de todo esse pequeno universo, e que eu era para quem o mundo nasceu.

- Pensava do mesmo jeito. Antes daquela rachadura que você fez.

- Sim. Mas agora que eu descobri você, fico imaginando se não há outros, como nós.

- Hm. - Pausa – Também já pensei nisso. Mas acho que não há mais nada.

- É. Já tentei até quebrar outro vidro. Mas não consigo.

- Estamos sozinhos por aqui.

- Não exatamente. Temos um ao outro, não é? - Amor se iluminou em amarelo forte.

- É.


Houve alguns minutos de silêncio, como se preferissem que aquela conversa terminasse ali. Mas logo, uma idéia veio na mente de Amor. E ele desejou compartilhá-la.


- Fico pensando. Talvez existissem outros mundos.

- Outros cubos, igual à este?

- É, ou talvez não. Coisas maiores. Lugares cheios de seres da mesma espécie.

- Isso deveria ser no mínimo bonito de se ver.

- Sim. Desejaria estar num lugar desses?

- Talvez.

- Talvez?

- É. Seria bom se eu o encontrasse nesse lugar. Poderia ser tão grande que às vezes me perderia de você.

- Amor, e se houvesse mais um por aqui. O que faria?

- Não sei.

- Nada? Nem um mínimo palpite?

- Não. É sério.

- Mas então, e se...

- Vamos parar com esse assunto, Amor. - Disse um espírito.

- Porque?

- Não sei, algo em mim diz que desejaria parar com ele.

- Se você quer...

- Sim.

- Então, tudo bem.


E finalizou-se aquele assunto. Assim como muitos outros foram finalizados, seja por falta mais coisas à se falar, seja por discussão de um. Houveram brigas, também, discussões e muitas outras coisas. Mas eles já dependiam um do outro para conseguirem viver felizes. O tempo, que parecia não passar, acabou progredindo. Séculos, em uma vida normal passariam ali como segundos, ou talvez como uma grande eternidade. E, não se sabe quanto tempo depois, depois de milhares de conversas, surgiu uma idéia que nunca havia aparecido antes. Uma idéia que ambos os lados decidiram seguir.


- Pronto, Amor?

- Sim. Pronto, Amor!


BAM!


O impacto dos dois seres de luz contra a parede de vidro. Eles por séculos ( ou milênios ) viviam conectados apenas pela rachadura, mas agora, desejavam de pura alma ficarem mais perto fisicamente. Talvez a grande amizade criada. Talvez o grande amor criado. E juntos, lá estavam eles, ferindo o muro que os separavam. A cada batida deles, um leve tremor no cubo, e mais ramificações na rachadura, que começava a tomar quase todo o vidro. Eles iriam conseguir! Era a força de vontade que puramente movia os dois, os impactos não doíam, pois seus corpos eram feitos de luz, mas a cada nova batida, eles sentiam mais a resistência da divisão falhar. Era como se tivessem corpos.


A missão de derrubada daquilo durou dias, talvez anos, talvez séculos. Mas nenhum dos dois desistiu. Cada nova rachadura era comemorada, e cada vez que o vidro tremia, eles vibravam nos seus tons de amarelo. A voz ficava mais forte, e eles podiam até sentir o calor da proximidade que aumentava a cada instante. Era a hora esperada. Eles iam...


- O que...

- ...é isso?


A parede de vidro quebrou-se em milhares de fragmentos, que começaram a cintilar num azul-claro. E logo, desapareceram. Não houve som, foi puramente o desaparecer deslumbrante da parede. E, ao mesmo tempo, todo o cubo se quebrou. Como se fossem serpentes saindo da água, rachaduras fortes e vistosas começaram a cobrir o cubo inteiro. Ele iria se quebrar. Aquele mundo iria desaparecer. E assim, a alegria dos Amores se tornaram desespero. Voavam em volta, batendo no cubo, inutilmente tentando parar as rachaduras que desabavam o lugar, mas nada mudou os fatos. Os dois seres de luz voltaram-se um para o outro quase ao mesmo tempo, como se entendessem o que aquilo significava. E logo se aproximaram, sem pressa, enquanto tudo em volta desabava. O vidro do cubo sumia, brilhando do mesmo modo que a parede fez-se para sumir. Mas nada mais importava, os dois seres de luz juntaram-se e se tornaram uma única luz, puramente branca. Agora estavam unidos.


- Amor?

- Sim?

- Tem algo para expressar tudo isso?

- Não sei...

- Talvez...

- Amor? - Disseram ao mesmo tempo.

- É, a única coisa que podemos pensar agora. - Disse, rindo baixo.

- É... - Consentiu o outro.

- Amor?

- Hm?

- Estamos juntos.

- Sim.


E assim, o cubo desapareceu. Mas a luz continuou a brilhar forte por mais alguns segundos, antes de desaparecer dali. De sumir completamente daquele pequeno cubo que prendia toda a liberdade dos dois seres, que agora eram um único, chamado amor. E quase ao mesmo tempo, em um universo totalmente diferente, Eduardo, um jovem estudante deslumbrou a visão de uma bela jovem. Seu coração acelerou mais forte, e ele abriu um grande sorriso bobo ao vê-la passar tão despreocupada. Talvez aquilo fosse o nascimento do amor dentro dele?




Fim.


Um conto pequeno e meio bobo, que surgiu em na minha mente dois dias atrás. Agradeço ao Cristiano, amigo antigo que é o dono do Blog Mil Faces da Loucura, por me dar a inspiração para este conto aqui, com uma das histórias dele. E antes que me perguntem, não, não vão ser todos meus contos que irão retratar sobre amor. O que estou produzindo agora irá dizer sobre algo completamente diferente (ou não, rs). Esperem mais atualizações em breve. Junto do final dessa história, também vai uma dedicatória especial à este mesmo Cristiano. Que por meio de uma conversa tão simples, me abriu os olhos para algo que estava bem na minha frente. Agora, já poderei estudar para o vestibular com vontade. Pois Meta e Sonho andam juntos. Talvez a conversa pelo msn, tenha dado um dos melhores frutos da minha vida. Pois ela decidiu meu futuro. Valeu, Poste, porque você fede bastante (Piada interna).

Leia até o fim...

sábado, 1 de agosto de 2009

A música do Coração - Inteiro


Em uma pequena vila, nasceu um garoto surdo. Ele tinha aprendido a conviver com sua deficiência e levava uma vida comum, sem maiores complicações. Entretanto, talvez por se subestimar demais, o garoto acabou por não ter nenhum sonho ou meta para a própria vida. Vivia por viver, deixando que cada dia que passasse fosse o máximo parecido com o anterior.

Até que um dia, chegou na pequena vila um jovem artista, um músico de sucesso que veio para o interior em busca de inspiração para novas melodias. A princípio, o garoto considerou aquela notícia como outra qualquer, afinal, já tinha se acostumado com o fato de não poder ouvir. De não saber como era a música. Mas um fato inesperado ocorreu quando ele foi assistir à uma apresentação do músico. Tinha ido por insistência dos amigos que quase o puxaram para fora de casa, e agora, estavam reunidos em volta de uma grande clareira que ficava na floresta ao lado do vilarejo. Pessoas se agrupavam, em volta de uma fogueira, e logo o músico apareceu, carregando seu belo Violino. O garoto, como não tinha um dos cinco sentidos, acabou por apurar todos os outros, e por causa disso, sua visão captava coisas que muitas outras pessoas não captavam. E talvez esse fora seu grande infortúnio. Quando o músico começou a tocar, o pequeno garoto pôde notar claramente as emoções do músico. Os sentimentos dele encheram seu coração de uma forma inesperada, como se uma aura de alegria exalasse do instrumento e do próprio músico. Mesmo não ouvindo, o garoto teve certeza: Aquela era a melhor canção que já ouviu em sua vida. E aí começa seu desespero, ele gostaria de ouvir a música. Uma curiosidade que nunca tinha tido apareceu em seu peito e começou a crescer de forma avassaladora, como era ouvir uma música daquelas? Certamente seria maravilhosa a sensação. Mas, ele nunca ouviria aquilo, certo?


Depois do dia do concerto do violinista, o jovem Garoto começou a vivenciar a tempestade mais violenta de sua vida. Começou com um simples e silencioso sofrimento, que não compartilhou com ninguém. Mas o sofrimento aumentou e expandiu-se, de modo que houve um momento, em que ele não conseguiu mais esconder sua angústia. A vontade de querer ouvir nasceu dentro dele e agora não queria voltar à adormecer. Perguntou aos pais sobre cura, algo que nunca havia perguntado antes. Sua resposta foi um triste balançar negativo com a cabeça.

Sem algo em que se apoiar, o garoto começou a andar pelas ruas com um grande fone de ouvido tocando músicas do violinista em volume máximo. Era a última palha de esperança do menino, caso não fizesse aquilo, não poderia seguir em frente, pois seu único sonho estaria destruído pela impossibilidade.

Irônico, não era? Pensou outro dia. O único sonho que tivera em sua vazia vida, era o único que não podia realizar.

A vida seguiu, e o garoto voltou a monotonia dos dias. Não estudava, e para compensar, ajudava o pai na plantação e a mãe, com as atividades domésticas. Mas nem por isso deixou de estar com o fone de ouvido junto dele. O brilho do seu olhar, que já era pouco, se tornou quase inexistente, tudo graças à uma vontade. Ele pensou naqueles dias consigo mesmo “ Porque sonhos e vontades existem? Para mim, só servem para sofrer. ”. Outono, Inverno, Primavera, Verão; o tempo passou num piscar de olhos para o vilarejo, embora para o garoto, pareceu cada dia ter durado uma eternidade. Os amigos, aos poucos, começaram a se afastar do garoto, ele não tinha mais graça. Tinha perdido o pouco que tinha e agora era chato e bobo, como diziam as crianças. Mas nem mesmo o garoto não se importava, adotou como amiga, a solidão do silêncio, como ele mesmo quis nomeá-la. E junto dela, aquela vontade de poder ouvir, que nunca desaparecia.

POW!

Enquanto tinha um de seus momentos de reflexão, após ajudar o pai a colher o milho, uma bola de futebol acertou sua cabeça em cheio. O fone saiu de seus ouvidos, voando longe e ele ficou meio desorientado por um segundo. Virou-se para encarar que havia chutado. Segundos depois, da direção para qual olhava surgiu uma garota de cabelos encaracolados castanhos vestindo um macacão todo sujo. O garoto fixou nela um olhar de raiva por um instante, para logo depois ir até seu fone e colocá-lo novamente no ouvido. A garota pegou a bola e foi até ele, falando algumas coisas. Mas ele não podia ouvir. No fim, a garota emburrou a cara, virou-se e correu para o meio do matagal novamente.

No outro dia, ele tinha feito a mesma coisa. Era época de colheita, e por isso, ele e o pai tinham de fazer a mesma coisa durante alguns bons dias, para garantir que o dinheiro entraria para eles no fim do mês. E novamente, quando o trabalho se encerrou, parou no meio do matagal, recostado no espantalho, deixando seus triste pensamentos fluírem. Já estava no meio de uma discussão assídua com a solidão do silêncio quando a mata à frente se moveu e logo, a garota do dia anterior apareceu, parecendo vestir o mesmo macacão. Só que agora estava sem a bola, no lugar dela, carregava um caderno nas mãos. O garoto moveu seus olhos para ela, e quando se fixou na garota, ela abriu o caderno, mostrando a primeira página.

Desculpe, não sabia que era Surdo. Pensava que tinha me ignorado ontem.

Ele apenas balançou a mão na direção dela. O que, por linguagem corporal significaria algo como:

Tudo bem.

A menina pareceu ter captado a mensagem dele, de modo que abriu um sorriso e se aproximou do garoto, sentando ao lado dele. Ficou em silêncio por um breve segundo, olhando para a direção que ele olhava. E então, pegou do bolso uma caneta tinteira, virou a página e escreveu na próxima:

Sem querer me intrometer, já me intrometendo, porque fica com o fone de ouvido?

Ele pediu a caneta dela e escreveu, usando o restante da folha.

Desejava poder ouvir.

A garota sentiu-se constrangida consigo mesmo, coisa que podia ser notada pelas bochechas que se avermelharam de vergonha. E desviou o olhar, tentando esconder a face. Afinal, tinha tocado num assunto delicado, ao qual ela não podia fazer nada. Ou podia? Ficou imóvel por alguns segundos, e nesse tempo, o garoto se levantou e foi caminhando em direção a casa dele. Virou-se para trás e acenou para a garota. Afobada, a garota levantou-se rapidamente e correu até ele, ficando parada à sua frente. Rabiscou algo no caderno com pressa e logo em seguida empurrou ele na cara do garoto.

Sou Sophia. E você?

Parou alguns instantes, e logo depois, pegou o caderno das mãos dela e respondeu.

Sou Thomas.

E antes que ele pudesse voltar a andar, ela escreveu novamente, e mostrou a ele.

Posso voltar aqui? Para conversar com você mais vezes? ”

A pergunta era inesperada, de maneira que o garoto não soube como responder. Sem que percebesse, meneou a cabeça positivamente para a garota, e em seguida, voltou a andar. Não viu mais ela naquele dia, pois saíra correndo após a resposta dele. Os passos de Thomas ficaram mais lentos enquanto pensava. Afinal, o que ela havia visto de interessante nele? Decidiu deixar para pensar naquilo outro dia. E entrou em sua casa.


Thomas já estava quase desistindo de esperar ali, sentado abaixo do espantalho. Ela não viria, pensou ele. O que diabos ele estava pensando, afinal de contas? Se desiludiu e levantou-se para ir embora. Começou a caminhar em direção à casa, quando uma pedrinha acertou seu ombro e caiu na sua frente. Virou para trás e lá estava ela, sorridente, com uma caixa de madeira em baixo de um dos braços. E com o caderno aberto no outro. Levantou a folha para ele.


Xadrez? - Disse ela com a folha, e logo depois levantou a caixa do outro braço.

Sim. Pode ser. - Ele fez com a cabeça. E voltou para sentar-se junto da garota.


Sophia era uma craque em jogar xadrez, pelo que parecia. Mas Thomas tinha ao seu lado um grande aliado, o silêncio. De modo que o jogo corria acirrado desde o primeiro segundo. Ninguém dizia nada, e não era porque Thomas era surdo. Eles estavam pensando mesmo. A cada jogada, um suspiro escapava de um deles e uma nova estratégia precisava ser bolada.


O jogo estava em um momento quase crítico, com Thomas possuindo dois peões, uma rainha e um cavalo. Enquanto Sophia tinha a rainha, um bispo e as duas torres. Ela olhou para ele enquanto ele pensava no movimento, e logo depois escreveu algo no caderno.


Gosta de Xadrez, certo? - Mostrou ela.


Não.- Respondeu claramente com a cabeça.


E como joga tão bem? - Outra folha.


Não sei.- Veio a resposta, com Thomas abrindo as mãos, inclinando a cabeça e levantando os ombros.


Então, o que gosta de fazer? - Disse ela. Enquanto via ele movimentar a rainha.


Não sei. Talvez escutar música. - Falou, fazendo o mesmo movimento de antes e apontando para o fone de ouvido jogado no canto.


Como assim, escutar música? Você não pode ouvir, certo? Que tipo de música você poderia escutar, então? - Escreveu ela, para depois movimentar o bispo, engolindo com gosto o cavalo de Thomas.


A solidão do silêncio.- Respondeu ele, escrevendo rapidamente na folha dela. Para logo depois mover a rainha à frente. Não tinha gostado de perder o cavalo.


E isso é bom?- Escreveu ela, com um sorriso maroto na cara, por que logo em seguida uma torre se deu ao belo trabalho de devorar a rainha de Thomas por inteiro.


Não sei, não posso escutar. Mas ela é minha amiga. - Escreveu com uma cara emburrada, não previa que perderia seu Ás da manga assim tão facilmente.


Mais amiga que eu?- Escreveu. E Xeque-Mate.


Naquele momento, nem a derrota no jogo interessou Thomas. Uma coisa mais interessante encheu sua cabeça de conclusões sobre coisas que já conhecia e dúvidas que surgiram a partir dali. O garoto notou que em todo e qualquer momento que passava com Sophia, a Solidão do Silêncio deixava de existir, como se esquecesse dela completamente. Ficou pensando naquilo por um bom tempo, perdido em seu próprio mundo. Demorou para notar o caderno dela se agitando na frente dele.


Tenho que ir, Perdedor. Espero que seja melhor com Damas ou Gamão.


Dizia o caderno. Viu a garota sumir no meio do matagal da plantação,e respirou aliviado, enquanto sentia um peso sair das suas costas. Tinha feito uma amiga de verdade, certo? Uma que não o trairia por causa de sua depressão, certo? A resposta positiva daquelas duas perguntas o tentavam. De maneira que ele soltou um belo sorriso. Um, que não dava já fazia vários meses, talvez desde o dia em que viu o Violinista pela primeira vez. E, pensando nisso, a vontade de ouvir veio novamente. E a Solidão do Silêncio novamente pousou em seus ombros, voltando à dar a ele o fardo de sempre.


E daquela vez, a Solidão do Silêncio tinha vindo com força, como se quisesse tirar o atraso pelo tempo afastado do garoto. Thomas, depressivo e com o fone nos ouvidos, ficou sem sair de casa por alguns dias. Isolado do resto mundo. De modo que não foi se encontrar mais com Sophia. Talvez a única coisa que talvez o ligasse ao mundo fosse o sentimento de culpa por deixa-la esperando. O tempo continuou a passar, e, depois de duas semanas, parece que finalmente a Solidão do Silêncio deu uma tregua à ele. Ao mesmo tempo, a mãe pediu para ele ir comprar algumas coisas na conveniência da cidade. Saiu de casa com a lista no bolso e os fones no ouvido.


Não ficava tão longe, tanto que dez minutos depois de sair, Thomas já estava voltando com as compras nas sacolas. Andava sem pressa alguma, quando uma mão tocou seu ombro, virou-se e lá estava Sophia. Imaginou que estaria brava com ele, mas na face dela, viu uma expressão triste e de arrependimento. E de entender expressões, ninguém era melhor que ele. A garota não carregava nenhum caderno, provavelmente não esperava ver ele ali. Deixou os pés juntos e ficou balançando o corpo para frente e para trás com as mãos juntas nas costas, enquanto seu olhar fitava o chão.


O que foi? - Disse, com um movimento de cabeça rápido.


Porque não apareceu mais lá? - Veio da resposta, de um olhar de sobrancelhas arqueadas para ele.


Não sei. - Thomas respondeu com um balanço de ombro.


O que se seguiu foi um curto período de silêncio, que envolvia constrangimento e vergonha dos dois lados. Thomas, por não ter aparecido como combinado. E Sophia, talvez sentindo-se culpada por ter feito algo de errado da última vez que se viram. Os segundos pareciam durar minutos, até que Thomas suspirou, ele era o culpado e ela provavelmente estava chateada com ele. Recuou um passo, depois mais um. E virou-se de costas, começando a andar. Só parando depois de alguns dez passos para virar para trás e encarar a garota, ainda parada no mesmo lugar.


Até mais. - Fazia ele com um abano de mão. Ou seria um “ Adeus.?


Não...- Disse ela, avançando um passo na direção do garoto que se afastava.


Não... - Mais um passo.


Por favor, se você partir, eu... - Começou a andar em um passo acelerado em direção a ele.


Talvez Thomas, naquele momento da sua vida, estivesse torcendo para que a garota continuasse aqueles passos rápidos. Talvez realmente tivesse pensado que era a última vez que se viam. Ou até mesmo, poderia estar pensando em encontrá-la no dia seguinte, agora que tinha se livrado da Solidão do Silêncio. O fato era que, independente do que ele estava pensando, tudo ocorreu tão rápido que o garoto não teve tempo de pensar em nada no momento. O que ela dizia através de seus gestos, nenhuma palavra no mundo poderia dizer mais claramente. Aquilo que ela fazia, não precisava de música, nem de melodia nem de qualquer coisa para se tornar mais forte que a Solidão do Silêncio.


Não se afaste de mim. - Dizia ela, abraçando seu braço com força.


... - Ele a observava.


Porque eu... - Olhou-o nos olhos, com uma mescla de tristeza e felicidade.


...- Continuou parado.


Porque eu acho que te amo, bobo. - Disse finalmente. Beijando o pequeno garoto na bochecha.


Pela primeira vez na vida dele, Thomas estava em dúvida sobre o que ela queria dizer com todos aqueles gestos. Toda a conversa mostrada acima para ele, era apenas uma das hipóteses no meio de muitas outras. Por causa disso, com a garota ainda grudada em seu braço, Thomas ficou pensando sobre o que e como deveria responder. Talvez deveria responder que não entendeu nada dos atos dela, mas não era aquilo que seu coração desejava. Uma daquelas hipóteses de todas que estavam em sua mente era a que ele mais desejava. Mas a dúvida o corria e ele não sabia o que fazer.


Mas o que é...


Numa sensação que Thomas nunca sentiu antes, uma onda de sentimentos invadiu seu corpo e mente de uma única vez. Eram pensamentos e expressões que esbanjavam amor, felicidade e alegria em cada parte deles. O garoto nunca tinha sentido aquilo, mas sabia que era uma belíssima sensação. Talvez fosse... Música? A doce melodia percorria sua mente, invadindo cada pequena porta dela mudando por completo a decoração de seus pensamentos. Sentiu aos poucos a presença da Solidão do Silêncio se esvair para nunca mais voltar e sentiu-se aliviado com o peso retirado por completo de suas costas. A melodia parecia ser tocada por um violino, mesmo que Thomas nunca tivesse ouvido um na vida, ele sabia de alguma forma. E inundava sua alma, revigorando cada parte de seu inteiro ser. Mas afinal, o que estava fazendo aquilo com ele? Piscou os olhos, e aos poucos a realidade foi voltando à ele. Piscou os olhos, e todo o jogo de luzes que pareciam iluminá-lo começou a se apagar. Piscou mais uma vez, e agora, o mundo ao seu redor foi tomando forma e cor, pouco a pouco. Piscou os olhos uma última vez, a música parou, e ele se viu de frente para Sophia, ela estava de olhos fechados com a face rosada como maçãs.


Também te amo.- Tinha sido sua resposta, com o beijo que tinha dado em Sophia. O beijo que revelou, que a verdadeira canção que Thomas estava destinado à ouvir era outra, uma bem mais forte e bela que qualquer outra que o violinista pudesse tocar. No fim das costas, sorriu para a garota, e jogou o fone de ouvido de lado, na estrada.




Fim.

Este foi meu primeiro conto. Pela minha auto-crítica, ainda preciso melhorar em muitos pontos, e agradeço à deus por pensar assim. Mas enfim, espero que leiam, e que, de coração, gostem do conto. Muitos outros virão. E a repostagem foi feita apenas para deixar o conto inteiro numa única postagem. Senão, gente problemática (Lê-se: Anne Véia) lê o conto do fim para o começo.



Leia até o fim...

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