segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Monólogo - 4

Postagem dedicada para Thais Akina, como presente de aniversário. Parabéns Akina! 8D





Preso em seu pequeno mundo de luz, o Pierrot. A cara pintada de branco, com contornos vermelhos exagerados em volta da boca e dos olhos. O espalhafatoso chapéu de Bufão, feito em cores alternadas de azul e amarelo; e a roupa, larga e folgada com grandes botões decorados. E também seu sapato com ponta empinada para cima e as luvas brancas gigantescas nas mãos. Desta vez o protagonista da peça única estava sorrindo. Sorria como talvez nunca fizera antes. Se postava de pé e tinha os braços dobrados atrás do corpo.

- Sabe, um sopro de vida me invadiu. - Disse ele, apenas se contentando em se contorcer, quase como uma garota faria ao falar de seu primeiro amor. - Um sopro de vida que eu nunca pensava que poderia vir a mim novamente. Mas veio, e cá estou, agora alegre. Agora quase feliz. Sinto-me como se parte de tudo que perdi pudesse estar ao meu alcance novamente, algum dia. Isto não é ótimo? Tudo por causa de uma agradável companhia.

Finalizando a fala, O Pierrot trouxe suas mãos para a frente, mostrando, para quem quer que o observasse, uma pequena boneca. Uma daquelas que se dava para uma garota no dia de seu aniversário. Era feita de pano, tinha um vestido azul bordado e cabelos dourados feitos de fios de linha. A boneca sorria, e assim o Pierrot imaginava que ela sorria para ele. Que fosse a única que um dia se importou com ele e agora estava ali, lhe acompanhando naquela jornada escura de solidão. Levantou-a para cima com os braços esticados e começou a saltitar rindo pelo palco de tablados de madeira. Seus passos ecoavam alto no mundo onde apenas ele existia dentro da luz. Mas agora não era apenas ele. Tinha uma companhia, uma doce companhia. E a ela, ele abraçou enquanto dançava. Como se fosse sua amada. O ritmo dos passos foi, lentamente, se tornando mais calmo e manso, até que finalmente o Pierrot parou, de costas para o imaginário público, apenas acolhendo nos braços sua pequena.

- Mas tudo não passa de uma ilusão, não é mesmo? - Disse quase num sussurro para si mesmo. - Não passa de uma doce e agradável ilusão, não é? Você na verdade não liga para mim e eu estou, sem dúvida alguma, isolado mais do que nunca. Porque me agarrei a uma ilusão para poder seguir em frente. E assim como um apoio falho, quando nos damos esperanças numa ilusão, apenas tornamos nossas quedas ainda mais doloridas e nosso sofrimento maior.

E lentamente o palhaço levantou-se enquanto desfazia o abraço sobre a boneca. Deixou-a no chão, ao seu lado. Como se estivesse sentada sorrindo para o nada. E em seguida deu alguns leves passos para a direita. Fazendo assim com que seu pequeno mundo de luz excluísse a sua única companhia. E quando ela desapareceu de vista, ele abriu as mãos na direção da face e cobriu-a.
- E quantas vezes já não fizemos isso!? Quantas vezes não nos deixamos levar pelo momento, pelo pensamento, pelo coração. E então notamos o quanto sofremos à toa, o quanto choramos à toa, o quanto lamentamos à toa. O mundo nos trás a uma realidade diferente, mostra como na verdade, bem no fundo, estamos sozinhos e sempre estaremos. Algo duro de aceitar, algo que provavelmente faria você chorar. Mas talvez não seja mais do que a realidade. E talvez assim, eu não seja nada mais que a verdadeira forma do ser humano. Talvez eu esteja aqui justamente para lhes mostrar o quão porco e imundo nós podemos ser. Porque eu. Eu enxergo a realidade. E ela me deixou isolado. Isolado num pequeno círculo de luz, que ainda se sustenta pelas minhas poucas esperanças que estão guardadas no âmago das ruínas de minha alma. Numa parte minha que ainda é humana e tem sentimentos. Mas é só isso... só isso...

E assim, lentamente ele retirou as mãos da face e olhou em volta. Como imaginado, nada havia mudado. Tudo era o mesmo mundo de sempre. De leve, dois pingos de lágrimas saltaram dos olhos do Pierrot. Duas gotas que desceram, borrando a maquiagem tão bem feita de palhaço. Ele as deixou escorrer, não limparia, pois poderia borrar ainda mais a maquiagem, deixando assim a marca de seu sofrimento estampada na face.
Ficou alguns bons minutos daquela forma, com uma cara de incrédulo enquanto olhava apenas para o tablado de madeira. Aquele que ressoava para ele os sons de uma vida que jamais teve. E foi então que um sorriso formou-se. Um sorriso sádico. Um sorriso sarcásticos e aterrador. O palhaço dei passos pelo palco até que novamente a boneca fora iluminada. Se deitou no chão ao lado dela e a abraçou enquanto se encolheu como se fosse um neném no ventre de sua mãe. E assim seu sorriso foi florido com tons de tristeza e felicidade, juntas.

- Mas às vezes, o que custa viver na ilusão? Às vezes a ilusão vale mais a pena que a realidade, e, quando não queremos realmente enxergá-la ela se desfaz e a ilusão se torna o real. Queria eu acreditar que esta boneca um dia sorrisse e me desejasse um bom dia. Queria eu que um dia ela se tornasse uma mulher que poderia amar. Queria eu que ela se tornasse a mão que jamais tive a chance de ter. São ilusões. Ilusões que nunca vão acontecer, mas que, só por imaginá-las, já me deixam mais feliz. Se é que posso chamar o que possuo de felicidade. - O Palhaço fechou ainda mais a boneca sobre o próprio peito.

- Só que, como disse. Quando uma ilusão se mostra sendo uma, você tem a pior queda da sua vida. Nada durará para sempre, e desta forma eu penso. Esta boneca irá se sujar, rasgar-se, e logo, não haverá mais nada além de espuma e pano perto de mim. E assim toda a minha pseudo-felicidade iria se esvair como se nada tivesse acontecido. Estaria novamente sozinho. Então, aqui está a dúvida que me corrói, aquela que me prende e não me prende. - Ele se levantou, segurando a boneca numa única mão. - O que mais vale a pena? Sofrer de uma realidade dura e fria? Ou talvez, se deixar levar uma uma ilusão que poderia se desestabilizar a qualquer instante, mas que me dá um pouco de felicidade?

- O que vocês fariam nessa hora? Não é meio óbvio? Pediriam conselho. Uma ajuda. Pediriam por uma mão estendendo para lhes oferecer apoio! Este é o problema, meus queridos. - E ele, foi soltando, aos poucos a boneca, até que ela caísse no chão de mal jeito. - Eu não tenho e nunca terei ninguém. Tudo o que resta de mim são ruínas. Deformações que o tempo transformou num palhaço. Não é irônico? Uma figura tão triste trabalhar tentando fazer alguém rir? Pois é.

- Que isso, fique de aviso para vocês. Nunca mais se odeiem. Nunca mais queiram estar mortos. Nunca mais desejem não fazer mais nada quando algo de mal lhes acontece. Vocês. Pelos menos, tem alguém a ajudá-los nessas horas. - E pegou a boneca como se fosse uma bebê no colo. - Não é mesmo, Mary? - E roçou sua bochecha na da boneca, suavemente. As luzes foram aos poucos se encolhendo. Até só sobrar um resquício, que iluminava nada mais que um dos olhos do Pierrot. Cujo a lágrima ainda trilhava seu caminho por cima das máscaras das máscaras de um palhaço.


Imagem: The Stage By Peacewisher222

Um comentário:

  1. tadashiii . *--------------*
    haha, você não poderia ter me dado um presente mais legal. de verdade! muito obrigada pela dedicatória e pelos parabéns. gostei bastante desse conto ;D

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