sexta-feira, 14 de maio de 2010

Prazeres Devaneios

Não que eu não fosse capaz de sobreviver do jeito que eu era antes. É só que... eu descobri um modo melhor. Meus antigos anos de ouro vieram na época em que eu era tão gentil quanto uma serra elétrica. Em menos de duas semanas meu pseudônimo e meu apelido ficaram conhecidos por todo o Brasil. Eu era nada mais que o “Curupira”. Nunca entendi direito, mas gostava do apelido e me lembrava dele sempre que eu dilacerava uma vítima minha no meio do mato.

Mas todos meus dias de glória terminaram quando o Delegado Prado e seus puxa-sacos conseguiram me encontrar. Pensei que minha posição social pudesse me salvar, afinal de contas. Me jogaram numa sala individual e a prisão se tornou um inferno. Cheio dos gritos de tortura que os presos continham em suas celas cheias. Minha felicidade decaiu. Nunca mais consegui dilacerar ninguém e o prazer por dissecar os órgãos de um ser humano vivo iam aos poucos perecendo, assim como a fúria de um leão que é preso em cativeiro.

Continuaria pura e simplesmente assim, por muito e muito tempo. Se não fosse por aquele milagroso dia. O horário de almoço era sempre algo tenso para os presos de celas individuais. Era um horário em que nós estávamos juntos dos outros presos. Todos sedentos por te matar por seus crimes lá fora. A gororoba era a mesma de sempre, mas já estava me acostumando com aquilo. Estava me acostumando demais com tudo aquilo, tanto que nem percebi quando o ser do meu lado começou a cochichar xingamentos a mim. Os primeiros foram tão baixos que eu nem pude notar, mas conforme passaram os poucos minutos, a intensidade e deboche com a qual ele falava começou a me perturbar exageradamente. Tanto que, enraivecido, ataquei-o. Vocês não sabem como é ótimo ver uma colher de plástico enfiada no olho de alguém que você odeia.

Achei divino a cena e aquilo acendeu quase todos meus ânimos. Até os agentes chegarem, me espancarem e me jogarem na solitária. O cubículo não tinha nada, e um dos guardas, dando risada jogou um livro para dentro da cela, dizendo que seria meu único companheiro por toda minha estadia na cela. Nutrido pelos meus ânimos despertos pelo sangue do outro, peguei o livro e dei risadas enquanto o lia com o pequeno faixo de luz que adentrava a cela. A primeira semana se passou daquela forma, só lia. Lia e Relia “O Mágico de Oz”. Animado. A segunda se passou com eu admirando cada palavra do livro, a loucura tomou conta, impulsionada pela solidão e pela recente matança. E foi com ela que comecei a amar o tal livro. O restos dos dias se passaram da mesma forma, até que fora libertado.

Novamente livre, lia todos os livros que me eram dados com um prazer imensurável. Esqueci do tempo, do meu corpo e do resto de minha vida. E quando menos notei, estava livre. Pronto para ler histórias de livros para homens com sangue no lugar dos olhos e da língua. Minha nova época de ouro havia chegado.

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