domingo, 17 de janeiro de 2010

Os 8 Escolhidos - Capítulo 8

Capítulo 8 – Galahad Broadcase, O escolhido

- Consegui!
Hórus comemorou girando em sua cadeira e levantando os curtos braços dele. Khalador aproximou-se no mesmo instante. E Gal estava tão impressionado que nem ao menos havia saído de perto do pequeno motorista. Na frente deles, havia duas pequenas hastes, colocadas paralelas e na vertical, com uma distância de alguns centímetros de uma para outra. E, no meio dela, uma imagem holográfica de forma quadrada se formava, como se fosse uma tela. A início apenas chiava enquanto ela repassava para eles poucos segundos das redes de televisão e rádio locais. Mas conforme Hórus mexia no controle da máquina, ela ia se ajustando para um canal mais reservado. O grito dele foi justamente por manter o contato exato.
A tela insistiu em ainda mostrar algumas falhas de sinal, enquanto Hórus viajava seus longos dedos pelo controle que tinha nas mãos. Era lógico que ele era o único que podia dominar aqueles equipamentos completamente. E logo a imagem foi ficando clara e fixa. Ali, na projeção holográfica em 2D, havia um homem, que aparentava ter seus vinte anos. Vestia-se parecido com um gangster. Exceto pela face, que portava um gigantesco óculos feito de couro, com várias lentes levantadas em frente aos olhos, exceto por duas. Ele parecia estar mexendo em alguma coisa no canto da sala.
- Klon!
O rapaz saltou olhando para os lados rapidamente.
- Aqui, Klon! O comunicador!
E então os olhos do rapaz se direcionaram para a projeção. O garoto praticamente se jogou em frente ao seu comunicador, enquanto ajustava as lentes, levantando umas e abaixando outras. Até a imagem ficar nítida para ele.
- Hórus! Quanto tempo! Pensei que não tivessem passado!
- Ora! Não me venha com besteiras! Sabe que eu sou o melhor Buscador assistente da Oposição!
- Vai saber a velhice não te afeta? - E Klon riu de leve, mostrando os dentes defeituosos. - De qualquer maneira, o que quer?
- Nós encontramos, Klon. O escolhido.
Klon se jogou para trás como se tivesse levado um soco vindo do projetor. Estava devidamente assustado.
- Como... Como assim!? Já!?
Dizia enquanto se aproximava.
- Sim. Demos sorte e nossa área de investigação bateu com a área dele.
- Então ainda temos bastante tempo!
- É. Talvez possamos fazer algo por este lugar. Agora, chame Lezir, ele precisa saber da novidade, também.
- Claro, Claro. - E Klon gritou o nome para o corredor. Eles pareciam estar numa casa comum e bem desarrumada. O que chamou a atenção de Hórus.
- Alias, onde vocês estão?
- Nós nos instalamos numa habitação num lugar chamado... é... Honk Kong! Nós somos bem diferentes da maioria da população. O lugar onde vocês estão também é assim?
- Não exatamente. Aqui as pessoas são...
Mas foram interrompidos pelo barulho de pesados passos no corredor. E logo surgiu no pequeno quarto um grande homem de pele negra. Ele tinha mais de dois metros de altura com facilidade, e seus músculos saltavam pela camiseta regata branca dele. Ele sentou-se ao lado de Klon no projetor e virou-se para Hórus.
- O que foi, cabeçudo?
- Ainda me admiro com sua educação, grandalhão.
- E eu com a sua. Diga, o que acharam por aí?
- Encontramos o Escolhido, Lezir.
E assim como Klon, Lezir pareceu perder o ar por um instante. Mas ele se recompôs mais rápido que seu parceiro de busca. E logo voltou a direcionar-se para a tela.
- Espera... Espera... O escolhido?
- É. Ele mesmo, o principal.
- Como foi tão rápido?
- Demos sorte, oras!
- Então, parte de nossa missão está cumprida.
- Exato, é para isto que estou aqui falando com vocês. Podem mandar a notícia para os outros buscadores? Eles precisam saber que agora nossa meta é achar os outros sete.
- Nós passamos a mensagem, sim.
- Alias, quais buscadores estão ativos?
- Bom.... - E Lezir sentou-se de uma maneira mais acomodada no chão. - Além de nossos dois grupos, tive notícias de Orth e Mikeila. E também de Luminos e Sor.
- Jynox e Alivens não tentaram passar, também?
- A Passagem fechou-se enquanto eles tentavam. Perdemos eles.
E desta vez foi Hórus quem pareceu desnorteado. Deixando a cabeça encostar-se em sua poltrona, enquanto respirava mais lentamente para processar melhor a notícia. Não teve muito tempo, logo a voz de Lizar rompeu-se novamente pelo projeto.
- E onde está o Escolhido? Ainda não o buscaram?
- Já. Ele está aqui, assistindo vocês neste momento. - Khalador disse, aparecendo ao lado direito de Hórus. Lezir abriu um sorriso ao ver o guerreiro de cabelos negros compridos.
- Khalador! Bom ver sua face novamente, rapaz.
- É bom te ver de novo também, Lez.
- Então, onde está nosso salvador?
- Está aqui. - E Khalador olhou para Gal, do outro lado da poltrona, e o chamou com a mão, para que ele aparecesse no projetor. O garoto timidamente deu passos na direção do motorista e sentou-se ao lado dele, olhando para o projetor.
Lezir e Klon ficaram em silêncio enquanto observavam o garoto de dezesseis anos. Ficaram assim um bom tempo, até Klon limpar a lente com a luva de couro.
- Então, é esse garoto, certo?
- Sim.
- Tem certeza disso, Khal?
- Klon, Só pode ser ele.
Lezir soltou um longo suspiro e olhou para Khalador, pelo projetor. A face séria.
- Então, esta é sua última chance, certo, amigo?
- É.
- Confia neste garoto?
E agora Lezir olhou para Gal. Klon seguiu seu olhar e Hórus e Khalador também se viraram para ele. Gal sentiu-se desconfortável com aquela situação, mas não se queixou. Logo em seguida, Khalador voltou a olhar para Lezir.
- Confio. Tenho certeza que desta vez nós conseguiremos.
- Bom... Se você diz. Então eu também confio no pequeno. - E Lezir continuou a olhar para ele. - Ei, garoto, qual seu nome?
- Gal.
- Apenas isso?
- Galahad. Galahad Broadcase.
- Galahad... É um nome forte. Tenho certeza que já pertenceu a algum outro grande guerreiro.
- Está certo.
- É, eu sou bom com nomes.
E Lezir ajeitou-se novamente, de modo que pudesse ficar mais próximo do projetor, e assim,sua face pareceu maior perto de Galahad. Ele olhou para o garoto com o mesmo ar sério com o qual tinha encarado Khalador.
- Você acha que pode fazer isso?
Gal congelou com a pergunta. Já havia pensado tanto nela que ainda não havia chegado em nenhuma solução viável. Em seu curto desespero ele olhou para Khalador, do outro lado. O guerreiro assentiu para ele com a cabeça. E aquele ato pareceu ter dado confiança para ele.
- Sim. - Disse virado para Lezir. Que abriu um belo sorriso.
- Eu sinto uma grande determinação saindo deste moleque. Parece que, até mesmo em meu coração murcho de batalhas, ele conseguiu acender alguma esperança. Isso é bom. Garoto, o futuro, não só de seu mundo, como de seu universo depende de cada ato seu. Assim como você também pode ajudar a todos nós, que lutamos contra o Impiedoso a tanto tempo. Então, nunca se esqueça que cada ato seu trará uma consequencia para todos. Consegue entender isto?
- ... - Gal demorou um pouco a responder, mas Lezir pareceu não se importar. - Sim.
- Ótimo! Agora me sinto revigorado para o trabalho. Klon! Nossa meta mudou e agora devemos nos dedicar completamente a ela! Esteja pronto!
- Sim senhor! - Respondeu o garoto, mudando as lentes enquanto observava Lezir sumir novamente pelo corredor. Logo depois virou-se para o projetor. - Bom, conte comigo para avisar os outros de sua grande notícia. Façam o dever de vocês e nós faremos o nosso.
- Pode deixar, Klon! - Falou Hórus quase saltando de sua cadeira.
- Estou desligando.
E logo em seguida a imagem ficou novamente perdida num monte de chiados e distorções.

Durante a maior parte do resto do dia, Hórus ficou fazendo alguns reparos em Benny. Tinha aberto uma pequena tampa na lateral do painel de comandos e lá estava uma cena incrível e inédita: Os dedos de Hórus estavam mergulhados numa espécie de gel azul-claro brilhante que inundava tudo no interior da placa, como se todo o envolto de Benny fosse recheado daquilo. Os dedos do pequeno motorista brilhavam cada vez que ele os movia por ali, fazendo também com que outras luzes piscassem em pontos distintos dentro da placa. Como se cada movimento dele correspondesse a um apertar de teclas num teclado normal. Gal, como não tinha nada pra fazer – e completamente fascinado com a cena - , sentou-se ao lado do cabeçudo motorista.
- O que aconteceu?
- Danos da Passagem.
- Passagem?
- É. Chamamos assim o ato de passar do Impiedoso para o próximo universo que ele planeja destruir. É arriscado pacas, sabia, garoto?
- O tal de Lezir disse algo sobre isso, não?
- É. Nós, os Buscadores, somos conhecidos dentro da Oposição, mas não é por menos. Só o ato de tentar passar já pode lhe custar a vida.
Gal sentou-se, subitamente teve interesse pelo assunto.
- Explique melhor.
Hórus o olhou com o canto do olho e depois deu um longo suspiro enquanto soltava suas mãos do gel brilhante, para sentar-se de frente para o Escolhido.
- Veja bem. Existem alguns pontos de ligação entre a alma de um universo e o Impiedoso. Estes pontos ficam cada vez mais próximos e são a primeira ponte entre as duas partes. É por onde nós entramos, e por onde as primeiras surgem também surgem.
- Então isso quer dizer que...
- Exato. Para entrarmos aqui, temos de derrotar um número enorme de sombras. E é por isto que nosso risco é altíssimo. O Benny aqui, sofreu uns grandes danos. Eu pude arrumar quase todos, mas tive de interromper o reparo para ir te salvar. Então, estou terminando agora.
- Vocês... Estão aqui por quanto tempo?
- Nós? Bom, considerando o tempo da passagem. Estamos aqui já faz dois anos.
- Dois anos!? E o que fizeram durante todo esse tempo?
- Ora, nos adaptamos. Precisamos saber um pouco sobre os universos nos quais entramos antes de simplesmente começarmos a agir. E além do mais, ficamos na passagem por cerca de um ano e meio. Foram tempos duros pra nós.
- E o que fazem durante essa.. Passagem?
- Bom, normalmente? Tentamos manter nossas vidas a salvo.
- É tão arriscado assim?
- Bom. Imagine que Benny ficou numa brecha no espaço-tempo entre dois universos por todo esse tempo, lutando contra Sombras a quase todo instante. Considerando que não tínhamos muito mais que duas a três horas para dormir em paz. Isso com um em vigia. Sabe aquelas cenas dos filmes desse seu mundo? Aquelas de naves viajando através de vórtices com tudo passando numa velocidade inexplicável? É tipo aquilo. Só que pior.
- Hah... Claro. E pra voltar?
- Só voltamos se o Escolhido for morto. Nesse caso, passamos por tudo novamente, e levamos quem pudemos conosco. Não podemos salvar todos, mas fazemos tudo que podemos. Embora o universo escolhido esteja condenado à morte, aqueles que viviam nele podem ser salvos.
- E qual o número máximo de pessoas que já puderam salvar?
- Máximo? Cerca de quatrocentas.
- Só com Bennies?
Hórus adorou o plural do apelido que deu ao seu instrumento de trabalho.
- Não, garoto. A oposição manda transportadores.
- E não demoram pra chegar, também?
- Claro. E como. É a época de maior desgraça. Se esconder das Sombras fica quase impossível.
Foi quando uma dúvida brotou na mente de Galahad. Ele revirou suas lembranças da noite anterior e se deparou com um dilema. A Sombra que o havia atacado foi morta por espadas. É claro, Khalador lutou divinamente e por isso conseguiu vencer a besta. Mas se espadas venciam Sombras com tanta facilidade, porque não seria melhor simplesmente metralhar as Sombras aos montes? Gal se acomodou enquanto Hórus esperava ele dizer uma coisa.
- Espera, Hórus. Não sei se você notou, mas nosso mundo tem mais que as espadas que Khalador usou. Sabe? Pistolas, Metralhadoras, Canhões e tanques. Acha mesmo que as sombras podem se apossar do nosso mundo?
Hórus o olhou com uma feição um pouco mais séria enquanto seus dedos se entrelaçavam a frente da face.
- Alguma hora iria falar sobre isso com você. Sobre porque as Sombras são tão terríveis e ao mesmo tempo, justas. Chamamos isto de Reciprocidade.
- Reciprocidade?
- É. Deixe-me explicar: Quando essas criaturas invadem o coração de um universo, elas se adaptam com aquele mundo. Ou seja, elas se tornam resistentes e poderosas conforme aquele mundo pode se defender delas. Caso você usar as armas que vocês tem aqui contra elas, o dano vai ser bem menor do que o estrago que Khal fez na Sombra que te atacou ontem de noite.
- Mas, porque?
- As espadas de Khal carrega consigo vieram do mundo dele. E lá, essas lâminas tinham esse poder contra as Sombras. Mas como você sabe, o risco de morte deles era bem maior também. Só pra ter idéia, um míssil que Benny pode soltar irá fazer menos dano numa sombra do que uma flechada de Khal. Dependendo da situação.
- Então, e se nós fizermos uma metralhadora de flechas?
- Não adiantará. Você precisa entender que não é nada técnico e fixo. As Sombras de adaptam por uma profecia. É como se o impiedoso desse uma chance para os universos sobreviverem, mas para isso precisam ralar muito. Não é uma tarefa impossível, mas também não é simples. Embora nunca soubéssemos o jeito exato de se impedir o impiedoso de destruir um universo.
- Nunca?
- É, nunca. A profecia que os sobreviventes do mundo de Rhurgon trouxeram era que... “ Um a Salvo do Destino moverá seus atos contra o mal e a destruição. E apenas ele pode deter o avanço, com sua vida, e com a ajuda de seus sete pilares.” E é baseado nisso que nós tentamos salvar os universos. Muitas vezes já estávamos vencendo as sombras, mas não sabíamos o que fazer em seguida, e por isso falhávamos.
- Mas então como diabos Eu vou conseguir?
- Isso é algo que depende apenas de você. Talvez nos outros escolhidos faltou determinação, se você a tiver, então temos a vantagem.
- Grande resposta. Não quer vestir um cocar de índio e começar a dizer também que tenho super poderes? Ou prefere ser mais claro?
E Hórus abriu de imediato um sorriso com a frase do garoto.
- Espera, que felicidade boba é essa?
- É porque você disse tudo, Garoto. - Disse Khalador do assento dele. O Guerreiro parecia estar dormindo, mas tinha ouvido toda a conversa.
- Super Poderes? Eu?
- Não é bem... “Poderes”, mas os Escolhidos geralmente tem algum dom que só é revelado quando eles enfrentam os sinais do Impiedoso pela primeira vez. Algo que eles podem fazer e ninguém mais pode. Às vezes é mais de um. Depende muito. O seu dom por exemplo, é muito útil.
- Meu dom?
- Exato. Nós já descobrimos uma de suas capacidades especiais. Quase não notamos no início, mas quando caiu a ficha, ficamos impressionados.
- Tá. E o que eu tenho de especial?
Khalador se ajeitou no assento, agora também se virando para o garoto, assim como Hórus estava. O Guerreiro passou a mão pelo pescoço lentamente, até chegar a nuca, onde pareceu estar puxando algo. Fez força, até que o objeto se soltou e Khalador o trouxe até a frente. Era um pequeno mecanismo circular e achatado com alguns espinhos em uma das faces.
- Isto é um comunicador. Sem ele, Hórus não entende o que eu digo e nem eu entendo o que ele diz. É lógico, sabe? Cada universo diferente tem sua linguagem. Esse pequeno item é do mundo de Rhurgon, nosso líder. Com ele, nós falamos na língua das almas. É a única linguagem que transpassa qualquer universo e tempo. Mas sem o dispositivo comunicador, ninguém é capaz de me entender. Por exemplo, Hórus não entende nada que eu estou falando.
- E como é que eu estou entendendo?
- Aí. Este é seu dom. Pelo menos o primeiro a se revelar. Você é capaz, pelo que estou notando, de entender a língua de qualquer povo e de ser entendido por qualquer um deles. Como se a língua das almas fosse natural para você.
- Mas... tipo, vocês estão falando inglês, e eu nunca consegui entender o canal espanhol da TV a cabo. Sabe?
- Sei. Vamos fazer o seguinte... - E Khalador olhou para Hórus. - Consegue conectar a rede de televisão local?
- Claro. Os satélites daqui são antigos, mas eu consigo conectá-los.
- Coloque num canal de outra região.
- É pra já.
O pequeno parceiro de Khalador se moveu pelos assentos de Benny até chegar a tela do painél principal, que cobria grande parte da visão dele. Hórus colocou os dez dedos sobre a tela, e o mesmo brilho de quando arrumava benny veio à tona na ponta deles, exatamente com os quais tocava na tela. Gal se levantou e seguiu Hórus, assim como Khalador também se ajeitava para ver o que o pequeno fazia.
- O que está fazendo? - Peguntou Galahad.
- Estou me conectando ao satélite, oras.
- E é tão fácil assim?
- Com a defesa que vocês colocam neles, eu posso fazer a festa lá dentro e vocês nem descobrm o que afetou vocês. Isso porque Benny não tem os equipamentos mais avançados de invasão de software.
Claro. Invadir as redes mais poderosas do mundo é algo simples, não é mesmo? Pensou o garoto.
- Tá. E o lance dos dedos, como faz?
- Isso é o “teclado” do universo do qual eu vim, garoto. Os botões do painél foram uma adaptação que fiz para seu mundo, estava os testando quando o salvei. Mas normalmente uso meus dedos para fazer o que quero no sistema. Tenho um chip na ponta de cada dedo, eles se conectam ao sistema quando os toco e assim, as ondas cerebrais de comando saem de minha mente diretamente para o mecanismo.
- Claro. Claro. Desculpe, meu dom está falhando, poderia traduzir pra minha língua?
- Eu dou comandos mentais pro computador.
- Muito melhor.
- Pare de resmungar. Aqui, veja.
E assim, na tela da TV surgiu uma mulher magra e alta com um microfone. Ela parecia estar no meio de um grande conflito e falava histericamente em inglês, enquanto letras estranhas passavam no rodapé da imagem. Ela falava sobre um carro-bomba e sobre mortos e feridos. Mas de um jeito tão cômico que Gal entendia vagamente.
- Entendeu?
- Ela está falando em inglês, ora.
- Não, Gal. Ela está falando árabe.
E foi aí que a ficha caiu para ele também. Hórus tocou de leve no ombro do garoto com uma cara de deboche, e Khalador mantinha um pequeno e curto sorriso. Como se ele também desse risada por dentro. O garoto fechou a cara e virou-se, procurando algo para fazer.
- Tá. E do que isso me adianta? Não seria melhor eu soltar bolas de fogo ou coisas do tipo?
- Seu dom é bem melhor que qualquer bola de fogo. Garoto. - Hórus e Khalador disseram praticamente juntos.
- Melhor? Aonde?
- Simples. Você não vai derrotar o impiedoso sozinho. Precisará de toda a ajuda necessária, e talvez vá chegar a hora em que todo o mundo estará ao seu dispor. Para conseguir isso, você precisa saber se comunicar com todos. Seu dom é uma bela ajuda.
Gal calou-se. Por mais que não quisesse admitir, eles tinham razão. Talvez as bolas de fogo poderiam ser deixadas para depois. Olhou para a TV que agora mostrava um bizarro comercial sobre turbas e coisas do tipo. O pior é que ele entendia o que falavam, embora continuasse cômico.
- Tá. Mas é só isso que posso fazer?
- Bom. Quer descobrir? - Khalador disse com um sorriso na face. Um que Gal nunca tinha visto até aquele momento.


- Uma lâmina acaba se tornando uma arma quando ela deixa de ser uma arma, para fazer parte de seu corpo. Verdadeiros guerreiros surgem quando eles compreendem a alma de uma espada e a unem com a própria vida. - Khalador dizia girando uma de suas espadas entre o dedão e o indicador, ainda não havia passado de meio-dia, e a gora o céu se iluminava sobre a cabeça deles, refletindo com perfeição formas próximas no lago. Gal o observava, parado entre ele e Benny. - Muitos dos escolhidos tem dons de combate. É quase que um padrão. Sempre há alguma arma com a qual você é muito bom, e ninguém lhe tirará esta capacidade.
- E como vai descobrir se eu tenho algum?
- Está mais do que óbvio, não? Vou descobrir na prática.
- Isso quer dizer que...
- Acertou. Pegue.
E o guerreiro jogou a espada que segurava para Gal. O garoto quase segurou pela lâmina, pelo menos seus reflexos foram rápidos o suficiente para pegar a lâmina corretamente pelo cabo. Naquele momento Gal pôde ver melhor o tipo de espada que Khalador usava. Ela tinha um cabo cinzento sem muitos detalhes, era simples. Sua lâmina se estendia por mais de um metro e era afiada dos dois lados. Também não havia nenhum tipo de decoração sobre ela. A espada era uma máquina de matar, pura e simplesmente.
Khalador puxou outra lâmina que se encontrava presa na bainha da cintura. E a manejou, enquanto continuava dando poucos passos.
- É uma simples espada de duas mãos. Espero que não se contenha. Pois eu vou atacar com tudo.
- Você o que?
Mas antes que pudesse formular a frase seguinte, Khalador avançou contra ele num piscar de olhos, engolindo cerca de três metros em três passadas. Gal levantou a lâmina rapidamente na horizontal acima da cabeça e segurou com força sobre o cabo com as duas mãos. Sua lâmina tilintou contra a de Khalador enquanto sentia o peso do golpe dele fazer todos os músculos de seu corpo tremerem. O guerreiro rapidamente arqueou novamente a lâmina acima da cabeça enquanto girava em torno de si, logo entrando mais um gole horizontal pela esquerda, na altura do braço. Gal se jogou para trás exatamente a tempo de ver a lâmina passar a poucos centímetros a sua frente. Entretanto não teve a mesma sorte no próximo golpe. Antes mesmo de ter tempo para respirar enquanto estava sentado no chão, sentiu a ponta da lâmina de Khalador encostada sobre seu pescoço.
- Te matei três vezes.
- T-Três!? Mas eu me esquivei dos seus dois primeiros golpes!
- Regulei na força do primeiro golpe. Quando uma lâmina vem por cima e sua espada é grande, você deve segurá-la nas duas extremidades, caso contrário não será capaz de suportar o peso da lâmina. E não estiquei meu braço inteiro durante meu golpe pela esquerda. Caso tivesse, você agora teria um braço a menos para enfrentar as sombras.
- Entendi. Você me matou três vezes.
- Sim. E de sobra descobrimos que você não tem dom algum em lutas com espadas.
- E agora?
- Ainda temos um belo arsenal.
E assim se passou praticamente a tarde toda. Khalador mostrou um compartimento dentro de Benny que estava cheio dos mais inesperados tipos de armas medievais. E Gal, apanhou de vários deles. Enfrentou a cimitarra e a katana logo depois da espada de duas mãos. Se muito sucesso. Adagas, maças e clavas também entraram na lista de itens de combate. Machados, garras e até mesmo chicotes foram os últimos itens da lista. Quando o sol já estava para praticamente entrar no lago, Gal estava com vários hematomas e pequenos cortes pelo corpo. E Khalador, parecia nem ao menos ter suado. Hórus, o tempo todo ficou dentro do transporte deles, consertando os mecanismos e os observando pela câmera tridimensional que captava tudo em volta do transporte, como se sua parede fosse meio transparente. Ele também tinha de ficar dentro de Benny porque o automóvel era o único meio de rastrear sombras e alertá-los de perigos.
Quanto a Gal, ele se pegava cada vez mais descrente que tinha algum tom em combates. Era impossível para ele, afinal. Se jogou na grama arfando pesado enquanto Khalador se sentava ao lado dele.
- Amanhã continuaremos.
- Amanhã? Espera. Espera. Você não me disse que as armas haviam acabado?
- E acabaram. Agora vem as de longa distância. Talvez tenhamos mais sucesso, afinal, o mundo de vocês é cheio de armas de pólvora.
- Te garanto que nunca fui bom no basquete e nos jogos de tiro.
- A maioria dos dons de um escolhido só surgem depois do seu primeiro contato com o Impiedoso.
- Claro. E como eu sinto que tenho o dom para alguma coisa?
O Guerreiro de cabelos negros se ajeitou, deixando sua lâmina ao seu lado. Tinha sido com ela que ele derrotou todos os armamentos que Gal havia empunhado.
- É uma boa pergunta. Nós pudemos perceber que existem dois tipos de dons. Aqueles passivos, como sua capacidade de fala. E os dons ativos, que você usa apenas quando deseja. O que estávamos buscando descobrir em você, era se sem querer, descobríssemos algum dom. Durante as batalhas.
- Mas como diabos faria para descobri-los?
- Bom... é difícil responder a isso. Eu me sinto apto a fazer. Uma emoção, uma sensação, algo vem de dentro de mim e explode dentro de minha alma. De repente, posso fazê-lo, tenho a capacidade. Como se sempre minha existência pudesse tê-la feito.
- ...
- O que foi?
- Realmente. Bem difícil responder. Não entendi bolhufas.
Khalador riu, acompanhado de Gal.
- Você vai entender quando chegar a hora.
- Assim eu espero. E alias, qual o seu dom, Lorde Khalador?
O Guerreiro lhe lançou um leve olhar acompanhado de um bom sorriso.
- Descobrirá quando for necessário usá-lo.
- Talvez esta seja uma boa hora, Khal. - Veio a voz de Hórus, abrindo a porta superior de Benny. Com uma cara nada feliz. - Temos problemas. Dois deles. E um não é melhor que o outro.

- Um grande contingente de Sombras está vindo pelo sul, irá cruzar o lago para cima de nós em menos de meia hora. Do outro lado, o radar detectou veículos deste mundo vindo em nossa direção numa boa velocidade. De alguma forma nos descobriram, e pelo que conheço de mundos parecidos com este, arrisco dizer que vieram nos prender ou coisa pior. O governo de vocês esconde muita coisa. Muita informação.
Hórus explicava enquanto seus dedos estavam quase a ponto de afundar no painel central. Khalador estava se armando enquanto ouvia as instruções, em menos de poucos segundos já tinha cinco lâminas na cintura. E algo que Gal não tinha visto antes. Havia uma sub-metralhadora presa por uma alça às suas costas. Khalador notou o olhar do garoto sobre sua arma.
- Temos de estar preparados para tudo, Gal. - E virou-se novamente para Hórus. - O que pretende?
- Fuga estratégica. Se sairmos agora em direção ao leste, teremos tempo para escapar de ambos os lados e ainda fazê-los se enfrentar.
- Não. - Disse Gal. - Esses caras que estão atrás de nós, tem a capacidade de vencer as Sombras?
- Sobre isso não sei dizer. Mas carregam um bom armamento. - Disse Hórus, depois de seus dedos brilharem em tons de vermelho e azul. - O problema é a Reciprocidade. A chance de sobreviverem todos não é muita.
- E nós, se nós fossemos enfrentar as Sombras. Venceríamos?
- Muito provavelmente. Mas é um risco a se tomar. As Sombras são interligadas. A partir do ponto em que uma notar e confirmar sua presença, todas que habitam o planeta saberão onde você está. Aconselho a fuga, talvez as Sombras desviem seu caminho para nos perseguir e eles não se encontrem.
- Mas com os equipamentos deles, vão acabar notando as duas presenças. Talvez vão para cima das Sombras pensando que tem total controle da situação. Caem na mesma. - Khalador interrompeu enquanto botava luvas de couro.
- Então, não podemos deixá-las passar. - Disse Gal, levantando-se impulsivamente. - Podemos ter mais mortes, e eu não quero isso.
- Gal. Mortes serão inevitáveis.
- Serão, eu sei. Mas pretendo impedir a maioria delas. Sou o Escolhido, afinal, não sou?
Khalador parou um pouco ao ouvir a última frase do garoto. Ele também agia assim, e entendia o que ele queria. Mas precisava ter uma certeza antes de tomar uma decisão final, ajoelhou-se de frente ao garoto e repousou suas mãos sobre os ombros dele enquanto olhava fixo nos olhos de Gal.
- Preciso que me responda algo, então.
- De preferência que seja rápido! - Gritou Hórus, já com seus dedos piscando em cores reluzentes das mais diversas. - Não quero deixar Benny em fogo cruzado, se é que me compreendem!
- Pode falar, Khalador.
- Só quero ter certeza. Não quer fazer isto por vingança, quer?
- Não. É por justiça. Não acho que devo deixar outros morrerem quando posso parar isto.
É o que a boca de Galahad disse. Mas no coração do garoto, ele sabia que bem no ínfimo, havia um pouco de vontade de se vingar. Não iria ser fácil esquecer a imagem de seu pai sendo morto na sua própria frente por uma daquelas criaturas. E Khalador de algum modo pôde sentir esta emoção. Mesmo assim, sabia ainda que grande parte de seu objetivo ainda era nobre. Abriu um leve sorriso e virou-se para Hórus.
- Vamos enfrentá-los. Temos de derrubar todas as Sombras, ou pelo menos a maioria deles antes que os humanos deste mundo apareçam por lá. É melhor evitar confusões agora. No mais...
E Khalador brandiu uma de suas lâminas.
- ... Agora estamos obedecendo as ordens do escolhido. Exatamente a nossa parte da missão. O serviremos, cobrindo seus passos em direção aos outros sete.

Explicando melhor agora, Benny era como Hórus chama seu Strond-Travel, veículo de combate que veio de seu próprio mundo. Benny é construído com um metal completamente desconhecido no mundo de Gal, tendo sua resistência sendo muito maior que a do diamante. O veículo é triangular quando visto de cima, levemente inclinado sobre a roda da frente. Suas rodas são outro ponto importante, são gigantescas rodas de mais de dois metros e meio de altura, com espessura de exatos um metro e meio. Feitas de borracha blindada, outra exclusividade do mundo de Hórus. O veículo possuí dez assentos espalhados por dentro dele, e seus mecanismos funcionam, a início, pelos chips de Hórus. Embora possa ser modificado.
Benny disparou sobre a água do rio, e correu por cima dela na velocidade de Match 1. Que ocasionou em o Lago abrir-se ao meio após sua passagem. O veículo tinha protetores para quem estivesse dentro deles, de modo que Gal, Hórus e Khalador mal sentiram ele se mover. Do outro lado do lago existia o prolongamento de uma floresta de pinheiros, que Benny acabou por destruir enquanto a cruzava. Hórus agora estava completamente mergulhado no painel, de modo que cada movimento dele fazia uma série de botões brilharem. Um radar na tela à esquerda do pequeno motorista mostrava a aproximação das sombras. Pequenos pontos vermelhos em volta do ponto verde central. Eles. Num movimento dos dedos, Hórus fez Benny frear bruscamente no meio da floresta. Agora a noite já caía e o sol já havia se posto.
Gal se levantou de seu lugar e tocou no ombro de Khalador, quando ele já abria a porta de cima para sair de Benny. O guerreiro virou-se para o garoto.
- O que foi?
- Quero ajudar também.
- Bom. Com uma espada que não vai ser.
- Então, me dê algo para fazer. Não quero ficar parado assistindo.
Khalador pareceu ir contra a idéia, mas aceitou-a. Caminhou até um pequeno compartimento na esquerda e de lá, puxou uma pistola que deixou na mão de Gal.
- É automática. Destrave puxando aqui, e depois atire. Espero que tenha um mínimo de mira. Fique na entrada de Benny e me dê cobertura. Só espero que não me acerte, tem doze tiros.
- Não vou. - E Gal segurou com firmeza a pistola.
A porta se abriu e Khalador saltou para fora, logo em seguida Gal subiu as escadas ficando com metade do corpo para fora e pistola apontada. Hórus ativava o sistema de segurança de Benny e os faróis se ligaram. Os pontos vermelhos pararam de se mover no radar, estavam a menos de vinte metros deles, mas as sombras da floresta os ocultavam.
- Aguardem a ordem.
E um silêncio mortal pareceu assolá-los por poucos segundos que mais pareciam horas. Khalador estava de pé, em cima de Benny, que segundo ele, era a parte mais vulnerável do veículo. A arma de Gal apontava para o nada no meio das árvores enquanto ele tentava sentir algo se movendo.
Num segundo as luzes vermelhas avançaram.
- Agor... - Hórus iria gritar. Mas fora interrompido.
Uma sequencia de tiros foi disparada contra a escuridão, e logo em seguida, uma enorme figura negra tombou para onde a luz dos faróis de Benny iluminava. Com belos buracos na face. Khalador se deixou levar pelo susto e arregalou os olhos, enquanto entendia o que estava acontecendo. Virou-se para trás rapidamente.
A arma na mão de Gal não tremia, e os olhos do garoto não pareciam mais o mesmo. Eram olhos precisos e profissionais. Fumaça saia pela ponta da pistola que era segurada por um pulso firme de Galahad. Khalador abriu um sorriso.
- Aí está seu dom, Escolhido.
E logo em seguida o guerreiro saltou para cima de uma sombra que avançava contra Benny. O combate começava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...