quarta-feira, 29 de julho de 2009

A música do Coração - Parte 2


Depois do dia do concerto do violinista, o jovem Garoto começou a vivenciar a tempestade mais violenta de sua vida. Começou com um simples e silencioso sofrimento, que não compartilhou com ninguém. Mas o sofrimento aumentou e expandiu-se, de modo que houve um momento, em que ele não conseguiu mais esconder sua angústia. A vontade de querer ouvir nasceu dentro dele e agora não queria voltar à adormecer. Perguntou aos pais sobre cura, algo que nunca havia perguntado antes. Sua resposta foi um triste balançar negativo com a cabeça.

Sem algo em que se apoiar, o garoto começou a andar pelas ruas com um grande fone de ouvido tocando músicas do violinista em volume máximo. Era a última palha de esperança do menino, caso não fizesse aquilo, não poderia seguir em frente, pois seu único sonho estaria destruído pela impossibilidade.

Irônico, não era? Pensou outro dia. O único sonho que tivera em sua vazia vida, era o único que não podia realizar.

A vida seguiu, e o garoto voltou a monotonia dos dias. Não estudava, e para compensar, ajudava o pai na plantação e a mãe, com as atividades domésticas. Mas nem por isso deixou de estar com o fone de ouvido junto dele. O brilho do seu olhar, que já era pouco, se tornou quase inexistente, tudo graças à uma vontade. Ele pensou naqueles dias consigo mesmo “ Porque sonhos e vontades existem? Para mim, só servem para sofrer. ”. Outono, Inverno, Primavera, Verão; o tempo passou num piscar de olhos para o vilarejo, embora para o garoto, pareceu cada dia ter durado uma eternidade. Os amigos, aos poucos, começaram a se afastar do garoto, ele não tinha mais graça. Tinha perdido o pouco que tinha e agora era chato e bobo, como diziam as crianças. Mas nem mesmo o garoto não se importava, adotou como amiga, a solidão do silêncio, como ele mesmo quis nomeá-la. E junto dela, aquela vontade de poder ouvir, que nunca desaparecia.

POW!

Enquanto tinha um de seus momentos de reflexão, após ajudar o pai a colher o milho, uma bola de futebol acertou sua cabeça em cheio. O fone saiu de seus ouvidos, voando longe e ele ficou meio desorientado por um segundo. Virou-se para encarar que havia chutado. Segundos depois, da direção para qual olhava surgiu uma garota de cabelos encaracolados castanhos vestindo um macacão todo sujo. O garoto fixou nela um olhar de raiva por um instante, para logo depois ir até seu fone e colocá-lo novamente no ouvido. A garota pegou a bola e foi até ele, falando algumas coisas. Mas ele não podia ouvir. No fim, a garota emburrou a cara, virou-se e correu para o meio do matagal novamente.

No outro dia, ele tinha feito a mesma coisa. Era época de colheita, e por isso, ele e o pai tinham de fazer a mesma coisa durante alguns bons dias, para garantir que o dinheiro entraria para eles no fim do mês. E novamente, quando o trabalho se encerrou, parou no meio do matagal, recostado no espantalho, deixando seus triste pensamentos fluírem. Já estava no meio de uma discussão assídua com a solidão do silêncio quando a mata à frente se moveu e logo, a garota do dia anterior apareceu, parecendo vestir o mesmo macacão. Só que agora estava sem a bola, no lugar dela, carregava um caderno nas mãos. O garoto moveu seus olhos para ela, e quando se fixou na garota, ela abriu o caderno, mostrando a primeira página.

Desculpe, não sabia que era Surdo. Pensava que tinha me ignorado ontem.

Ele apenas balançou a mão na direção dela. O que, por linguagem corporal significaria algo como:

Tudo bem.

A menina pareceu ter captado a mensagem dele, de modo que abriu um sorriso e se aproximou do garoto, sentando ao lado dele. Ficou em silêncio por um breve segundo, olhando para a direção que ele olhava. E então, pegou do bolso uma caneta tinteira, virou a página e escreveu na próxima:

Sem querer me intrometer, já me intrometendo, porque fica com o fone de ouvido?

Ele pediu a caneta dela e escreveu, usando o restante da folha.

Desejava poder ouvir.

A garota sentiu-se constrangida consigo mesmo, coisa que podia ser notada pelas bochechas que se avermelharam de vergonha. E desviou o olhar, tentando esconder a face. Afinal, tinha tocado num assunto delicado, ao qual ela não podia fazer nada. Ou podia? Ficou imóvel por alguns segundos, e nesse tempo, o garoto se levantou e foi caminhando em direção a casa dele. Virou-se para trás e acenou para a garota. Afobada, a garota levantou-se rapidamente e correu até ele, ficando parada à sua frente. Rabiscou algo no caderno com pressa e logo em seguida empurrou ele na cara do garoto.

Sou Sophia. E você?

Parou alguns instantes, e logo depois, pegou o caderno das mãos dela e respondeu.

Sou Thomas.

E antes que ele pudesse voltar a andar, ela escreveu novamente, e mostrou a ele.

Posso voltar aqui? Para conversar com você mais vezes? ”

A pergunta era inesperada, de maneira que o garoto não soube como responder. Sem que percebesse, meneou a cabeça positivamente para a garota, e em seguida, voltou a andar. Não viu mais ela naquele dia, pois saíra correndo após a resposta dele. Os passos de Thomas ficaram mais lentos enquanto pensava. Afinal, o que ela havia visto de interessante nele? Decidiu deixar para pensar naquilo outro dia. E entrou em sua casa.

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