segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Che Guevara 78




Mesmo com todos insistindo pelo contrário, Julio continuou com a louca idéia de comprar a casa. Ela tinha dois andares; cinco quartos e dois banheiros na parte superior, enquanto a parte inferior abrigava uma sala de estar, hall de entrada, cozinha e mais um banheiro. Número 78 da rua Che Guevara. Ou, como era conhecida, Che 78.
A casa tinha uma fama que toda a pequena cidade conhecia, ela era assombrada. E se não fosse isso, talvez alguma antiga maldição tenha caído sobre ela algumas várias décadas antes. Várias eram as hipóteses, várias eram as lendas; mas o que importa é que, por causa delas, a casa nunca ficou habitada por mais de um mês. Os moradores sempre morriam ou deixavam a casa com olheiras brutais na face. Era tão conhecida que por causa disso, o preço dela caiu bruscamente, ninguém queria comprá-la.
Entretanto, mais conhecida que o terror daquela casa, era a teimosia de Julio. O arquiteto de quarenta anos tinha um histórico de encrencas que poderia cobrir toda a extensão da Muralha da China. Era cabeça-dura e nunca admitira isso, e seus poucos amigos também deixaram de tentar fazê-lo pensar diferente. Mas abriram uma exceção para fazer uma tentativa de convencê-lo a não viver naquela casa.

“Ela é grande, clássica e silenciosa. O que há de mal nela?”. Fora a resposta imediata de Julio. E quando os amigos rebateram contando as terríveis histórias; como a da Senhora Melissa que caiu da escada, e a do Casal Lima que queimou na lareira; ele simplesmente rebateu com um “Pura coincidência. Nada de mal vai acontecer.”. E desta forma ele comprou a casa.
Uma semana depois, mais da metade de sua mobília já estava dentro dela e a casa já tinha ganhado o seu ar. Estava chato e carrancudo. Assim como ele. Sofás duros e de estofa velha, poltronas de madeira nobre, tapetes persas empoleirados e outros móveis que rangiam a cada toque se faziam neles. Realmente, agora aquela casa parecia totalmente com seu dono. Parecia até ter personalidade.
E a partir daí, Julio começou a viver na casa. Trabalhava quase o dia todo, e de noite, se divertia um pouco na internet ou vendo televisão e ia dormir. Monótono como sempre. Talvez fosse por isso que nunca teve uma namorada. E se teve chances, passaram despercebidas. Os amigos raramente se arriscavam a passar muito tempo na casa dele, o que vez o arquiteto parecer ainda mais carrancudo. Os boatos rolaram soltos na pequena cidade conforme a paz circulava em torno da Che 78, e logo diziam que a casa havia finalmente achado seu perfeito dono e agora não fazia mais mal algum.

Mas aquilo não durou para sempre. Na verdade, nunca havia durado um único dia. Aqueles que pernoitavam na casa sempre juravam dizer que ouviam sons estranhos de noite. Sons que não os deixavam dormir. Julio não tinha sido exceção, logo na primeira noite, ele foi infestado de rangidos de madeira velha que duraram a noite toda. Mas sua teimosia era persistente, e ele apenas fechou os olhos para o som, dizendo baboseiras. “É apenas a idade da casa clamando pela sua atenção.” dizia ele “Sou arquiteto, sei dessas coisas, afinal.” E com isso a casa de calou e nunca mais rangeu para ele.
Isso não significava o fim das anormalidades. Logo na semana seguinte, enquanto Julio mexia na internet com toda a tranquilidade que tinha, ele teve a estranha sensação de estar sendo observado. Como se um binóculos estivesse posto bem atrás de sua nuca, e quando virasse para ver, não houvesse nada. Tentou ignorar, como havia feito com os rangidos. Mas estes foram inevitáveis, até uma brilhante idéia surgir. Fechou todas as janelas da casa, e uma sensação de segurança o tomou acima da sensação de estar sendo observado. E por aquela semana, fora o fim dos pesadelos.
A casa só voltou a chamar a atenção de Julio duas semanas depois. Ele estava muito bem aconchegado na cama enquanto pulava de canal para canal tentando achar algo que prestasse naquele horário. Já passavam das meia-noite, e geralmente neste horário nunca havia coisa melhor que pornôs e documentários na televisão a cabo. Foi quando subitamente houve uma falha elétrica. A luz apagou-se e voltou num segundo, fazendo a televisão apagar para lentamente zumbir ligando novamente. Julio pensou com sua mente lógica “Deve haver algum problema na eletricidade do bairro.”. E se convenceu de que era aquilo, até que no dia seguinte, perguntou sobre a queda na conveniência, e percebeu que nenhuma casa havia sofrido daquilo. Apenas a casa dele. Cochichos no fundo diziam sobre o poder da Che 78. Mas Julio, como esperado, simplesmente deixou as palavras passarem de um ouvido para outro. Dali em diante, as quedas de luz repentinas e rápidas se tornaram mais frequentes. Quase sempre acontecendo quando ele estava sozinho e acordado de madrugada. Algumas noites eram até cômicas, quando a luz se apagava por blocos. Primeiro um quarto, depois outro, depois o hall e por assim ia. Cômico para Julio, mas não para qualquer outra pessoa da cidade. Passada uma semana daquela forma, Julio simplesmente resolveu ignorar o problema, se convencendo de que “Casas velhas tem problemas com interruptores.”. Aquele havia sido o último aviso para Julio.

A velha Senhora Melissa nunca fora uma mulher de atividades físicas, talvez por causa da vida inteira trabalhando como escritora. Não que se arrependesse por ter gastado as horas da sua vida debruçada sobre uma máquina de escrever. Mas era só que muitas ocasiões exigiam um esforço físico que a fazia enlouquecer. Ainda mais, velha como estava.
Por mais que tentasse, não acabava nunca! Melissa estava desesperada e seu coração parecia que ia saltar pela boca. “Os boatos eram verdade! Eu preciso sair dessa casa!” Pensava ela enquanto descia as escadas com calafrios subindo toda a espinha. Mas, mesmo que tentasse com todas as suas forças, ela simplesmente não conseguia descer as escadas. Parecia que a cada degrau que descia, dois a mais surgiam na extensão da escada. Ela estava presa, presa pela casa. Tentou descer lentamente, descer saltando degraus e até mesmo tentou descer correndo. Mas nada funcionava, a escada de repente virou um monstro mortífero e impiedoso. Foi então que, num lapso de distração, ela perdeu o equilíbrio e seu corpo tombou para frente. No mesmo instante a escada voltou a ser a mesma de sempre. Mas Melissa já não era a mesma.

“Corra, amor! O máximo que puder!” Gritou Henrique Lima para sua namorada, que estava alguns metros na sua frente. As panturrilhas dos dois já ardiam, e ele perdeu a contas de quantas câimbras já haviam pego ele durante a corrida. O Desespero estava estampado na face do casal.
Apenas um mês antes, tudo eram mil maravilhas. A Che 78 não tinha tanta fama e a casa foi comprada rapidamente. E logo foram morar nela. O Casal Lima tinha acabado de marcar a data para o casamento e realmente já era hora. Raro era ver um casal que conseguia vencer tanto tempo sem obstáculos. Sem obstáculos normais, diga-se de passagem. Pois a casa podia ser tudo, menos uma casa normal.
Eles estavam debruçados sobre o tapete da sala de estar, com a clareira estalando vários lenhos jovens enquanto dava calor àquela fria noite de inverno. Lá fora caía uma tempestade de neve que nunca a cidade havia antes visto. Mas de nada importava para eles, alias, para os Lima, aquela tempestade era um motivo a mais para estarem juntinhos e abraçados em frente a lareira. E assim provavelmente iria ser, caso aquilo não acontecesse.
“Socorro, querido!” Gritou Claire. Já não podendo mais correr. A macabra casa tornou a sala de estar no maior pesadelo da face da terra. Subitamente, a lareira tinha se transformado numa boca de fogo que ocupava mais da metade da parede e rugia por comida com suas fileiras de dentes afiados. Não fosse só isso, a sala de estar inclinou-se em direção a boca e tudo começou a ser sugado por ela, como se não houvesse outra escolha senão queimar nos dentes do inferno que antes era a lareira. O Casal Lima aguentou muito tempo, correndo em direção a porta com todas as suas forças. Mas o tapete que cobria seus pés parecia se alongar sempre que se aproximavam da porta. E isto acabou abrindo as portas para a fadiga e a dor nos músculos. Quando Claire tropecou e foi caindo lentamente em direção às chamas, Henrique havia conseguido se segurar na cortina com uma mão e com a outra rapidamente salvou sua amada. Por não mais que alguns segundos. A cortina cedeu e ambos foram em direção a sua morte. No outro dia, seus corpos foram encontrados dentro da lareira, com o cheiro horrível deles carbonizados subindo pela chaminé, junto com os fios de cabelo que não queimaram.

“Toc Toc”, foi o que Julio ouviu vindo da porta de entrada, ele já estava se preparando para ir dormir. Desceu as escadas e foi abrir a porta, mas não havia ninguém do lado de fora. Fechou a porta, e no mesmo instante ouviu alguém bater na janela de madeira da sala de estar, com a mesma intensidade, da mesma maneira. Foi até ela, abriu, e nada, novamente. E assim se seguiu por mais alguns poucos minutos, alguém batia em alguma abertura da casa, e quando abria, não havia nada do outro lado. A mente de Julio ainda se recusava a temer. “Garotos.” Ele pensava consigo mesmo. “Muitos Garotos.” Mas aquilo realmente estava ficando impossível.
Até que o seu ápice chegou. Todas as janelas e portas foram alvo de batidas frenéticas e poderosas que fizeram a silenciosa Che 78 se tornar um alojador de estrondo. Julio desistiu, agora já não havia o que dizer ou fazer, deixaria para pensar no que era aquilo mais tarde. Apenas tampou seus ouvidos e fechou os olhos esperando aquilo terminar.
O que eram cinco minutos pareceram uma eternidade ali. Pelo menos para o arquiteto teimoso. As batidas penetravam a madeira e penetravam seu corpo, afetando sua alma forte. A força que Julio tinha para negar tudo aquilo que queria estava enfraquecendo e uma vontade extrema de sair da casa surgia no seu lugar. “Isso é assombrado. Eu preciso sair daqui.” finalmente pensou sua mente. Mas logo depois, de uma única vez, as batidas pararam. Deixando tudo novamente em silêncio. Julio demorou para notar isso, ficando mais alguns minutos encolhido e tampando os ouvidos de olhos fechados. Tremia por dentro.

Quando abriu os olhos, já haviam se passado mais de meia hora desde o início de todo aquele pesadelo. Agora a casa era um antro de silêncio e não parecia haver mais perigo algum. Julio levantou-se lentamente de onde tinha deitado. Agora, todo aquele lugar parecia ser insuportável para ele. Pelo menos por aquela noite não moraria ali, deixaria o lugar. Esfriaria a cabeça e usaria a lógica, era o melhor a se fazer. Ele tinha tido alucinações, só podia. Era o que sua mente firmava para si mesmo. Foi em passos lentos em direção a porta de entrada, enquanto notava coisas na casa que nunca parecia ter percebido antes.
A casa parecia ter sido feita de um modo que causasse uma ilusão ótica sobre seu chão. Como se sempre faltasse quilômetros para terminar a casa. E cada passo que você desse fosse anulado. A ilusão era feita pelo piso usado e pelo modo que as paredes foram postas. O conhecimento arquitetônico de Julio denunciou aquilo para ele. “Ali está a morte de Melissa.” Virou-se para a sala de estar e notou também. Ela era levemente inclinada para a Lareira, de um modo que chamasse que morasse por ali para ficar perto dela. Talvez dois jovens bêbados poderiam ter alucinações, e a fama da casa poderia ter aumentado a história. “Ali está a morte do Casal Lima.”
De repente a paz reinou na mente de Julio e ele voltou a razão. Não havia nada a temer, era uma superstição boba de uma cidade mais boba ainda.

Será?










Imagem: My_house by twELveRN.

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