quarta-feira, 29 de julho de 2009

A música do Coração - Parte 3


Thomas já estava quase desistindo de esperar ali, sentado abaixo do espantalho. Ela não viria, pensou ele. O que diabos ele estava pensando, afinal de contas? Se desiludiu e levantou-se para ir embora. Começou a caminhar em direção à casa, quando uma pedrinha acertou seu ombro e caiu na sua frente. Virou para trás e lá estava ela, sorridente, com uma caixa de madeira em baixo de um dos braços. E com o caderno aberto no outro. Levantou a folha para ele.


Xadrez? ” - Disse ela com a folha, e logo depois levantou a caixa do outro braço.

Sim. Pode ser. ” - Ele fez com a cabeça. E voltou para sentar-se junto da garota.


Sophia era uma craque em jogar xadrez, pelo que parecia. Mas Thomas tinha ao seu lado um grande aliado, o silêncio. De modo que o jogo corria acirrado desde o primeiro segundo. Ninguém dizia nada, e não era porque Thomas era surdo. Eles estavam pensando mesmo. A cada jogada, um suspiro escapava de um deles e uma nova estratégia precisava ser bolada.


O jogo estava em um momento quase crítico, com Thomas possuindo dois peões, uma rainha e um cavalo. Enquanto Sophia tinha a rainha, um bispo e as duas torres. Ela olhou para ele enquanto ele pensava no movimento, e logo depois escreveu algo no caderno.


Gosta de Xadrez, certo? ” - Mostrou ela.


Não. ” - Respondeu claramente com a cabeça.


E como joga tão bem? ” - Outra folha.


Não sei. ” - Veio a resposta, com Thomas abrindo as mãos, inclinando a cabeça e levantando os ombros.


Então, o que gosta de fazer? ” - Disse ela. Enquanto via ele movimentar a rainha.


Não sei. Talvez escutar música. ” - Falou, fazendo o mesmo movimento de antes e apontando para o fone de ouvido jogado no canto.


Como assim, escutar música? Você não pode ouvir, certo? Que tipo de música você poderia escutar, então? ” - Escreveu ela, para depois movimentar o bispo, engolindo com gosto o cavalo de Thomas.


A solidão do silêncio.” - Respondeu ele, escrevendo rapidamente na folha dela. Para logo depois mover a rainha à frente. Não tinha gostado de perder o cavalo.


E isso é bom? ” - Escreveu ela, com um sorriso maroto na cara, por que logo em seguida uma torre se deu ao belo trabalho de devorar a rainha de Thomas por inteiro.


Não sei, não posso escutar. Mas ela é minha amiga. ” - Escreveu com uma cara emburrada, não previa que perderia seu Ás da manga assim tão facilmente.


Mais amiga que eu? ” - Escreveu. E Xeque-Mate.


Naquele momento, nem a derrota no jogo interessou Thomas. Uma coisa mais interessante encheu sua cabeça de conclusões sobre coisas que já conhecia e dúvidas que surgiram a partir dali. O garoto notou que em todo e qualquer momento que passava com Sophia, a Solidão do Silêncio deixava de existir, como se esquecesse dela completamente. Ficou pensando naquilo por um bom tempo, perdido em seu próprio mundo. Demorou para notar o caderno dela se agitando na frente dele.


Tenho que ir, Perdedor. Espero que seja melhor com Damas ou Gamão.


Dizia o caderno. Viu a garota sumir no meio do matagal da plantação,e respirou aliviado, enquanto sentia um peso sair das suas costas. Tinha feito uma amiga de verdade, certo? Uma que não o trairia por causa de sua depressão, certo? A resposta positiva daquelas duas perguntas o tentavam. De maneira que ele soltou um belo sorriso. Um, que não dava já fazia vários meses, talvez desde o dia em que viu o Violinista pela primeira vez. E, pensando nisso, a vontade de ouvir veio novamente. E a Solidão do Silêncio novamente pousou em seus ombros, voltando à dar a ele o fardo de sempre.

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