sábado, 8 de agosto de 2009

Monólogo - 1


Perante toda aquela escuridão, uma única luz focalizada se acendeu, deixando ele visível. A aparência dele não deixava ninguém se enganar. A cara pintada de branco, com contornos vermelhos exagerados em volta da boca e dos olhos. O espalhafatoso chapéu de Bufão, feito em cores alternadas de azul e amarelo e a roupa, larga e folgada com botões grandes e decorados. E também seu sapato com ponta empinada para cima e as luvas brancas gigantescas nas mãos.


- Gostaria de muito agradecer por investirem o precioso tempo de vida de cada um de vocês para ouvirem o que tenho a dizer. - Disse o Pierrot, inflando o peito e abrindo os braços para o nada. Pois nada havia, fora o pequeno círculo iluminado em que estava. - Mas garanto desde já, caros companheiros, que este não será um tempo perdido... - E começou a caminhar pelo tablado de madeira, o barulho dos passos se ouvia e a luz seguia seu movimento. - ...Ou talvez, será, para alguns de vocês.


Ele jogou um olhar fulminante para o vazio e apontou para um local aleatório.


- Alguns que dissimulam a vida e se entorpecem no reino da penumbra!


Apontou para outro lado, mantendo a expressão de raiva.


- Alguns que criam desespero e solidão do nada! E para o nada vão!


Apontou para outro lado, mantendo a expressão de raiva.


- Alguns...


E sua mão caiu levemente, voltando a alojar-se ao lado do corpo. Ele ajoelhou-se, cabisbaixo e ficou assim por alguns segundos, antes de levantar a cabeça novamente, olhando para um ponto qualquer no céu obscuro do lugar.


- Amigos, aqui presentes. Vivenciei de tudo um pouco. Chamo da minha mente as vozes da loucura, e não sei o que com elas fazer. Grito, de minha alma, pelos sentimentos perdidos, mas eles não voltam. Perduro sobre uma luz na infinidade obscura... - Disse, abaixando a voz, tornando-a quase um sussurro. Suas mãos, pareciam tentar se agarrar em algo no ar, e seus olhos brilhavam com uma esperança que não existia. - Agora. Tudo o que tenho são três coisas: O resquício de minha alma, O meu ego ferido e a solidão. A mais profunda solidão. Mas...


E ergueu-se, enquanto da sua triste face, agora surgia um enorme sorriso.


- Não seria isto perfeito? Seria minha imensa solidão, a minha mais fiel companheira? Aquela, que quando todos se recusam, vem a me ajudar? Vem a me dar a mão? E meu ego, ora! Aquilo que me faz continuar a viver e atuar! Aquilo que prende minha alma ao corpo e me faz permanecer a sorrir e cantar! Seria ótimo para mim, com certeza. Seria perfeito caso estes dois fossem minhas fiéis companheiras.


E novamente o sorriso esmoreceu e sua face tomou-se pelo desânimo.


- Mas existe sempre o indesejável. Aquele, que por mais que a vida lhe dê oportunidades de se livrar, permanece. E perante as três coisas que possuo, uma eu odeio. ...Porque? Porque, entidade divina, porque deixa comigo uma pequena parte da alma de uma vida que não mereci? Deixa em mim a pequena parcela que prevalece e me leva para as masmorras da torturante tristeza.


Ele saltou, abrindo novamente o sorriso contagiante e correu pelo tablado, acompanhado dos passos e da luz que o seguia para onde quer que fosse. Como se ele, o Pierrot, tivesse se tornado o centro daquele pequeno mundo, o tabu de sua existência. Ele saltitava enquanto jogava ao vento as palavras, felizes que vinham a seguir.


- Poderia, sem minha alma! Poderia correr feliz pelos campos e planícies da solidão! Poderia conquistar a terra que nunca me fora prometida, mas que, sem mais nem menos, tivesse descoberto! A vida é minha tortura. É a única coisa dentro de mim que me pára. A única coisa dentro de mim que não deveria ter direito algum, mas reina ditatorialmente sobre todo o resto. Com ela, a feliz solidão se torna amarga a cada passo solitário ouvido. E o ego contido em mim, de nada serve, sem algo que me alegre para deixar-me vivo. A grande vida limita cada um de meus passos e cada um de meus atos. Interpreto por interpretar, porque foi para isso que vim ao mundo.


Ele parou de correr, contendo os passos, um após o outro, até que se acorrentasse numa caminhada lenta, que terminou com ele observando o tablado iluminado. Sentou-se e abraçou os joelhos com força, e mordeu levemente o lábio.


- Porque, mesmo com todos vocês vindo me assistir... - E apontou para o nada, como se mostrasse uma platéia, enquanto esboçava um triste sorriso. - O que tenho a lhes passar é uma atuação. Não é meu sentimento mais puro. Pois este, limitado pela vida está sendo. Limitado pela vida como meu ego e minha vontade de amar a solidão.


Levantou-se novamente, e passou as costas da mão sobre a face, como se limpasse lágrimas. Embora nenhuma estivesse ali. E levantou-se lentamente, como se estivesse se recompondo. Logo, ficou ereto com as pernas juntas, como estava no início de tudo. Abriu as mãos e as esticou em direção do vazio.


- Mas devo continuar. Pois, pelo espaço que meu corpo consome, algo de útil deveria gerar, mesmo para o mundo limitado deste pequeno círculo iluminado. Então, para vocês, caros expectadores, deixo uma última mensagem. Uma que sempre fica dentro de meu coração, no que restou da minha alma: Abracem, ou a vida. Ou a solidão ...Obrigado. - Disse finalmente. Se curvando em reverência ao ninguém.


E o silêncio cobriu o local. Como sempre era, depois de cada peça terminada.



Clap! Clap! Clap! Clap!


O som cruzou todo o pequeno mundo iluminado do Pierrot, o pegando de surpresa. Ele não bateu palmas, mas elas vinham, de algum lugar. Arregalou os olhos, com um princípio de desespero.


Clap! Clap! Clap! Clap!


As palmas continuavam a vir, somando sempre novos pares de mãos ao seu som. Fazendo-o aumentar a cada segundo. Vieram, crescendo, dentro e fora de seu coração. Como se a vida, o resquício dela que ainda pairava dentro daquele corpo começasse a se regenerar. As palmas solitárias viraram um barulho ensurdecedor e desordenado, entretanto, maravilhoso. Ele sorriu, e as luzes se acenderam no palco. A Solidão tinha ido embora.




Fim.

Agradeço especialmente para a Natália, por me passar um vídeo incrível sobre um poema de William Shakespeare. Ele que me deu a inspiração para este curto conto que me surgiu na cabeça no mesmo instante que os dedos começaram a digitá-la. A imagem do pierrot é forte, e transpassa emoção em cada gesto e palavra. O que me fez escolhê-lo como protagonista( e antagonista) desta história curta. Abaixo, vai o link da artista que criou a imagem do conto.


http://peacewisher222.deviantart.com/art/the-stage-112464350

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