quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Olhos Vermelhos - Capítulo 11


ㅤㅤ XI
ㅤㅤ
ㅤㅤ – Todos para dentro, agora! - Felipe gritou irritado, saltando para o volante da primeira das vans. Uma pequena confusão se formou para entrarem nos veículos, irritando ainda mais o discípulo de Tobias, que ligou a chave do carro e acelerou, deixando os dois homens que iam subir no carro para trás. Virou a esquina com rapidez, ainda havia tempo de achar e capturar a Isca. O maldito velho vidente ainda iria pagar pela sua insolência com ele, o futuro Rei do mundo.
ㅤㅤ Tobias, que estava a escrever algum rabisco qualquer num pequeno e amassado caderninho que carregava consigo, fechou suas anotações e colocou sua cabeça para frente, encarando Felipe.
ㅤㅤ – Sendo passado para trás por um Charlatão, Guri? - A pergunta veio seguida de uma gargalhada nojenta.
ㅤㅤ – Não enche, velho.
ㅤㅤ Iria até dirigir algum comentário mais agressivo ao mestre, quando o som de estalos fortíssimos soaram no capô. Estavam atirando contra ele. Os contratados destravaram suas armas e se aglomeraram nas janelas, abrindo o suficiente para o cano das armas ficarem para fora, um dos mercenários, João Paulo, estava caído no fundo da van, ao lado de um buraco no vidro. Fora atingido no peito, e agora respirava com dificuldade, tentando clamar alguma ajuda para si. Mas, bem no fundo, sabia que ninguém iria auxiliá-lo; ninguém estava ali por demasiada bondade.
ㅤㅤ Do lado de fora, a falta de iluminação do bairro contribuía para que Romanov se ocultasse da van. Ele havia disparado dois cartuchos cheios contra a Van, mas sua pouca idade e falta de prática com armamento de fogo não permitiu que os segurasse por muito tempo. Saiu de sua tocaia, atrás de um amontoado de lixo para disparar as últimas balas do terceiro cartucho.
ㅤㅤ O som de pneus queimando veio as suas costas, Romanov sentiu um forte puxão, o tragando para o monte de lixo amontoado na beira da calçada. Seu coração só se acalmou ao ver a expressão quase imutável de Azaias ao seu lado. O negro mago estava diferente, os olhos estavam sem as orbes negras de sempre. O que indicava a presença de mais um espírito, além da do próprio Azaias, dentro do corpo. A segunda van virava a esquina, apressando-se para seguir a de Felipe. Romanov impressionou-se ao ver o parceiro de seu pai engatilhando a pistola facilmente e disparando com facilidade sobre o veículo negro. Duas balas certeiras atingiram a cabeça do motoristas, e outras duas fizeram as rodas dianteiras do carro murcharem. O carro ziguezagueou alguns metros antes de subir a calçada e ir de encontro ao muro de uma velha casa.
ㅤㅤ Um breve silêncio tomou conta do local, seguido de um segundo roncar de motor e tiros em seguida, vindos do outro lado da quadra.
ㅤㅤ – Vamos, mais ninguém virá deste lado. - Disse ao garoto. A voz do homem soou, fazendo até mesmo Romanov – que já estava acostumado com o mundo da magia, se arrepiar de leve. Não fora um único timbre, e sim dois que soaram. Duas vozes na mesma entonação e sincronia, dizendo a mesma coisa.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Assim que Azaias tinha pulado o muro da casa, instantes antes, ele se escondeu atrás de uma grande mangueira plantada no quintal da casa. Ali, puxou do bolso esquerdo do terno um velho livro de couro batido, fechado com uma amarra de barbante amarelado. Pousou a arma no chão e arrancou o barbante fora, começando a folhear o papel velho do livro de ritos que lhe fora passado pelo seu antigo mestre, já falecido há muito tempo. Os dedos acostumados com as folhas foram rápido em identificar a página. Na verdade, Azaias já sabia de cor e salteado as palavras que precisava pronunciar, mas o rito pedia o uso do livro.
ㅤㅤ Começou a ladainha em voz baixa, quase um sussurro incessante.
ㅤㅤ Januário Leite, pistoleiro de renome, que já havia há muito tempo sido assassinado por inimigos feitos durante a vida, sentiu sua alma vibrar novamente. Estava sendo chamado, novamente aquele homem o convidava para ingressar no reino dos vivos e açoitar mais almas. Alegre e excitado a alma respondeu ao chamado no mesmo instante.
ㅤㅤ Azaias piscou. Agora, não era apenas ele quem habitava o corpo. Seu forte e manipulador espírito envolveu a alma de Januário, deixou que ele parcialmente regojizasse novamente dos ares terrenos. Segurou a arma com a experiência de um mestre, girou-a no dedo e saiu de trás da mangueira, saltando para o lado de onde ouvira os primeiros tiros.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Dimitri encontrou sua tocaia atrás de um muro inacabado, calculou que aquela pequena barreira só seria capaz de ocultá-lo, pois era frágil demais para segurar balas que provavelmente poderia enfrentar. Buscou com os olhos por outro abrigo, mas a audição lhe tragou toda a atenção, pneus cantando. Voltou seu olhar para a esquina a ponto de ver os faróis saltando de trás da casa de madeira velha na ponta da rua. Não haveria tempo de se esconder em outro lugar, só podia era se ocultar ali e torcer para que demorassem a achá-lo, dado a rua também escura. Engatilhou a pistola e acomodou-se da melhor maneira possível atrás da mureta.
ㅤㅤ Josué estava pegando o celular para contactar Felipe na primeira van, quando o vidro do seu lado estilhaçou e atingiu o motorista de raspão, fazendo o gigante brutamontes frear e virar o carro bruscamente. O pistoleiro de carteirinha quase bateu a testa no vidro, visto que ainda não tinha colocado os cintos. Xingou o maldito e sacou a pistola, apontando para fora, exatamente para a mureta onde Dimitri estava. Josué tinha prática com tiroteios, os que enfrentara no Paraguai eram bem mais sangrentos e loucos que aquela simples troca de tiros, ele apontou a arma com precisão porque os anos lhe indicavam de onde vinham os projéteis.
ㅤㅤ Dimitri ouviu um estalo, e viu o tijolo ao lado da cabeça estourar, fazendo o ouvido tinir. Jogou-se no chão a tempo de ver outros cinco furos se fazerem no lugar onde estava de cócoras. Os tiros vieram de uma única pistola, apenas um dos malditos sabia onde estava, mas aquilo não duraria muito. Provavelmente o resto dos mercenários da van seguiriam o primeiro na direção dos tiros. Levantou a mão e disparou contra o carro. A falta de prática não ajudava muito, entretanto, perfurou o vidro do carro, e ouviu mais uns dois gemidos vindos de dentro. Cartucho vazio, recarregou rapidamente. Já ia se acocorar para atirar novamente com mais precisão, quando uma algazarra de disparos assolou seus ouvidos. Tiros pipocavam no chão a sua volta e na parede, no susto de ter de se abaixar, a pistola escapou da mão e voou alguns centímetros para fora da proteção da mureta que mais parecia queijo suíço agora. Dimitri sentiu uma leve ardência no ombro, mas ignorou a dor que provavelmente tinha sido causado pela sua brusca tentativa de se salvar indo ao chão. Bufou, dando um sorriso de leve, fruto de sua personalidade suave. Se pelo menos Tobias estivesse dentro da van, ele estaria sendo atrasado.
ㅤㅤ Olhou novamente para a pistola ali ao lado. Os tiros tinha cessado, mas a van ainda estava no mesmo lugar, o carro ligado e fazendo barulho do outro lado da rua. Talvez pudesse se aventurar e pegar a arma. Ficar ali, imóvel, era o que não poderia fazer. Respirou fundo, juntou as forças e flexionou as pernas fora do chão, deixando apenas a ponta dos pés sobre a terra da calçada. Tinha de tentar agarrar a pistola de uma única vez e em seguida correr, sua salvação seria caso chegasse mais adiante, atrás de um amontoado de tralhas velhas que só agora tinha notado. Deixou o silêncio lhe tomar o pensamento por alguns segundos e em seguida abriu um riso, afinal, se morresse ali, aquilo não seria o fim de sua jornada. Saltou com todas as suas forças para alcançar a pistola.
ㅤㅤ Dentro do carro, a mira impecável de Josué apontava para um lugar diferente da do resto dos seus homens. Eles pararam de atirar a mando dele, e agora aguardavam suas ordens, mirando todos para a mureta. Mas não seria ali que o inimigo estaria. Aquele desgraçado que tentara parar eles agora iria reaver sua arma de fogo, Josué estava pronto para disparar, a mira fixa alguns centímetros acima da pistola caída na calçada. Nos bancos de passageiros, dois homens estavam caídos, um com um sangramento feio no braço gemia feito uma morsa. O outro, com um buraco feio na jugular, jazia imóvel no chão do carro. Movimento, Dimitri saltou de trás da mureta e entrou perfeitamente na mira de Josué, ia puxar o gatilho, quando sentiu uma pontada de dor no ombro e a mira se desfez, fazendo seus disparos acertarem o muro atrás do pálido algoz dos mercenários.
ㅤㅤ – Josué! - Gritou um dos homens dentro do carro, olhando para ele e abaixando o fuzil.
ㅤㅤ – Anda com o carro, homem! - Foi o que ele conseguiu falar, direcionando seu olhar para o motorista ferido no braço, ao seu lado. O pistoleiro profissional arfava enquanto segurava com força o ombro ferido, uma bala certeira o atingiu ali. A van disparou pela rua, ganhando distância do tiroteio. Três tiros ainda soaram, quebrando o vidro de trás da van e arrancando a vida de mais dois homens.
ㅤㅤ Azaias abaixou a pistola, apoiado sobre o muro. Romanov estava ali atrás, dando seus ombros como apoio para o negro não precisar saltar o muro, e sim, atirar usando-o como barreira. Do outro lado dos tijolos, Dimitri sentava-se cansado na calçada, deixando o peito ir e vir freneticamente em busca de ar. O mago descendente de russos tinha um sangramento leve no ombro, fruto de uma bala que o atingira de raspão, instantes antes.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Felipe acelerava quase sem pensar que possíveis carros pudessem se colocar no seu caminho. Furava sinais vermelhos e deixava buzinas enlouquecidas para trás. Estava entrando para a área pavimentada da cidade, o trânsito aumentava, assim como os riscos de se dirigir daquela forma. Os dedos batucavam o volante, escondendo sua tensão. Queria fumar, relaxar, mas não era a hora exata para isso. Agora, tinha de se concentrar em achar a isca, ela já sabia da existência dele. Já sabia que não eram apenas sonhos e pesadelos, que não estava ficando louco.
ㅤㅤ Tentou, novamente invadir a mente de Hiroshi, mas descobriu que mais uma vez os laços feitos entre sua alma e a dele estavam obstruídos. Malditos Magos da liga! Queixava-se em silêncio. Olhou de relance para trás, vendo vidros estilhaçados e um homem gemendo no fundo com um ferimento à bala. Eles estavam agindo mais rápido do que pensavam.
ㅤㅤ – Não preciso voltar a dizer o quão estúpido você foi, preciso? - A voz de Tobias soou, rouca e grave, atrás do banco. - Dimitri, Azaias e Vicente são homens que não brincam em serviço. Quando você os atraiu, deixando as informações vazarem de seu computador, pensava que seriam meros peões no seu jogo todo. Mas a merda foi, guri, que você esqueceu-se que cada um deles é igual a mim. E eu não sou qualquer brincadeira, qualquer bostinha.
ㅤㅤ "No início, eu formulei todo o plano pra você. Te dei as dicas e indicações, e até mostrei como entrar em contato com a liga. Mas olha só, cabra, agora é com você. Eu, Tobias, sou só um velho arretado que está dando auxílio ao aprendiz. Se você não se cuidar, eles te derrubam. Principalmente o Vicente, quando o cabra enfia algo na cabeça, dificilmente ele larga mão.”
ㅤㅤ Não houve resposta para o monólogo de Tobias.
ㅤㅤ Felipe acelerou mais e virou bruscamente uma esquina, com um sorriso na face. Vira, de relance, a um outro veículo grande e quadricular virando a esquina adiante. Ignorou qualquer coisa que seu mestre falasse, ainda alcançaria a Isca. Ainda podia senti-la, mesmo que fracamente, dentro de seu ser. Afinal de contas, a decadência de Hiroshi era a sua ascendência. Piscou os olhos, deixando a energia maligna dominá-lo por um segundo, no qual soltou um grunhido inumano: Já sentia as forças crescendo dentro de seu corpo, logo tomaria seu lugar de direito.
ㅤㅤ
ㅤㅤ – Não, não. Espera, mano! - Carlos gritou no ouvido de Hiroshi, só assim se fazendo escutar.
ㅤㅤ O nipônico passava acelerado pelas ruas, havia poucos minutos, tinham entrado numa parte pavimentada do bairro, dando a eles um pouco mais de estabilidade da direção. Deixou toda a confusão da sua cabeça de lado e virou-se para Carlos, dando-se ao luxo de estacionar no acostamento para dar atenção ao amigo.
ㅤㅤ – Nossa, cara, tô te chamando faz tempão. Ficou surdo?
ㅤㅤ – Não, Carlos. Só... só estou tentando pensar direito.
ㅤㅤ – É. Mas nessa aí quase atropelou meio mundo. Olha, a gente não pode dirigir feito louco sem saber para onde ir. Tu vai pra algum lugar agora? Voltar pra casa ou ir pra casa de alguém?
ㅤㅤ – Não sei. Acho que vou pra um hotel ou coisa do tipo, não quero arriscar a vida dos velhos.
ㅤㅤ – É uma boa. - Respondeu Carlos, emfim podendo racionar melhor.
ㅤㅤ Subitamente, a menina colocou a face de pele escura no meio dos dois.
ㅤㅤ – Não. - E olhou para Hiroshi. - Você tem que ir para quem há de lhe revelar tudo.
ㅤㅤ Os dois olharam para a garota como resposta.
ㅤㅤ – E quem seria essa pessoa, menina?
ㅤㅤ – Luana.
ㅤㅤ – Luana? - Indagou Hiroshi, tentando lembrar de alguma que conhecia.
ㅤㅤ – Não, Luana é meu nome, não precisa me chamar de menina. A pessoa que você deve procurar é alguém que conhece você desde sua infância, vi vocês brincando juntos.
ㅤㅤ – Melissa? - O nome veio quase que de imediato.
ㅤㅤ – Não é uma mulher. É um garoto. Assim como você, é japonês – ou chinês, sei lá. Ele é pálido e magro, quase sempre parece ter uma cara de sono. Ele vai contar para você, de alguma forma, tudo que você precisa saber.
ㅤㅤ – Viu tudo isso?
ㅤㅤ – Mais ou menos.
ㅤㅤ – Certo. Eu já sei para onde vamos. - A fala de Hiroshi assustou ambos.
ㅤㅤ – Mas já? - Carlos perguntou, descrente.
ㅤㅤ – Só há uma pessoa que eu conheço que se encaixa nessas descrições todas. E acho que ele tem o jeito perfeito de encontrar tudo que precisamos.
ㅤㅤ – Bom, se tem tanta certeza, vamos rápido. - Luana disse, voltando a se sentar em seu banco.
ㅤㅤ – Certo.
ㅤㅤ Hiroshi já ia ligar o motor da van novamente quando Carlos intercedeu.
ㅤㅤ – Opa, opa. Calma lá, Hiro. Deixa eu dirigir.
ㅤㅤ – Você!?
ㅤㅤ – É.
ㅤㅤ – Já dirigiu antes?
ㅤㅤ – Já sim.
ㅤㅤ – Mas você não tem carro, eu tenho mais prática.
ㅤㅤ – Eu sei, mas só que você anda feito um louco pela cidade, cara. Se tu quer andar rápido, tem que fazer direito. E pra isso é preciso algo que você não tem.
ㅤㅤ – O que?
ㅤㅤ – A Malandragem.
ㅤㅤ Com o grandioso argumento, Hiroshi não mais questionou. Apenas trocou de lugar e deixou Carlos dirigir. O mulato, logo ao sair, passou raspando com o carro em dois veículos de jovens que se aventuravam na madrugada. Arrancando xingamentos dos meninos. Carlos riu em resposta, deixando tanto Hiroshi quanto Luana com medo da decisão de deixá-lo no volante.
ㅤㅤ Enquanto isso, no último um celular preto de última geração vibrava, sem chamar a atenção de ninguém.
ㅤㅤ
ㅤㅤ – Nada.
ㅤㅤ Marco já estava bem melhor agora. Sabia que Raquel, a moça, ainda não havia morrido, mas que em breve sua alma seria devorada por completo. Deixaram-na na casa abandonada desacordada, e assim ela ficaria até o fim de sua vida. Morreria, tendo como causa da morte um infarto. Mas na verdade, seu subconsciente lutaria até não poder mais para se livrar dos demônios. Balançou a cabeça, afastando os pensamentos e se voltou ao monitor do laptop ligado, no seu colo. Marco usava fones de ouvido e microfones.
ㅤㅤ – Mas que droga! O que diabos Dimitri e os outros estão fazendo!?
ㅤㅤ Estavam com o vectra estacionado numa rua onde rachaduras e buracos rompiam em vários pontos da estrada, o bairro pobre começava a ganhar novas infra-estruturas, mas havia muito tempo desde que o governo se importara em cuidar bem do que davam a eles.
ㅤㅤ Marco deitava os dedos sobre as teclas rapidamente, deixando o barulho de teclar rechear o carro sedã. Fazia duas coisas ao mesmo tempo, a primeira, era ligar para Azaias e Dimitri. A segunda era tentar invadir a rede de localizadores GPS da van que eles alugaram. Se não entravam em contato com eles, pelo menos poderiam segui-los. Ficou alguns minutos em novas tentativas de ligações, mas nenhum dos números discados tinham resposta. Finalmente, desistiu das ligações e começou a se concentrar na invasão do programa de ligazação. Entrou no site da empresa pelo prompt de comando e, de uma abertura da segurança do site, invadiu a rede de computadores. Os dedos viajavam enquanto ele quebrava defesa por defesa do firewall da rede. Não demorou muito, uma imagem do mapa da cidade, surgiu. E, nele, um ponto vermelho piscando em movimento, numa rua. Abriu um sorriso e virou-se para Vicente.
ㅤㅤ – Pronto, localizei.
ㅤㅤ – Está muito longe daqui? - O mestre foi direto, já ligando o carro.
ㅤㅤ O discípulo olhou para fora, identificando a rua em que estavam e o número de uma casa da quadra. Jogou informações no sistema aberto e logo outro ponto apareceu na tela. Seus olhos se arregalaram e ele se virou para vicente, que estava começando a sair do acostamento.
ㅤㅤ – Chefia...
ㅤㅤ – Diga, Marco.
ㅤㅤ – Lá.
ㅤㅤ No exato instante, uma van passou cruzando a toda velocidade na esquina. Segundos depois, uma segunda van passou correndo atrás da primeira. Vicente demorou um pouco mais para compreender a cena e tirar alguma conclusão. Provavelmente, Tobias descobrira que a Liga já estava ali, e estava os perseguindo. O vectra cantou com os pneus e disparou atrás da perseguição.
ㅤㅤ
ㅤㅤ O Tiradentes já estava ficando para trás, em breve a van agora dirigida por Carlos alcançaria a avenida. Hiroshi estava ainda tenso, sentia que ainda não estavam seguros, alguma coisa dentro dele dizia. Ainda conseguia controlar sua raiva, que antes o deixava desenfreado, mas agora voltava a sentir aquela grande presença sobre seu corpo, como se estivesse sendo observado.
ㅤㅤ Um toque gelado o fez quase saltar o banco. Luana segurava seu braço, a menina tinha os olhos vidrados a frente e a boca parecia tentar balbuciar alguma coisa. Estava da mesma forma que na primeira vez que a encontrara, na porta do quarto de Amaro. Ela respirou fundo, segurou o ar dentro de si por alguns segundos, para então soltá-los lentamente. Um sussurro veio junto de seu alívio.
ㅤㅤ – ...Perseguidos. - Disse apenas para Hiroshi.
ㅤㅤ Assustado o nipônico ajeitou-se no banco e olhou pelo retrovisor, no exato instante em que a van entrou no campo de visão. Calafrios passaram por todo o seu corpo, estavam atrás dele. Chacoalhou Carlos com tanta força que ele quase perdeu a direção.
ㅤㅤ – Estão nos seguindo. - E apontou para trás. - Acelera, cara! Acelera!
ㅤㅤ – Pode deixar, mano. Eles não alcançam a gente, mas nem a pau!
ㅤㅤ Engatou a próxima marcha e afundou o pé no acelerador. Não era o melhor veículo de corrida, mas por sorte o veículo do inimigo também era uma van. Felipe acelerava furioso a van, o pé deixando o acelerador praticamente encostado no solado. Ali atrás, ouviu seus capangas destravarem armas e fuzis. Sem desviar o olhar da estrada, Felipe comandou seus homens.
ㅤㅤ – Nenhum tiro certeiro! Apenas parem o carro, quero o cara ali dentro vivo!
ㅤㅤ A maioria não respondeu a ordem do garoto, mas eles já tinham entendido o comando. Janelas se abriram dos dois lados do veículo, e três homens colocaram metade do corpo para fora, mirando com as armas contra o carro a frente. Agora não precisavam esconder o poderio de fogo, os fuzis contrabandeados começaram a disparar periodicamente contra o carro a frente. As vans furavam sinais vermelhos e vez ou outra tinham de desviar dos carros no caminho, forçando movimentos bruscos que quase derrubavam os atiradores de Felipe e faziam Luana e Hiroshi se segurarem firms no carro a frente.
ㅤㅤ Os tiros, em suma maioria, não acertaram o veículo. Homens com miras excelentes eram difíceis de se achar, mesmo no submundo do crime. O fato de aquilo ser um tiroteio em movimento e de que Felipe os queria vivos dificultava ainda mais as rajadas de tiro. Carlos suava frio, e seus olhos mau piscavam enquanto mantinha-se focado na rua. Não havia nem mesmo ousado virar em alguma esquina, aquela pequena avenida teria de levá-lo o máximo de tempo que pudesse. Os vidros do carro, por algum sacro milagre, ainda estavam intactos e eles não haviam recebido nenhum tiro, mas os ouvidos tiniam com o barulho dos estalos na lataria da van. Estavam sob fogo inimigo. A concentração fora tanta que nem vira quando Luana se esforçou para jogar o corpo para frente, deixando com que metade do tronco ficasse no banco da frente, ao lado do motorista.
ㅤㅤ Hiroshi observou a menina, a feição dela ainda era extremamente estranha, e mantinha-se focada na estrada. Até que subitamente, ela desviou o olhar, encontrando-o com o seu.
ㅤㅤ – Sabe onde deve ir?
ㅤㅤ – O que?
ㅤㅤ – Estou perguntando se você sabe onde ir.
ㅤㅤ – Sei!
ㅤㅤ Ela apenas meneou a cabeça positivamente e virou-se para Carlos.
ㅤㅤ – No seu ritmo, chegaremos ao fim dessa avenida em instantes. Preciso que, quando vir uma grande placa vermelha, vire imediatamente na rua de sua esquina.
ㅤㅤ – Nem rola, guria. Acelerando assim a gente ganha distância, ou pelo menos a gente não deixa eles se aproximar. Diminuir velocidade pra uma curva é arriscado.
ㅤㅤ – Tem de fazer isso, caso contrário, morreremos todos!
ㅤㅤ – Como é que você sabe!? - Carlos virou-se, encarando-a por meio segundo antes de voltar o olhar para a direção. A resposta não veio dos lábios da mulata, e sim de um maldito solavanco que atingiu o carro. No instante seguinte, Carlos lutava para manter a direção e um barulho ensurdecedor vinha da lateral do carro, haviam estourado um dos pneus.
ㅤㅤ – Vire. Ou não conseguiremos!
ㅤㅤ – Tá! Tá! - Gritou Carlos, quase sem dar mais atenção a menina. O carro perdera velocidade e agora os tiros que acertavam a lataria eram cada vez mais constantes. Olhou atentamente a rua, realmente, estava para terminar. A menos de dez quadras a rua parecia se bifurcar em duas menores que iam uma para cada lado. Meteu os olhos nas casas ao lado procurando a tal placa vermelha.
ㅤㅤ Sorriso brotou do seu rosto quando viu “Americanas Express” na esquina da rua seguinte. A rede de lojas havia se expandido na cidade não tinha nem dois anos, e agora, em quase todo lugar haviam as Express. Era quase tão comum quanto os inúmeros supermercados Comper que haviam na cidade. Mas o que importava não era o fato da loja estar ali, e sim de sua placa estar ali: Um grande poste de ferro com o letreiro no centro de uma bola vermelha. Carlos diminuiu a velocidade e virou-se na esquina com tudo.
ㅤㅤ Entrou numa ruela pequena, porém pavimentada, que parecia levar até o início do núcleo central da cidade, que se fazia presente ao longe. As mãos do churrasqueiro estavam calejadas e doloridas de tanta força que implicava no volante para manter a direção reta. Agora, a van estava quase na cola deles, virara a esquina há poucos segundos dele. Luana cutucou seu ombro e apontou para o velocímetro.
ㅤㅤ – Você precisa chegar a noventa quilômetros.
ㅤㅤ – Como se fosse fácil!
ㅤㅤ – Você precisa! Senão nós...
ㅤㅤ – Tá! Senta lá, Luana!
ㅤㅤ Carlos desviou o olhar para Hiroshi, para tentar ver o que lhe arremetia. Assustou-se ao ver o nipônico repousando no banco, segurado pelo cinto de seguranças. Dormindo!? Numa hora daquelas!? Um flash veio a sua cabeça, lembrando da história que ele havia contado. Se tudo fosse verdade, talvez agora estivesse num dos tão horríveis pesadelos.
ㅤㅤ Luana chamou sua atenção novamente. Os tiros quebraram o vidro de trás, e uma bala atravessou todo o carro fazendo uma rachadura no painel da frente, bem próximo ao assento do motorista.
ㅤㅤ – Noventa!
ㅤㅤ – Cala a boca, guria!
ㅤㅤ E, num último esforço, Carlos desceu todo o peso no acelerador e estacou os braços no volante. A van num último esforço acelerou com tudo e atravessou uma rua, deixando para trás um enorme vulto que tampou tudo atrás deles.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Miguel não via a hora de voltar para casa. O caminhão de tantas viagens estava todo sujo da poeira da estrada, e agora ele teria três dias de folga para relaxar e lavá-lo quando desse vontade. A distribuidora que o contratou oferecia um bom salário e um ótimo seguro para seu parceiro de tantos anos, o caminhão Janete, como o apelidara. Morava no subúrbio da cidade, no Tiradentes. Tranquilo, estava a menos de cinco quadras de sua casa, passando com o gigante veículo pela estreita rua onde morava. Ia avançar uma esquina onde ele tinha a preferência, quando um vulto branco passou com tudo a sua frente. A reação de Miguel veio atrasada, e ele só consegui frear depois que a van passou, e seu gigante caminhão parara no meio do cruzamento.
ㅤㅤ Já ia botar a cabeça para fora para xingar o barbeiro que passara, quando ouviu um pneu patinar no asfalto do outro lado. Logo em seguida o som estrondoso de um carro tombando, por fim, um forte impacto sacudiu o caminhão, mas não o tirou do lugar. Assustado, Miguel soltou-se de seu cinto e foi para o assento do passageiro para ver pela janela. Ali, do outro lado, uma segunda van estava tombada, a lataria do carro grudada na Janete.
ㅤㅤ Felipe, enfurecido e atordoado, abriu a porta do carro e desprendeu-se do cinto. Esqueceu-se que o carro estava de lado, e logo seu corpo caiu com tudo. Grunhiu de raiva e levantou-se ali dentro, juntando forças para novamente sair do carro. Nem deu bola para os outros, a maioria ali ainda estava juntando forças e tentando recuperar a consciência. Até mesmo Tobias ainda estava parado de olhos fechados, segundos atrás ele gritava e urrava feito um louco, apreciando aquela perseguição maluca. O jovem discípulo fechou os olhos e reuniu toda a raiva dentro de si, abriu-os furioso e como reposta um brilho avermelhado emanou-se de suas orbes. Saltou para fora do carro de uma única vez, caindo sobre a lataria tombada da lateral da van.
ㅤㅤ Miguel gritava com o garoto louco, e já estava para descer do caminhão e cobrar explicações daquela maluquice. Quando por um instante seus olhos se encontraram com os de Felipe, o garoto tinha brasas nos olhos e uma feição quase demoníaca. Por impulso, Miguel se jogou para dentro da cabine novamente e benzeu-se, como crente que era. O garoto era o capeta!
ㅤㅤ Tudo o que o caminhoneiro fez foi se encolher ainda mais, quando ouviu um urro de raiva vindo de fora.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Vicente freou o carro bruscamente na esquina.
ㅤㅤ Ali, adiante naquela pequena rua viam um grupo de homens saltarem para fora de um veículo tombado na frente de um caminhão. O grisalho esboçou um sorriso faceiro quando identificou Tobias no meio deles, conversando com um jovem que só podia ser seu discípulo. Marco, por sua vez, apenas desviou o olhar por um segundo para fora e em seguida voltou-se para seu computador portátil. A tela mostrava um mapa no canto da imagem, junto de vários outros programas abertos.
ㅤㅤ – A nossa van está indo na direção da... Avenida Eduardo Elias Zahran.
ㅤㅤ – Certo. Acho que agora eles vão nos contactar.
ㅤㅤ – Já estão. Mas o número não é o dos celulares deles.
ㅤㅤ – Como é? - Vicente desviou o olhar do acidente por um instante vendo a tela.
ㅤㅤ Uma pequena janela piscava no canto, mostrando um número desconhecido.
ㅤㅤ – É um orelhão.
ㅤㅤ – Pois atenda! - Disse impaciente.
ㅤㅤ O discípulo respondeu apenas apertando uma tecla, que abriu a janela e a ampliou.
ㅤㅤ – Alô? - Uma voz baixa e suave soou.
ㅤㅤ – Romanov? - Marco respondeu pelo microfone.
ㅤㅤ – Sou eu, Papai e Azaias me deixaram para trás para que eu ligasse para vocês para lhes dar as informações novas. - Agora, prestando mais atenção, parecia que Romanov falava pesadamente. - Nós não conseguimos proteger a Isca, entretanto, demos nosso carro para que ele fugisse.
ㅤㅤ Vicente e seu pupilo se entreolharam por um segundo.
ㅤㅤ – Eles escaparam, acabamos de presenciar uma perseguição digna de filmes da Holywood. Pensávamos que eram vocês, e que Tobias estivesse atrás de nós.
ㅤㅤ – Não. Tobias e seu discípulo estão atrás da Isca, querem tê-lo como prisioneiro até o fim do rito. Contrataram um monte de capangas para fazer o trabalho sujo, estão enfiados em três carros. Nós fizemos um entrar dentro de uma casa, mas os outros dois escaparam. Tomem cuidado, se vocês estão de olho em apenas uma van, tem outra rondando a área ainda. ㅤ
ㅤㅤ Como que por instinto, Vicente levantou os olhos e olhou em volta. Em seguida voltou-se, deixando sua face também perto do microfone.
ㅤㅤ – Não há perigo. De qualquer forma, não tem do que desfiar de nós, o carro em que estamos tem os vidros com insulfilm . Somo um veículo comum parado no acostamento, neste instante.
ㅤㅤ - ... - Romanov demorou a responder. - Certo. Azaias ainda consegue localizar a Isca através dos espíritos, ele e o Papai vão atrás dela. Acharam uma moto velha na frente de uma casa da quadra onde o tiroteio aconteceu. Vão oferecer nossa proteção em troca de que ele coopere para o fim do ritual. Eu vou me arranjar por aqui, acho que assim que o Papai se estabilizar com relação à Isca, ele vai me contactar através de nosso elo, e vou direto para lá. O que vocês vão fazer?
ㅤㅤ Vicente olhou novamente para a rua, Felipe falava no celular. O grisalho concluiu que não demoraria muito para a outra van aparecer ali para pegá-lo. Trocou um olhar com Marco e em seguida meteu os olhos na maleta prateada no solado do banco de trás. Virou-se novamente, deixando com que a voz soasse pelo microfone.
ㅤㅤ – Nós vamos tentar raptar o garoto do Tobias. É essencial para que nós consigamos quebrar o ritual. E acho que não devemos deixar para última hora.
ㅤㅤ Romanov mais uma vez custou a responder, como se pensasse no assunto.
ㅤㅤ – Romanov?
ㅤㅤ – Tudo bem. - Disse finalmente. - Vou repassar todas as informações... Tome cuidado.
ㅤㅤ – Certo, vocês também, ajam rápido!
ㅤㅤ Marco fechou a linha e olhou para o mestre.
ㅤㅤ – Vamos mesmo tentar isso, chefia?
ㅤㅤ – É o jeito, meu caro. - Disse Vicente, arrumando coragem. - É o jeito.

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