sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Eterno Noturno dos Meus Pesadelos


ㅤㅤ Estela estava ficando realmente preocupada. Tentava afastar-se daquele som repetitivo e terrível que a atormentava, mas em nenhum momento os passos deixavam de soar atrás de si. E, sempre que virava para trás, não achava nada além da companhia do silêncio da madrugada. Ela estava próxima de casa, mais algumas quadras e aquela palpitação que crescia no seu peito iria se encerrar. Acelerou a caminhada, ouvindo as passadas atrás dela também acelerarem. Estela fechou os olhos com força, tentando conter as lágrimas de cair, todo seu corpo tremia; fato só não tão claro pelo fato de não estar parada. Mais três quadras.
ㅤㅤ Avançou a esquina, desviando o olhar para a pequena rua, apenas para constar que nenhum veículo passava. O bairro Norte-Vila ficava completamente deserto àquela hora. Assim que voltou seu olhar para frente, ela estacou no meio da faixa de pedestres, com olhos arregalados e a boca trêmula: Ali, no fim da calçada, um estranho sujeito a observava, com um sorriso medonho na face. Vestia camisa e jaqueta pretas, em conjunto de uma calça jeans da mesma cor. Os olhos verde-oliva do pálido homem estavam fincados nos dela, observando cada pequeno movimento da mulher com atenção. O Vampiro sabia que ela era sua próxima vítima.
ㅤㅤ Estela afastou dois passos, tentando encontrar apoio para se sentar. Ela não era do tipo que sabia enfrentar situações complicadas, alias, todos no trabalho a chamavam de infantil. A Bobona. Tentava com todas as forças virar-se e correr, mas as pernas não a obedeciam.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Ezequiel alargou seu sorriso, a presa estava desesperada. Aquela era a melhor expressão que ele podia achar em suas pobres vítimas. Avançou dois passos, descendo da calçada para o asfalto da rua. Acompanhava minuciosamente cada movimento de Estela – a mulher loira e de face bela desmanchava sua beleza com o descuido com o resto do corpo, estava gorda e com os cabelos desarrumados –, para apreciar com mais gosto o medo que ela exalava. Talvez a única coisa que se comparasse ao prazer de tomar o maldito líquido da imortalidade vampírica, fosse o terror que os meros mortais demonstravam perante a morte certa nas garras do Eterno.
ㅤㅤ – O medo é tanto que não se move, querida? - Indagou Ezequiel. - O que me diria caso seus olhos encarassem algo ainda pior?
ㅤㅤ E, mantendo ainda a expressão maldosa na face, o vampiro abriu a boca ao mesmo tempo que deixava os caninos pontiagudos crescerem absurdamente. Seus olhos fluíram do verde-oliva para o vermelho-brasil em segundos. Ezequiel rosnou para Estela, enquanto encarava a face da mulher.
ㅤㅤ A Loira deixou os olhos crescerem ainda mais para fora das órbitas quando o estranho revelou sua paranormalidade. Ela novamente perdeu a força nas pernas, agora bambeando-as a ponto de não conseguir nem ao menos manter-se de pé. Ficou ali, de boca aberta, definindo os traços da horrível criatura.
ㅤㅤ – Meu deus.... - Balbuciou ela.
ㅤㅤ – Agora sabe que sua vida está selada às minhas garras!
ㅤㅤ – Vampiro... - Ela continuou no quase transe. - É mesmo... um vampiro?
ㅤㅤ Ezequiel riu alto, aproximando-se mais alguns passos da loira.
ㅤㅤ – Ainda tem dúvidas!?
ㅤㅤ – Ai, meu deus.... - Ela disse novamente, para a felicidade do vampiro que adorava sem entorpecer do medo dos outros. Então, subitamente, ela formou um sorriso enorme na face. - Eu sabia! Eu sabia que vocês existiam! Que demais!
ㅤㅤ Confuso, o vampiro desfez o cenho feroz e ameaçador. Agora encarando a vítima com clara irritação, aquela não era a resposta esperada. Estela levantou-se e aproximou-se dele em passos rápidos, enquanto mexia na bolsa.
ㅤㅤ – Olha! Olha! - E puxou da bolsa um pequeno pedaço de papel plastificado: “Fã n°99, Twilight Lovers”, empurrando na face do eterno noturno. A excitação da garota era quase doentia, os olhos continuavam arregalados e os dedos tremiam, mas agora eram de uma felicidade sádica. - Eu A-M-O vampiros, sério! Nossa, sua pele é tão branca, parece que é até mais que a do Ed.
ㅤㅤ – Ed?
ㅤㅤ – Edward Cullen, nossa, o melhor de todos os vampiros. Hah! Mas que se dane o Ed, agora eu estou aqui, de frente pra um vampiro de verdade!
ㅤㅤ Um tapa foi desferido pelo furioso Ezequiel na face de Estela, jogando a mulher no chão de uma única vez. O golpe foi tão forte que abriu dois largos arranhões na face dela. Ele, Ezequiel, já obviamente procurou saber sobre aquela nova crônica vampírica que se popularizara tanto. Não gostou de nada, não eram aqueles os vampiros reais. E aquela mulher caída na sua frente, aquela Estela, ela não era para ser uma doente daquelas. Já tinha mais de trinta anos, deveria estar com um namorado e uma vida boa pela frente, não mergulhando de cabeça em febres adolescentes.
ㅤㅤ Ela demorou alguns segundos, a dor que sentia não era reprimida, e sim recebida com um sorriso alargado. Fora um tapa dado por um noturno, um imortal! Um vampiro deixara sua marca nela! Olhou para o pálido homem novamente, arranjando forças para se levantar sorridente.
ㅤㅤ – Insolência! O que tem na cabeça, Mulher!? - E empurrou-a para cair novamente. - Não vê!? Vim aqui para açoitar sua vida! Vim aqui para arrancar cada gota de seu sangue! Pouco importa os fictícios frouxos sanguinários que já viu, este, cá a sua frente, é um real. Um que deve temer!
ㅤㅤ – Temer porque!? - Ela retrucou, novamente saindo do chão. - Eu amo vocês! Daria minha vida de mão beijada para ter esse momento. O momento em que um de vocês estivesse aqui, comigo. Não ligo... Não ligo se vou morrer. - Ela alternava a fala em risadas histéricas e enlouquecidas. - É só um prazer estar aqui à sua frente. Olha, querido, olha!
ㅤㅤ E Estela levou as mãos até a borda da camisa que apertava suas gorduras saltadas. Sem qualquer cerimônia abriu os primeiros botões, enquanto deixava o sangue que brotava na sua bochecha escorrer pela face, passando pelos lábios até cair sobre a vestimenta. Ali, na frente do atordoado Ezequiel, abriu a camisa social com que trabalhava. O Vampiro transfigurou sua face em nojo. Em meio as estrias, pelos não depilados e espinhas acumuladas; se encontrava a figura de uma boca mordendo a pele de Estela. Uma tatuagem.
ㅤㅤ – Porque não me morde!? Vamos, morde! Aqui!
ㅤㅤ O Eterno desviou o olhar da grotesca visão, os mortais tornavam-se cada vez mais nojentos.
ㅤㅤ – Vamos! Estou pronta! Sugue todo meu sangue, por favor! - Os olhos dela criavam veias vermelhas saltadas, ela parecia não querer piscar para não perder um momento do vampiro. O sorriso descuidado deixava a saliva escapar pelos cantos da boca, deixando-a toda babada; o que contribuía ainda mais para o estado de loucura em que aquela loira estava para idolatrá-lo.
ㅤㅤ Ezequiel explodiu em raiva. Avançou contra ela, fincando as mãos fortes sobre o ombro e o pulso dela, e num movimento raivoso e seguido de um urro inumano, arrancou o membro de Estela. O braço caiu no meio da rua, imóvel e deixando exposto parte do osso que o ligava ao resto do corpo. O ombro de Estela encharcou-se de sangue, mas a única reação da mulher foi gargalhar histericamente com lágrimas descendo pelos olhos enquanto caía de joelhos no chão. Seu herói. Seu vilão. O motivo para sua existência estava ali lhe fazendo o mal, lhe causando emoções maiores do que seu monotonismo que geralmente só era quebrado quando mergulhava a mente no mundo deles, dos noturnos. A dor envolvia seu ser, mas mais que isso, o prazer enchia sua alma. Sentia-se excitada sexualmente, de modo que seus órgãos sexuais atingiram o orgasmo seguido pela folga onde relaxou os músculos vaginais, deixando a urina infestar o chão, mesclando-se com o sangue derramado.
ㅤㅤ O vampiro pôs a mão sobre o nariz de faro aguçado e afastou-se dois passos, olhando com desgosto para a decadente loira. A mulher chorava e ria.
ㅤㅤ – Vamos! Não espere por mais! Venha e me dê o abraço da morte, tome de meu sangue!
ㅤㅤ A raiva acobertou o nojo, e Ezequiel avançou mais uma vez sobre a mulher, agora desferindo um chute na boca do estômago dela, que a fez voar alguns centímetros para trás, cuspindo sangue pela boca. O ar lhe saiu dos pulmões e ela não podia falar, o que – pensava o vampiro – a calaria. Estela levantou o olhar sádico para ele, o sorriso agora imbuído de sangue e lágrimas.
ㅤㅤ – M...ma.... - Respirou fundo. - Mais.... S-sou... sua.
ㅤㅤ Ele avançou passos na direção dela e segurou o outro braço dela com ambas as mãos, apoiou a sola do pé sobre as costelas da moça e deu um tranco. O segundo membro dela saiu voando, esguichando sangue sobre a face do irritado Ezequiel. Agora ela havia gritado de dor, os olhos arregalaram-se ainda mais e ela encolheu-se por um breve momento, tão breve que Ezequiel mal pôde apreciar. Logo o grito emendou-se numa risada medonha.
ㅤㅤ – Venha.... antes... antes da minha... morte. - A falta de ar ainda lhe assomava. - Meu sangue... seu....
ㅤㅤ O vampiro limpou o sangue em sua face com as costas da mão e olhou diretamente sobre o olhar louco da mulher. Realmente, amava os vampiros. Ajoelhou-se ao seu lado, e envolveu com uma das mãos o pescoço dela, apertou com força e levantou-se, colocando-a de pé, mesmo que vacilante. A moça cambaleava parada, sem forças para muito mais atos, ao centro da poça de seu sangue e dejetos. O sorriso dela se alargou ao passo que os dentes pontiagudos do vampiro se aproximavam da sua jugular.
ㅤㅤ Sentiu o toque dos caninos raivosos sobre sua pele e fechou os olhos para apreciar a mordida da morte. Mas, ela não veio, não sentiu os dentes afundando na carne e o sangue vazando pelas feridas. Ezequiel era quem agora sorria.
ㅤㅤ – Seu sangue é podre. - Falou. - Viva com seus vampiros de mentira. Morra com eles.
ㅤㅤ Jogou-a na calçada – sobre o próprio sangue e urina – e virou-se, começando a caminhar. Estela, jogada para a morte no asfalto cinzento, arregalou os olhos, e pela primeira vez desde que fizera a descoberta do noturno, sua face encheu-se de terror. Ela começou um choro desenfreado, alternado com gritos e súplicas para que Ezequiel voltasse, para que seu vampiro acabasse com sua vida. O terror de não morrer como muitos morreram naqueles livros que tanto amava cobria sua mente. Será que nem na hora do abraço frígido da foice negra, ela poderia ser feliz? Será que a vida fora sempre aquele horror onde só os livros dos noturnos deixavam ela sorrir? Clamou pela sua vida, as cordas vocais ao máximo e pedindo arrego não suportaram, estouraram na garganta da moça, e ela novamente engasgou-se no sangue. No seu sangue podre.
ㅤㅤ O pálido rapaz afastou-se rapidamente, limpando o sangue nojento da mulher na camisa negra. Os gritos e grunhidos inumanos de Estela foram ficando para trás. Por fim, após alguns sórdidos minutos, abriu um sorriso. Não tomara o líquido da eternidade, mas fizera alguém sofrer, dera para alguém o tormento de uma morte lenta e horrível. Virou-se para ver se carros passavam na rua e atravessou.
ㅤㅤ O bairro Norte-Vila ficava realmente deserto àquela hora.

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