quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Olhos Vermelhos - Capítulo 10


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ㅤㅤ Aquele foi o primeiro sono em que Hiroshi pôde realmente relaxar desde a fatídica tarde em que entrara na estação ferroviária abandonada com sua amiga. Entretanto, não fora completamente tranquilo. Os grunhidos e rosnados das criaturas negras chiavam perto dos ouvidos, ao mesmo tempo que o bater das asquerosas asas faziam vento perto de seu ser. Eles não estavam longe, disso tinha certeza. Mas, pelo menos, não fora para aquele lugar terrível mais uma vez.
ㅤㅤ Quando abriu os olhos, não sabia onde se encontrava. Tudo estava silencioso e escuro, de modo que Hiroshi demorou alguns segundos para acostumar-se com a falta de luminosidade. A cabeça pesava e custou a lembrar as últimas visões antes do desmaio. Lembrava-se de estar montado sobre o corpo de um monstruoso homem de pele escura, também, tinha flashes de golpes que ele desferira e levara de um possível combate com aquele mesmo homem. Mas, nada ele podia se lembrar direito. Olhou pela janela do lugar, já era noite. Ficou imaginando agora se dormira por mais de um dia, aquele descanso foi revigorante, de modo que agora seu corpo parecia mover-se mais facilmente a pedido do corpo. Pôs os pés no chão na exata hora em que ouviu os passos no corredor. Passos solitários. Gelou a espinha, só agora se pegou pensando em onde estava, e quem o trouxera ali. Juntou o corpo na quina da parede e pegou uma garrafa de cerveja vazia que estava em cima do cômodo ao lado da rala cama. Reagiria se necessário.
ㅤㅤ A porta abriu, liberando dentro do quarto um pouco mais de luminosidade, parecia haver lâmpadas acesas no resto da casa. Uma mão passou pela porta e apertou um interruptor, logo acendendo uma luz fluorescente no teto, que iluminou o quarto modesto. A face de Carlos surgiu no vão da porta, e Hiroshi demorou a associar os fatos.
ㅤㅤ – Hiroshi! Que bom que acordou, cara, pensei que ia dormir a noite toda!
ㅤㅤ E entrou no quarto.
ㅤㅤ – Carlos... Por que estou aqui? Me achou aonde? É sua casa?
ㅤㅤ – Opa opa, uma pergunta por vez, mano. - E sentou-se ao lado da cama. - Essa aqui é uma casa que eu comprei faz um tempinho. O dono do terreno voltou pro nordeste, terra dele, e me vendeu baratinho o lugar. Como ainda tá em construção, não mudei ninguém pra cá ainda. Achei seguro te trazer pra cá, por esse lado do bairro a galera não me conhece ainda.
ㅤㅤ – Seguro? Seguro porque?
ㅤㅤ – Orra, Hiroshi! Tu não lembra de onde eu te achei não!?
ㅤㅤ – Não...
ㅤㅤ – Rapá! Tu tava capotado em cima do Alcidão! Tu deu cabo da vida do maior matador de aluguel das redondezas! Acho que nem vão tentar botar você em cana, mas o perigo mesmo é os trutas do maluco virem te procurar. Por isso te trouxe pra cá correndo.
ㅤㅤ – Espera... espera... Eu matei um cara?
ㅤㅤ – Tá com problema na cabeça, mano? Tu matou e muito bem matado! Meteu o facão dele no coração do desgramado. Capotou na hora! Me contaram que ele encrencou contigo, mas que tu nem deu chance dele revidar na sua primeira porrada. Bem que o seu Hideo disse que tu lutava bem o kung fu, ou karate, sei lá.... Mas não esperava que fosse tanto assim.
ㅤㅤ – Eu matei... um cara? - Ele dizia, ainda pensando naquelas palavras. As imagens iam voltando com ferocidade na mente, cada uma como uma pancada nele. Estava ficando louco, só podia. E não era uma loucura normal, era algo de outro mundo, algo do diabo ou coisa do tipo.
ㅤㅤ – É! Que porra tu tava fazendo pra cá, de qualquer forma!?
ㅤㅤ Hiroshi não respondeu, parecendo quase em estado de transe.
ㅤㅤ – Ei, responde, cara! - E Carlos deu um empurrão de leve no ombro do garoto.
ㅤㅤ Por puro instinto assassino, misturado com aquele ódio maluco que sentia, ele voltou o empurrão com um muito mais forte. E já levantou, preparando-se para socar o amigo.
ㅤㅤ – Opa! Opa! Calma lá, maluco!
ㅤㅤ Carlos conteve o garoto a tempo de não levar um golpe. As palavras romperam o quase formado lapso de loucura dele, os olhos voltaram a feição de antes. Hiroshi fechou os olhos e pôs as mãos em volta da cabeça, pressionando-as ali. Soltou um grito de raiva enquanto se afastava e socou a parede, fazendo feridas abrirem na mão.
ㅤㅤ Ali atrás, o churrasqueiro benzeu-se.
ㅤㅤ – Cruz Credo, cara. Que tá acontecendo contigo?
ㅤㅤ – Eu... Eu não sei, Carlos. Desculpa, mano, eu tô alterado. Não sei porque...
ㅤㅤ – É droga?
ㅤㅤ – Não! - Rebateu, quase raivoso.
ㅤㅤ – Então desembucha, não dá pra te ajudar se não falar. Nem liguei para os seus pais ainda, pensando que tu pudesse estar metido em alguma mutreta que eles não sabem. - E sentou-se na cama, que logo seria da sogra dele. - Tu dormiu a tarde toda, tá de noite. Se tu não deu notícia, eles devem estar preocupados contigo, te caçando por aí.
ㅤㅤ – Eu... Eu....
ㅤㅤ Desistiu de tentar reter tudo aquilo. Sentou-se ao lado do amigo e começou a contar tudo. Desde o início, como sua vida havia se tornado um inferno em menos de um dia.
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ㅤㅤ As três vans chamavam uma atenção gigantesca naquela rua tão pobre. Eram carros caros, não era qualquer um que podia pagar por eles. Raramente eram vistos veículos novos e bem lustrados naquele lado do Tiradentes. Os homens contratados por Felipe estavam amontoados dentro dos carros, eram mercenários do tráfico, a maioria foi recomendado pelo cara que contrabandeou as armas do Paraguai. Homens discretos, que faziam o trabalho sem questionar. Tobias, que estava no mesmo carro que Felipe, dera algumas instruções básicas para os capangas. Disse para não recuarem diante de coisas estranhas, que receberiam muito bem por isso. Não especificara muito mais, deixaria que o dinheiro falasse por si próprio.
ㅤㅤ Felipe, sentado no bando de passageiro ao lado do motorista grande e parrudo, estava com os olhos tensos num cenho raivoso. Seu joelho ia e vinha, mostrando a irritação. Até que desferiu um forte golpe que quase quebrou o apoio lateral, bufando de raiva.
ㅤㅤ – Droga! Por que não consigo manejar a isca!? - Disse, virando-se para Tobias no banco de trás. O velho riu em resposta, uma gargalhada alta e tranquila.
ㅤㅤ – Eles já estão aí, moleque. Se bem conheço o Vicentão, ele já deve ter começado a mexer os pauzinhos dele. Sabe como deixar os bichanos ocupados com uma coisa ou outra.
ㅤㅤ – Também não consigo mais puxar o rastro da alma. Ficou difícil saber exatamente onde o garoto está, isso também é coisa deles, não é?
ㅤㅤ – Hmm.... - Tobias coçou a barba. - Acho que o filho do Yohan pode ter feito isso. Faz anos que não o vejo. Mas agora, deve ser ele quem tem o alfinete de diamante. Dimitri o nome, eu acho. Eu te disse que não é tão fácil, garoto. Tu devia ter deixado as informações vazarem para eles mais tarde, mas tu teimou que já era hora. Viu no que dá? Nunca ouve meus conselhos e se fode legal.
ㅤㅤ Emendou uma gargalhada junto.
ㅤㅤ Felipe socou novamente o apoio lateral, agora o tirando do lugar. Não era para estar dando errado para o lado dele. Não mesmo.
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ㅤㅤ No fim daquela tarde, Raquel descansou tudo o que pôde antes de sair do expediente. O trabalho, como atendente da loja Anita Calçados no centro caíra-lhe como uma mão na roda num momento em que precisava do dinheiro extra para pagar parte da faculdade. Teve de juntar forças para avançar até a praça Ari Coelho e pegar seu ônibus. Por sorte, a sua condução era um dos poucos que saíam vazios da praça. Ia para um lugar onde muita pouca gente precisava de ônibus para rodar a cidade. Os arredores da universidade particular onde cursava jornalismo ficava perto de seus melhores alunos, os ricos filhos de fazendeiros e empresas da cidade.
ㅤㅤ Sentou-se numa cadeira qualquer, e deixou o corpo relaxar ali. Ânimo para estudar após o dia cheio era sempre bom, mas quase nunca adquirido. Os olhos começaram a viajar pelos cenários da cidade, quando alguém bateu na lataria do veículo, quase perdendo o ônibus. O motorista, generoso e com tempo adiantado, parou uma última vez para subir o rapaz. Era um garoto bonito, com cerca de vinte e poucos anos. Pele branca e cabelos castanhos escuros. Carregava uma única mochila, pequena e que parecia de marca. Os olhos do garoto cruzaram com os de Raquel e ele sorriu para ela, a moça virou-se, olhando para fora novamente, envergonhada. Era boba ou o que? Só um garoto bonito, um garoto bonito que sorrira para ela. Ele passou pela catraca e caminhou com o ônibus em movimento. Até para ao lado dela.
ㅤㅤ – Posso sentar aqui?
ㅤㅤ – Claro. - A resposta veio antes que ela parasse para pensar. A condução estava vazia, não era necessário ele sentar-se do lado dela. Só sentava ali porque queria. Ela corou com o pensamento e retirou a bolsa do lugar vago ao seu lado.
ㅤㅤ O rapaz acomodou-se bem ali. E sorriu mais uma vez para ela, enquanto colocava a mochila retangular sobre o colo. Passaram-se poucos minutos até que o garoto lhe dirigisse a palavra de novo. Ele virou-se para ela e olhou-a nos olhos, sem hesitação alguma. O sotaque carioca soou claro.
ㅤㅤ – Sabe, eu poderia ter pegado qualquer outro ônibus, mas eu resolvi pegar esse aqui.
ㅤㅤ – Por que? - A pergunta saiu antes que ela mesma pudesse pará-la, novamente.
ㅤㅤ – Porque eu te vi pela janela.
ㅤㅤ Raquel corou, ele estava a cantando claramente, e ela mesma parecia estar gostando.
ㅤㅤ Quinze minutos depois, os dois saltaram do ponto, rindo e trocando conversas como se fossem íntimos de anos. Tinham se afastado um pouco do centro, indo na direção de alguns bairros menores que ficavam entre a área principal da cidade e o núcleo da universidade. A menina iria faltar aula naquele dia, tinha coisas mais interessantes a se fazer. O garoto, Marco, era simpático e charmoso, além de dar cantadas e respostas que fariam qualquer garota virar um tomate. Por que não relaxar um pouco? Um dia, ou outro era bom se descontrair. Quem sabe aquilo não daria em algo mais excitante para ambos?
ㅤㅤ Caminhavam pela calçada, tinham decidido tomar uma bebida ali perto. Ela guiando o rapaz, que estava de passagem na cidade, visitando parentes. O garoto, que antes segurava na mão dela, agora deixava sua mão pousada na cintura dela, caminhando bem juntinho ao corpo dela. Viraram uma esquina, entrando numa ruela que adiantava umas duas quadras no caminho até o barzinho charmoso onde iriam. Raquel nem notou o carro que seguira o ônibus o caminho inteiro e estava ali, andando de farol desligado um pouco atrás.
ㅤㅤ Marco ria, e já ia começar um novo assunto quando uma música baixa soou. O celular do garoto tocando. Marco o retirou do bolso o suficiente para ver o nome ali: Vicente. Era o sinal. Nada de códigos ou coisas avançadas, era simples demais. Guardou o celular, ao mesmo tempo que agarrara um pano molhado que estava ali.
ㅤㅤ – Marco, quem é er....!!!!
ㅤㅤ A pergunta da garota não chegou a um fim. O pano tampou seu nariz e boca, dificultando-lhe a respiração. Um cheiro forte e nauseante a dominava e sugava suas forças, Marco fazia força para ela não escapar daquele maldoso golpe. Em poucos segundos, Raquel desmaiou.
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ㅤㅤ Abriu os olhos, quase sem forças. O lugar era escuro, e ela mal podia distinguir uma forma cá e outra acolá. Podia ouvir um leve murmúrio a sua volta, quase parecendo um cântico. A mente doeu quando ela tentou recordar-se o que havia acontecido, apenas poucas visões lhe vinham, um garoto, uma rua escura e um carro. Mais nada.
ㅤㅤ Percebeu pequenos pontos luminosos dispersos a sua volta, demorando mais alguns segundos para notar que eram velas posicionadas em arco à sua volta. Agora, a visão estava quase perfeita. As velas estavam colocadas junto de círculos negros desenhados no chão. Os desenhos – quase tribais – formavam diversas formas à sua volta. Eram pelo menos cinco voltas pretas, que pareciam ter sido pintadas a pouco, visto que ainda parecia úmida próximo às velas. Tentou mexer-se, mas além da dor na cabeça, ainda percebeu que não conseguia mover-se. Estava presa, imóvel por completa presta numa coluna, ou algo do tipo. As vozes agora estavam claras, e ela pôde definir da onde o cântico vinha. Dois homens estavam sentados à frente dela, fora do círculo, um apoiado nas costas do outro. Pareciam imóveis, fora a boca que se mexia rapidamente formando o coro audível.
ㅤㅤ – .... - Raquel tentou falar. Mas a voz simplesmente não saiu, travada em seu peito, como se algo a impedisse. Tentou gritar, pedindo ajuda, mas nem um som conseguia emitir. Chacoalhou as correntes que a prendiam em volta do pilar de tijolos velhos, também não poderia se mover. Lágrimas brotaram de seus olhos, agora lembrando-se da bobeira que fizera, de como caíra na lábia do garoto tão facilmente. Deixou o corpo cair, sentando-se escorada à sua prisão. Lá fora, o sol acabava de deixar por completo aquela face do mundo.
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ㅤㅤ Ela já não podia sentir o corpo. As vozes que antes eram um cântico silencioso agora pareciam gritar dentro de sua cabeça. Os dois homens estavam lado-a-lado, fora do círculo, olhando para ela com olhos inexpressivos como bolas de vidro. Um deles era Marco, o outro, parecia bem mais velho. O que era aquilo, Macumba?
ㅤㅤ Seja lá o que fosse, começava a mexer com ela. Ela estava tendo alucinações, loucuras percorriam sua mente conforme as vozes aumentavam. Ela ouvia cochichos maldosos e incompreensíveis perto de si, mas nada via. Podia ouvir passos e outros sons vindos de todos os lados, mas nada observava. A voz dos dois aumentou novamente, e agora, junto delas, as luzes das velas aumentaram magicamente. Os gritos maldosos ecoavam em sua cabeça, a loucura tomando conta da jovem estudante e esforçada.
ㅤㅤ Gritou, mas a voz não saiu, então, se limitou a fechar os olhos. No mesmo segundo, as vozes pararam e um silêncio aterrorizante tomou o local. Ela levou alguns segundos para abrir os olhos novamente. Os dois homens iam embora, estavam se dirigindo a entrada daquela casa velha e abandonada. Deixando-a ali, sozinha com seus medos. A luz das velas, que antes estava fortíssima, agora se encontravam estranhamente fracas. Quase miúdas a ponto de Raquel não ver mais tanto à sua volta. Ela suspirou, tentando ver um lado bom naquela situação toda: Agora, não havia mais os cânticos. Não seria mais atormentada, era questão de tempo até alguém achá-la ali.
ㅤㅤ Cochichos tomaram conta de seus ouvidos, os mesmos de antes. Ela abriu os olhos, saindo de seu breve cochilo. E seus olhos arregalaram-se ao mesmo tempo que perdia o fôlego. Ali, fora dos círculos, sombras sem dono rondavam a velha casa. Elas giravam rapidamente, como uma aura negra de morte que estava ali unicamente para ela. Raquel levantou-se novamente e tentou se soltar mais uma vez, sentindo os pulsos doloridos pelas inúmeras tentativas em vão. A voz ainda não saía. Os cochichos agora eram gargalhadas maquiavélicas, que soavam por todo o lugar, deixando o pouco que restara de lógico na garota se dissipar. Ela apenas queria sair dali, debatia-se como podia, mas nada acontecia.
ㅤㅤ As sombras pareciam querer tentar entrar no círculo a todo momento, mas as velas sempre oscilavam quando eles chegavam perto. E logo a penumbra viva se afastava novamente, voltando a rodar em torno dela como aquela aura maldita. A menina chorava alto, lágrimas sujando toda a face e parte do chão abaixo dela. Não era para estar ali, deveria estar estudando, dando duro para dar o futuro que os pais mereciam por educá-la tão bem. De repente, ela pôde ouvir o choro. A voz voltou. Limpou a lágrima dos olhos com o ombro, e sorridente começou a gritar por ajuda enquanto focava-se no lugar.
ㅤㅤ O sorriso morreu.
ㅤㅤ As velas haviam se apagado e novamente um silêncio assolava o lugar. Mas Raquel sabia o que aquele silêncio significava. Sabia que não mais voltaria para casa. Uma risada monstruosa soou novamente, mas agora, pareceu estar bem ao seu lado. Cheirando seu cangote. Gelou o corpo, e tentou se encolher no seu canto. Como se ele pudesse dá-la a proteção que necessitava contra aqueles demônios terríveis.
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ㅤㅤ Já longe dali, Vicente dirigia o carro que alugara às pressas. Marco estava ao seu lado, de cara fechada, olhando pela janela. O mestre olhou seu pupilo pela quinta vez nos últimos cinco minutos, e novamente suspirou profundamente.
ㅤㅤ – Foi necessário, Marco.
ㅤㅤ O menino permaneceu em silêncio, olhando para fora.
ㅤㅤ – Caso isso não fosse feito. Eles estariam se amontoando em cima da Isca. E, em pouco tempo, não só a garota, como todo o resto do mundo estaria sofrendo.
ㅤㅤ Marco não respondeu, ainda. Vicente acelerou, Azaias havia ligado havia pouco tempo, já sabiam aproximadamente onde estavam a Isca e Tobias. Dimitri e Romanov fizeram um ótimo trabalho, dificultando as conexões espirituais que ocorressem nas proximidades; e Azaias, sempre saindo de seu corpo para conversar com os espíritos, não demorou muito à achar uma alma que o levara até a localização tão chamativa daquelas anomalias.
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ㅤㅤ Demorou muito mais que alguns poucos segundos para Carlos associar toda aquela história. Em menos de dois dias, ao que parecia, a vida de Hiroshi virara do avesso. Do nada, ele se tornou um assassino raivoso compulsivo, tinha pesadelos tão reais que sentia o calor na pele e ainda sentia-se sempre perseguido por uma estranha presença. O nipônico coçou a cabeça, sentindo dor nos cortes e machucados que a luta com Alcides fizera nele, ao que parecia, Carlos havia cuidado dos cortes, limpando-os e passando gaze em volta deles.
ㅤㅤ – É difícil de acreditar em histórias tão cabreiras assim, cara. - Finalmente ele falou, quebrando o silêncio. - Mas eu acho que te dou o valor dessa história. Meu tio Zé me contava umas coisas mais loucas que essa aí, e além disso, aquela estação ferroviária tem mesmo alguma coisa do cão, do capeta mesmo.
ㅤㅤ – Então, o que acha que eu devo fazer agora? Eu ainda estou tentando entender como estou conseguindo conter minha raiva, e como a sensação de perseguição diminuiu. Mas, é melhor não relaxar por causa disso. Quero resolver isso logo, cara.
ㅤㅤ – Acho que sei quem pode te ajudar... - Disse Carlos, pensando um pouco. Então, como se a idéia se firmasse em sua mente, ele levantou-se de impulso e foi em direção à porta do quarto. Abriu-a e passou por ela, enquanto desligava a luz. - É! Acho que só ele pode dar uma idéia melhor do que tu tem! Vamos lá!
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ㅤㅤ Já passava de meia noite quando bateram na porta. Mas Amaro, novamente, não conseguira ter uma noite de sono sossegada, estava ali, suando frio com os olhos arregalados virados para o teto. Uma vez um homem lhe dissera sobre a natureza de suas habilidades, disse que ele tinha o dom de ver o fluxo da vida e das almas, e por isso, tinha pequenas chances de vislumbrar o que ocorreria a uma alma, ou a um grupo de almas futuramente. Era um visionário. Na época, o homem ficou feliz com a revelação do motivo dos sonhos perturbadores que tivera durante infância e adolescência. Mas agora, arrependia-se todo dia pela maldição que lhe fora imposta.
ㅤㅤ Apenas pouquíssimas pessoas, entre elas nem sua esposa estava, acreditavam em seu dom. E fora graças a ela que ele ainda podia tentar sustentar sua filha, a única coisa que ainda fazia sua vida mover. Luana, jovem como era, sempre tinha energia e ânimo. Já arranjara emprego num bar do bairro, ajudando a pagar as contas de casa. Além disso, estudava duro, tinha planos para o futuro. Amaro estava feliz por ela não ter puxado seu dom, tinha certeza disso, ela nunca mencionara nada sobre ver coisas. Aquelas visões que só traziam desgraça. Aquelas visões que agora o tragavam para entrar na pior aventura de sua porca vida. Levantou-se, era hora de encarar aquelas pessoas que seus sonhos a tanto tempo diziam que encontraria.
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ㅤㅤ Carlos estacionou a moto na frente da casa.
ㅤㅤ – Tem certeza que esse cara pode ajudar, Carlos?
ㅤㅤ Hiroshi tinha perdido a esperança de achar algo de útil ali. A casa caindo aos pedaços e as pixações denegrindo o nome do humano com dons sobrenaturais em questão não deixaria ninguém esperançoso. Parecia realmente a casa de um charlatão. Um farsante qualquer. Mas o churrasqueiro voltou o olhar para ele com uma seriedade enorme.
ㅤㅤ – Se engana não, mano. O Amaro aí já ajudou pra caramba uns primos e outros camaradas meus por aí. Chegou do nada e disse para o Lucas, meu primo, tomar cuidado com a família nos próximos dias. Não deu outra, três dias depois uns encrenqueiros que perderam uma aposta com ele apareceram na casa de tarde, na hora que meu primo estava trampando. Iam pegar toda a família do coitado. Mas, graças ao aviso, o primo Lucas ficou em casa junto de mais uns amigos e parou os desgraçados. - Disse, avançando na direção da casa. - Ele é gente boa, e a filha dele é uma lindeza do bairro. Acho que ele pode dizer algo dessas coisas anormais que te ocorrem.
ㅤㅤ – Sei... - O japonês ainda não acreditava muito nas palavras do amigo.
ㅤㅤ Passaram pelo portão enferrujado e entraram na casa. Poucos segundos e Carlos bateu na porta de madeira velha. O silêncio respondeu de volta nos próximos segundos, era de se esperar, dado o horário. Já ia bater de novo, chamando pelo nome de Amaro, quando ouviu passos. Quase correndo, o homem veio à porta e abriu-a.
ㅤㅤ O sujeito era pequeno, não passava do ombro de Hiroshi. A barba branca e mal feita despontava na face, e o pouco de cabelo desarrumado mostravam que estava tranquilo. Era muito magro, dado o fato de que não bebia álcool e nem comia direito. O velho mulato observou os dois com os olhos quase saltando das órbitas, ele não parecia ter dormido. Não deu muita atenção para Carlos, mas quando seu olhar se encontrou com o do nipônico, ele estacou, imóvel.
ㅤㅤ – Amaro! Precisamos da sua ajuda! - Carlos cortou o transe.
ㅤㅤ – Eu sei que precisam! O garoto aí está com tantos problemas que eu não consigo pegar no sono faz dias! Entrem logo, e não façam barulho, porque minha filha parece estar dormindo ainda.
ㅤㅤ A resposta inesperada fez os dois entrarem abobados, sem nem perguntarem mais nada. Amaro afastou-se para deixá-los passar, tendo muito cuidado para não encostar em Hiroshi, quando este passava. Fechou a porta em seguida, com uma grande rapidez e trancou-a.
ㅤㅤ Os dois visitantes olharam a pequena sala onde Amaro fazia o pouco de dinheiro que podia com suas visões. Estava todo sujo e empoleirado, mas tinha lá seu tom de mistério, dado principalmente as lâmpadas de abajus e os grossos lençóis que cobriam as janelas. Pararam ao centro da saleta, encostando-se à mesa circular. Amaro tinha ido a cozinha, e agora voltava, tomando um copo de água. Definitivamente, o velho não parecia descansar a um bom tempo. Agora, com mais iluminação, Hiroshi e Carlos podiam ver as largas olheiras nos olhos fundos do velho, fora a tremedeira que fazia o corpo d'água quase derramar.
ㅤㅤ – Sabia que eu viria? - Disse Hiroshi, finalmente.
ㅤㅤ – Sabia que você estava em perigo, e que coloca muita coisa a perder.
ㅤㅤ – Coisa a perder?
ㅤㅤ – É. Se você não fazer o que deve, nada vai ser igual.
ㅤㅤ A conversa estava confusa demais. Hiroshi coçou a cabeça e sentou-se na cadeira de madeira da mesa, tomando ar e contendo a irritação que crescia dentro dele. Agora era fácil contê-la.
ㅤㅤ – Calma, calma. Amaro, certo? Olha, eu nem queria vir aqui, o Carlos que insistiu que você podia me ajudar. Mas você vir até mim dizendo um monte de coisas complicadas e estranhas não vai ajudar em nada. Pode ser um pouco mais claro?
ㅤㅤ Amaro deixou o copo em cima da mesa e tentou respirar fundo, contendo o nervosismo.
ㅤㅤ – Olha... Eu nem sei por onde começar. - Falou ele, sentando-se em outra das cadeiras. - O Carlos deve ter te contado que eu tenho visões do que acontece vez ou outra. Isso sempre vem em forma de sonhos ou quando estou distraído. O problema é que, nos últimos dias, eu estou tendo pesadelos horríveis, coisas que nunca vi antes surgiam aos meus olhos. E, no centro de toda essa trama, eu vi você.
ㅤㅤ – Eu?
ㅤㅤ – É. Eu nem faço idéia do seu nome ou de quem é você. Mas eu te vi, em várias visões, junto de várias pessoas diferentes em situações de risco ou situações anormais.
ㅤㅤ – Como o que?
ㅤㅤ – Vi você com os olhos brilhando num verde cabreiro e forte. Vi você no meio de um descampadão quente e arenoso. Vi você se jogando contra um monte de capetas num corredor. Vi você sozinho dentro de um lugar escuro pra caramba. Mas as cenas que mais me assustam nessa porra toda, não tem você no meio.
ㅤㅤ – Tipo em quais?
ㅤㅤ – Eu vi um par de vezes, um velho fedido e um garoto conversando. Sempre quase trocando insultos, dado o grau de agressividade dos dois. O Velho parecia sempre contestar, mas o garoto ignorava qualquer palavra dele. Esse garoto... Ele é quase um capeta em pessoa, rapaz. Quase um capeta.
ㅤㅤ – Espera, no que eles se encaixam nessa história toda? Não tem algo a ver com uma assombração ou coisa do tipo? Que diabos tem um velho e um garoto no meio disso?
ㅤㅤ – É aí que você se engana, guri. Teu inimigo não é o Macedo, também tive visões dessa alma penada e sem lugar pra ir. O garoto foi só uma vítima, como você. Teu inimigo tá bem vivinho, e sempre na sua cola. - Amaro olhou para a frente de casa, como se estivesse com medo de encontrar alguma coisa pela janela. - Todo cuidado é pouco. Olha, rapaz, qual seu nome?
ㅤㅤ – Hiroshi.
ㅤㅤ – Hiroshi, eu nem faço idéia de como você chegou aqui. O Carlos aqui, primo do Luquinhas que eu ajudei outro dia, deve ter mexido os pauzinhos dele para te colocar aqui dentro. Eu sabia que tu viria de algum jeito, estava no seu destino. Mas, deixando tudo isso de lado... Hiroshi, você acredita em magia?
ㅤㅤ – Magia?
ㅤㅤ – É, magia. Acho que posso te dar mais informações que vão te ajudar daqui pra frente na sua jornada. Mas, para isso, preciso saber se tu acredita nessas coisas...
ㅤㅤ Hiroshi acomodou-se na cadeira de madeira.
ㅤㅤ – Olha, não sei, não, Amaro. Eu acredito nessas coisas de fantasma, de assombração, tanto é que eu me meti nessa enrascada por ajudar minha amiga nisso. Não foi?
ㅤㅤ – Foi. A primeira das visões que eu tive foi sobre esse dia aí.
ㅤㅤ – Então, nisso eu acredito. Mas nunca soube nada de magia.
ㅤㅤ – Mas está tudo interligado, guri. - Amaro apoiou os cotovelos na mesa, gesticulando com as mãos. - A magia se baseia em pessoas com dons e treinamentos para manejar almas e coisas relacionadas a ela. Como para onde ela vai, de onde ela veio, das ligações dela aqui e das que tem casos especiais; como almas penadas e assombrações.
ㅤㅤ – Se magia for isso, acho que acredito.
ㅤㅤ Amaro abriu um sorriso na face. Sorriso, que esmoreceu alguns poucos segundos depois. A filha surgiu na porta do pequeno quarto, os observando. Antes fosse que ela estivesse com uma cara sonolenta, acordada com a conversa deles; Luana tinha os olhos arregalados e as mãos seguravam com força a quina da porta. Ela olhou para Hiroshi como se já o conhecesse. E Amaro sabia muito bem daquela reação, foi daquela forma que ele mesmo encarou o homem que apareceu em sua primeira visão. Ele sonhou com o senhor que vendia jornais na esquina, sonhou que o via agonizar e morrer com tiros. Na semana seguinte, ele apareceu morto na banquinha dele, vítima de assalto que terminou em homicídio.
ㅤㅤ Luana avançou alguns passos, tentando conciliar algumas das coisas que rondavam na sua cabeça. Naquela noite, ela havia conseguido dormir, mas o sono veio carregado de tantas imagens que mal conseguira lembrar-se delas por um todo. O pior foi abrir a porta do quarto e dar de cara com o protagonista da maioria das visões. Estava descrente do destino.
ㅤㅤ – Minha filha... - Disse Amaro aos gaguejos. - Volta, a dormir, querida. São amigos do pai.
ㅤㅤ – Precisam... - A voz baixa da menina mulata soava.
ㅤㅤ – Eles já vão sair daqui a pouco, querida. Pode ir dormir...
ㅤㅤ – Vocês precisam sair.... - Disse ela, quase inaudível.
ㅤㅤ – Como é?
ㅤㅤ Carlos calou-se de seu silêncio de ouvinte.
ㅤㅤ – Vocês precisam sair....
ㅤㅤ Falou mais uma vez, agora apontando pela janela. Do outro lado da rua, uma van branca e uma preta estavam estacionadas, com os faróis ligados. Amaro direcionou o olhar para van e entendeu, com horror, que a filha também tinha o seu dom. Aqueles veículos apareciam em várias das imagens que inundavam seus sonhos. E sempre surgiam como um mau agouro.
ㅤㅤ O velho levantou-se apressadamente, correndo ao quarto e voltando em segundos com um bolo fechado por jornais na mão, colocou na mão da filha e deu leves tapas no rosto dela, de modo que ela saísse em partes do transe dos sonhos. Ela piscou repetidas vezes, estava ciente do que acontecia, mas agora não agia como um oráculo inexpressivo.
ㅤㅤ – Filha, desculpa por tudo. Não era pra tu ter um pai tão maldito a ponto de ter essas coisas, e pior ainda, não era pra você ter herdado isso desse velho aqui. - Disse em lágrimas, apertando o bolo na mão da filha. - Aqui tem todo o dinheirinho que eu consegui juntar pra quando tu entrar pra faculdade. Desculpa, amor, como queria te ver formando!
ㅤㅤ A menina também chorava.
ㅤㅤ – Pai... Não Pai, tem algum outro jeito. Tem que ter...
ㅤㅤ – Você viu o que eu vi, não? Sabe que não tem jeito, querida. Essa é a hora que eu mais temia. Agora você tem que ir. - Olhou para os dois, que quase nada entendiam daquilo que falavam. - Tem que levar eles pra longe daqui, sabe que ainda vai ter um papel importante nisso tudo, não sabe, querida? Então, precisa ir!
ㅤㅤ O velho Amaro limpou o rosto de lágrimas e abraçou e beijou a filha uma última vez, para então ela se afastar um passo, na direção da cozinha. A garota voltou seu olhar triste para os dois homens e fechou o maço de dinheiro na mão.
ㅤㅤ – Vamos, tem uma porta dos fundos na cozinha. A gente tem que sair daqui, agora.
ㅤㅤ – Não, espera, eu não estou entendendo nada agora. - Hiroshi se pronunciou.
ㅤㅤ – É, complicou até pra mim, Amaro, que tá acontecendo?
ㅤㅤ O velho foi até os dois e pôs uma mão sobre o ombro de cada um deles. Olhou-o nos olhos com toda a coragem e dignidade que tinha.
ㅤㅤ – Esse velho aqui tem que cumprir seu papel nessa história, rapazes. - E voltou-se pra Carlos. - Você também ainda tem algo muito importante a fazer, algo que só você vai conseguir. - Virou-se então para Hiroshi. - E você, guri, tudo depende de você. Olha, sei que tá difícil entender qualquer coisa, mas coloca algo na cabeça, dentro dos próximos dois dias, sua vida vai complicar ainda mais. Mas você vai ter que se mostrar firme, porque o mundo todo depende de seus atos. Eu podia ficar falando um monte pra vocês, mas só dá tempo de dizer uma coisa: Comece a agir contra seus inimigos. Procure sobre o termo “Olhos Vermelhos”.
ㅤㅤ – Olhos Vermelhos? - Um calafrio subiu pela espinha ao ouvir o termo.
ㅤㅤ – É, isso mesmo. Olhos Vermelhos. - E apontou para as vans, tinha gente saindo de dentro delas. Amaro apagou as luzes da sala, deixando-os na penumbra. - Aqueles caras ali são os capetas vivos. Se eles ganham, vocês e todo o mundo morrem. Só tu consegue fazer algo, moleque. Agora vai! Vai e deixa minha filha protegida!
ㅤㅤ Amaro empurrou os dois para a cozinha onde a menina já aguardava eles. Carlos, ainda perdido naquilo tudo, resolveu confiar nas profecias do velho Amaro, ele sempre estava certo, afinal. Seguiu junto de Hiroshi pela cozinha, saindo para a porta dos fundos. Ali, Luana já estava pronta, com o maço de dinheiro num bolso do pijama ralo que usava. Os muros do fundo da casa eram baixos, e ele já estava subindo ele quando os dois chegaram. Chegou ao topo e olhou para ambos.
ㅤㅤ – Vamos. Precisamos correr para não sermos pegos.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Felipe desceu do carro com um sorriso na face, sabia que o garoto estava ali. Tinha total certeza, afinal, havia pouco tempo, sua capacidade de localizá-lo tinha voltado. Tobias preferiu esperar no carro, sabia que aquela jornada toda tinha como protagonista o seu pupilo, e não ele. Deixaria que o garoto decidisse como agir ao modo dele. Metade dos homens também desceram junto, cada um portando uma arma, presa a cintura. Aquelas eram as pistolas, discretas e chamativas. Não mandaria eles usarem fuzis iraquianos numa situação daquelas.
ㅤㅤ Atravessaram a rua com pressa, e Felipe fez sinal para que a maioria esperasse lá fora. Apenas Josué e o Cabide foram apontados para avançarem junto dele. A disposição dos homens em volta da casa formava um arco, e, no centro, os três homens avançavam. Felipe abriu o portão de ferro e adentrou com calma e um sorriso na face. Parou novamente apenas na frente da porta de madeira, virou-se para Cabide, o capanga mais forte que contratara, e acenou com a cabeça. O gigante chutou a porta, que tombou para dentro de uma única vez. Josué entrou em seguida, sacando a arma e apontando para dentro, Josué era o extremo contrário de Cabide, era esguio e ágil com uma pistola, mas não tinha força alguma. Cabide entrou atrás do companheiro, sacando sua arma.
ㅤㅤ Só depois de ambos, Felipe aventurou-se porta adentro, andando com calma e paciência. Mas o sorriso morreu na face assim que não encontrou a figura de Hiroshi ali na sala. No lugar dele, havia apenas um velho senhor, sentado numa mesa ao centro da velha sala, com os cotovelos sobre a madeira. Ele acendeu um pequeno abajur na mesa, fazendo a luz amarelada e oscilante percorrer a sala. Amaro sorria para os invasores.
ㅤㅤ – Boa noite. Vieram ver a sorte? - Disse, em som de deboche. - Tá meio tarde, mas minhas cartas ainda estão na mesa e eu posso fazer uma forcinha.
ㅤㅤ – Onde está o garoto, velho? - Cortou Felipe, nervoso.
ㅤㅤ Amaro fez uma cara cínica de não ter entendido o que o garoto falava e sorriu em seguida, vendo os dois homens com as pistolas apontadas para sua cabeça. Sabia que morreria ali, mas também sabia que poderia comprar o máximo de tempo para os três escaparem com segurança.
ㅤㅤ – Olha, sou apenas um velho vidente. - Começou Amaro. - O guri veio aqui pedindo ajuda e tudo mais, quando vocês apareceram. Ele ficou desesperado quando vocês desceram do carro. - O vidente diminuiu a voz e sorriu, apontando para o quarto. E, num sussurro, continuou. - Se escondeu no Armário.
ㅤㅤ Felipe sorriu para o velho, pelo jeito, o charlatão estava querendo cooperar com eles. Acenou para os dois capangas. Josué continuou com a arma apontada para o velho, enquanto o Cabide avançou na direção do quarto. Um novo chute fez outra porta cair, e o gigante entrou no quarto escuro. Demorou alguns segundos, até que voltou à sala, com um sinal negativo balançando na cabeça. Mais uma vez o sorriso de Felipe encolheu-se, e ele voltou a face para o velho.
ㅤㅤ – Não estão lá, caduco. - O próprio Felipe sacou uma arma, destravou-a e encaixou o cano dela na testa de Amaro. - Por que você não larga de brincadeirinha e me diz logo onde eles estão?
ㅤㅤ No exato instante, ouviu-se um ronco de motor vindo de trás da casa, do outro lado da quadra. Não era preciso ser um carro potente para que o barulho fosse ouvido, afinal, a quadra toda estava silenciosa. Felipe demorou alguns segundos até entender o que ocorria, voltou-se furioso para ameaçar o velho ainda mais. Mas encontrou o velho Amaro sorridente em sua mesa velha. Ele olhou para Felipe com seus olhos de sabedoria e graça.
ㅤㅤ – Nunca vai conseguir pegá-los, capeta.
ㅤㅤ Felipe urrou de raiva e disparou, dando cabo à vida do velho Amaro.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Luana, Hiroshi e Carlos cruzaram duas casas até chegar ao outro lado da quadra. Quase tiveram de se defender de um grande cachorro pastor-alemão numa casa, mas tiveram tempo de correr. Estavam cruzando o último muro que os separavam da rua. Luana foi a primeira a saltar, seguidos de perto por Hiroshi e Carlos. Tocaram a calçada despavimentada do outro lado. Seria hora de correr.
ㅤㅤ Seria.
ㅤㅤ Da esquina, a van branca surgiu, dirigindo com certa velocidade até eles. O coração de Hiroshi gelou e Carlos já começava saltar de volta o muro. Luana estava imóvel, junto do japonês. Carlos virou-se para trás para dar-se conta que apenas seu coração malandro e espertinho soube reagir à nova van. Os outros eram lerdos demais! Saltou de volta e puxou-os pela manga.
ㅤㅤ – Esperando o que!? Vamos logo!
ㅤㅤ – Não dá tempo, Carlos. - Respondeu secamente Hiroshi. - Melhor encarar agora. Eles tem um carro, podem nos achar facilmente se estão cercando a quadra com vans. Acho que o plano de fuga não deu muito certo.
ㅤㅤ A van parou em frente a eles, o vidro escuro os limitava de ver quem estava dentro do veículo. Encostaram-se os três na parede, observando atentamente aos movimentos dos passageiros do veículo. A porta destravou-se, e um breve segundo se passou, até que as portas se abriram, tanto a do motorista, quando a dos passageiros. Surpresos ficaram eles quando o primeiro que desceu foi uma criança de pele alva, vestida em camisa e gravata, com um sobretudo por cima. Em seguida, desceu atrás dele um outro homem, também de pele branca, vestindo-se praticamente igual ao garoto. E, do banco de motoristas, o negro alto surgiu, deixando a porta aberta e o carro ligado.
ㅤㅤ Os três estranhos ficaram de frente para Hiroshi, Carlos e Luana. Até que finalmente, Dimitri apontou o dedo na direção de Hiroshi, acenando positivamente com a cabeça. Romanov e Azaias apenas assentiram. Logo em seguida, os estranhos da Liga se afastaram da van, correndo Dimitri para um lado da quadra e Romanov para o outro, enquanto Azaias se preparava para saltar o muro.
ㅤㅤ – Quem são vocês!? - Finalmente conseguiu soltar Hiroshi.
ㅤㅤ O negro que subia o muro, ao lado deles, olhou-o rapidamente.
ㅤㅤ – Use a van para fugir daqui. Nós o encontraremos em breve, Isca. Vamos segurar os homens de Tobias por um instante, mas não sabemos o quanto podemos atrasá-los, saiam daqui, rápido.
ㅤㅤ Azaias saltou o muro, não deixando tempo para que eles fizessem mais pergunta alguma. Hiroshi demorou dois segundos para entender que essa van não estava do mesmo lado que as outras vans. Talvez esses fossem até aliados. Olhou para Carlos, e Luana, aguardando confirmação deles. A menina, ainda quieta, apenas concordou com a cabeça.
ㅤㅤ – Vâmbora daqui. - Complementou Carlos.
ㅤㅤ Saltaram para dentro da van e Hiroshi pisou fundo no acelerador.
ㅤㅤ

Um comentário:

  1. Ainda não li esse post, parei no 5.
    Não estou com muito pra ficar na internet. Por isso só consigo visitar aqui as vezes, o que me incomoda. Gostaria de acompanhar essa história direito, porque, como já falei, você escreve muuito bem!!
    Deixa todo um clima de mistério e tal!
    Espero conseguir voltar aqui mais vezes para saber o fim.
    Até. =)

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