quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Penas e Cera

ㅤㅤI Sobre a Nostalgia.

ㅤㅤ – Vou repetir: Largue o controle com calma, coloque as mãos sobre a nuca e deite! Armas estão apontadas para você, qualquer mínimo movimento e leva um tiro no meio da testa, rapaz! - Falou pelo Microfone. A voz ressoou por todas as caixas de som do estádio.
ㅤㅤ Contudo, o homem parecia não responder às falas em Inglês transbordado de sotaque brasileiro. Quem diabos era aquele homem? Ícaro franziu o cenho, a feição daquele ser lhe causava arrepios, gostaria de mandar seus homens atirarem nele, mas os riscos eram muitos.


ㅤㅤII Sobre o Passado.

ㅤㅤ Os grandes campos de vegetação rala, que cercavam aquela dantesca floresta, se mantinham por milhares de quilômetros. Grunhidos guturais e a terra que constantemente tremia serviam de avisos para mostrar para qualquer um que, quem ali habitava, conquistara seu direito para tal após anos de sobrevivência no primitivo. Entretanto, aquele dia estava calmo; talvez até mesmo as formas de vida irracionais sabiam da grandiosidade do que ocorreria.
ㅤㅤ Ao longe, as batidas fortes das asas contra o vento começavam a ser ouvidas ao tempo que a sombra colossal cobria grande parte do verde rasteiro. A silhueta finalmente pôde ser vista no horizonte, cativando a visão, audição e olfato de seus habitantes naturais.
ㅤㅤ Os olhos gigantes e a feição aterrorizante do escamoso cretáceo se inclinavam para os céus, aquele pássaro ele nunca tinha visto na sua vida não tão longa. E logo ele, que reinava naquelas terras, sentira-se enormemente ameaçado.
ㅤㅤ Leves e hesitantes passos foram dados, aproximando-se dele pelas costas, e rapidamente o Carcharodontossauro torceu o pescoço, rugindo com agressividade para sua parceira e proles. Exigia que se afastassem, que não buscassem a sombra que crescia no horizonte tanto quanto ele mesmo buscava. E, obedecendo ao rugido dominante, os filhotes recuaram em passos apressados, seguidos pela mãe, enquanto o Carcharodontossauro voltava o olhar para cima.

ㅤㅤ Agora os fortes movimentos aéreos podiam ser ouvidos claramente, cada batida de asas parecia soar como o ribombar de um trovão. Sentindo-se cada vez mais ameaçado pela nova e peculiar figura, o Dinossauro Rei rugiu na direção da silhueta negra; mas o monstro rugiu em resposta; mais alto, forte e agressivo. Aquele ser finalmente aproximava-se de modo que a parva visão do Rei pudesse distinguir mais do que sombras:
ㅤㅤ De pele dura como a do próprio Carcharodontossauro, o Dragão tinha escamas que se encontravam paralelas umas as outras numa simetria encantadora. Cada pequena parte do nobre ser parecia ter sido talhado cuidadosamente, garantindo a ele um porte de soberba e superioridade perante a qualquer outro ser existente. As asas começaram a diminuir a constância dos movimentos, pouco a pouco, o gigante vermelho começava a projetar seu corpo na direção do solo.
ㅤㅤ Ao contrário do esperado, o pouso foi suave e ensaiado. O Dragão pôs-se diante do Carcharodontossauro, erguendo eu largo e forte pescoço para colocar sua face acima da do Rei. Um silêncio mórbido fez-se presente, só sendo quebrado por passos agitados e nervosos do Dinossauro que encarava a criatura lendária com grunhidos e leves rosnados. Mas o Dragão apenas se mantinha obstante, seus olhos de um forte vermelho demonstravam que ele detinha de uma alma poderosa e de uma capacidade ilimitada de poder.

ㅤㅤ Não demorou muito para os outros seres finalmente saírem de suas tocas, formando uma roda de animais centralizando o Dragão. Mais do que instintos selvagens de sobrevivência, os grandes répteis e aves pareceram subitamente minados de curiosidade. A Presença mágica do Dragão parecia fazer com que seres que, antes, não tinham a capacidade de interpretar, agora estivessem cheios de personalidades próprias.
ㅤㅤ Velociraptores pareciam discutir entre si falando rápido – em grunhidos – e saltando uns nos outros. Triceratops ranzinzas resmungavam e cochichavam – também em grunhidos e rosnados – sobre a falta de liderança do grande Carcharodontossauro. Do outro lado, próximo ao oceano que ficava mais adiante, Pteranodontes agitavam suas asas e guinchavam como se fofocassem. E mesmo assim, o Dinossauro Rei permanecia bufando e andando de um lado para o outro, sempre encarando o Dragão com a feição de que ele fosse uma ameaça, agora não só para sua prole, mas para todo o mundo cretáceo – não que definisse isto em nomes.

ㅤㅤ Por fim, após minutos torturantes, o Dragão bufou pesadamente enquanto seu olhar não parava de encarar os do Carcharodontossauro. Abriu suas asas com força e levantou seu corpo, de modo a crescer bruscamente sobre as duas pernas traseiras, rugiu com força para o Dinossauro Rei, era a última tentativa.
ㅤㅤ Todos os répteis, mamíferos e outros seres direcionaram seus olhares para que o seu representante iria fazer. E naquele instante o próprio Rei notou que todos aqueles seres fariam o que ele faria. Que, se avançasse contra o Dragão, os outros também avançariam. Era o que devia fazer. Ao longe, sua prole firmava-se oculta entre largas árvores da floresta e rochedos da planície; após um último olhar para eles, virou-se para o invasor com o cenho irritado e rugiu avançando alguns passos na direção dele. Incitando toda a horda primitiva, o Carcharodontossauro comeu algumas dezenas de metros avançando na direção do Dragão enquanto disparava rugidos e gritos colossais.
ㅤㅤ O olhar rubro daquela nobre existência pareceu agradar-se com a ação e desceu sobre as quatro patas novamente, fazendo o chão tremer e avançando alguns passos na direção do Rei, rugindo temível e agressivo. A terra tremeu e o urro dracônico calou todos os presentes, cessando também a breve caminhada do Rei. Os olhos corajosos do Carcharodontossauro se esvaziaram da agressividade e foram substituídos por puro medo; recuou alguns passos enquanto ouvia mais rosnados bruscos e altos do Dragão. Olhou a volta: Alguns dinossauros e animais que avançaram quando ele avançou pararam suas marchas também, fariam como o Rei faria.
ㅤㅤ E, por fim, o Rei acabou fugindo covardemente em passos apressados, levando consigo sua prole. Deixou para trás guinchados e ruídos turbativos de seu reino cretáceo, seus antigos súditos agora riam de sua falta de coragem.


ㅤㅤ Parando frente aos que ainda permaneceram para ver o que aconteceria, o Dragão mostrou decepção, não era para terminar daquela forma. Recolheu as asas e fechou os olhos por um segundo enquanto sua face dura e concisa tocou o solo, estava refletindo. Finalmente, levantou a cabeça, os olhos mostravam determinação.
ㅤㅤ Logo em seguida, ergueu-se para os céus e rugiu alto, como se suas rústicas cordas vocais chamassem por algo. Aquele som ensurdecedor foi o suficiente para que mais dos animais que presenciavam a cena fugissem, fazendo restar ali apenas os mais curiosos.
ㅤㅤ O olhar do nobre ser continuava para cima, até finalmente poder distinguir no céu aquilo que buscava, aquilo que respondera ao seu chamado. Uma estrela cadente? O pedaço grosso e incandescente de rocha caía dos céus, perfurando todas as barreiras atmosféricas. O Dragão bem sabia, que caso o Rei continuasse em sua marcha de combate, ele sairia vitorioso contra o ser de escamas vermelhas. Sairia vitorioso e reinando sobre criaturas agora dotadas de personalidade e espírito. Mas, falhara.


ㅤㅤIII Sobre o reencontro.

ㅤㅤ Ninguém ainda sabia como aquele homem surgira ali, no meio do novo estádio do Corinthians, em plena abertura da Copa de 2014. Era inexplicável como, no meio do discurso da valorosa presidenta Dilma, um homem albino vestido em terno Hugo Boss e de sapatos Mocassim aparecera bem ao centro do palco. Identificações e fiscalizações armadas e de última tecnologia haviam sido feitas em todas as entradas para o estádio, toda a competência da polícia federal e do exército brasileiro foram postas em xeque por causa da súbita aparição.
ㅤㅤ Quão mais fácil seria caso ele fosse simplesmente um homem bem vestido e penetra.
ㅤㅤ Sentado sobre uma grande maleta prateada, o homem segurava na mão direita algo que parecia um controle remoto, com um grande botão vermelho bem ao centro. Fora a partir daquele momento que toda a situação colocou no comando das operações de segurança o Capitão Ícaro, das forças especiais anti-terroristas. Homem grisalho de porte duro e agressivo, Ícaro já se deparara com inúmeras situações de risco. Mas aquela era a primeira vez que sua carreira – e, por que não, toda sua vida – estavam em jogo de maneira tão arriscada.
ㅤㅤ Ele, o misterioso, só abriu a boca uma vez, para dizer em Inglês Britânico:
ㅤㅤ – Ninguém entra ou sai. Ninguém se move. Ou eu faço tudo explodir.
ㅤㅤ E não houve tempo para tentar rendê-lo, a mão dele já estava sobre o botão vermelho.


ㅤㅤ – Vou repetir: Largue o controle com calma, coloque as mãos sobre a nuca e deite! Armas estão apontadas para você, qualquer mínimo movimento e leva um tiro no meio da testa, rapaz! - Falou pelo Microfone. A voz ressoou por todas as caixas de som do estádio.
ㅤㅤ Contudo, o homem parecia não responder às falas em Inglês transbordado de sotaque brasileiro. Quem diabos era aquele homem? Ícaro franziu o cenho, a feição daquele ser lhe causava arrepios, gostaria de mandar seus homens atirarem nele, mas os riscos eram muitos. Já sabia, sim, que não era nenhum radical islâmico, caso contrário, a explosão já teria ocorrido, e Pelé e Dilma não mais estariam entre os vivos. Caso ele apertasse o botão e a suposta bomba realmente explodisse, ele também morreria, o que levava todos a crer que ele pouco ligava para a própria vida. Contudo, mesmo os tiros mais certeiros ainda dariam tempo para o homem pressionar o botão, o que fazia Ícaro tentar o que era mais óbvio: Ganhar tempo. Em breve as forças especiais e alguns enviados da CIA e Interpol trariam notícias e planos bem mais avançados do que os que os brasileiros tinham para a segurança da Copa.
ㅤㅤ Mas, quanto tempo demorariam?
ㅤㅤ Ícaro novamente via-se tentado a dar a ordem. Havia uma chance, caso seus atiradores acertassem no meio da testa e no braço ao mesmo tempo. Seus dedos tamborilavam no teclado enquanto pensava no que fazer. Ao seu lado, toda a equipe técnica pronta para digitar e soltar ordens, estavam a algumas centenas de metros do Estádio. Mas, o fato do invasor estar olhando diretamente para a câmera fazia com que Ícaro tivesse a sensação de estar ali, a menos de dois metros dele.
ㅤㅤ Ele tinha um ser de superioridade e soberba, e provavelmente, caso estivesse vestido em trajes nobres, poderia ser dado como um príncipe herdeiro de algum alto cargo simbólico de algum país europeu. Um sorriso sereno e sábio estava formado em seus lábios, o olhos de íris azuis penetravam dentro da alma de Ícaro. Permaneceu naquele silêncio por alguns segundos, até finalmente os lábios do desconhecido se mexerem, deixando sua voz ressoar em português:
ㅤㅤ – Quase lá. - Disse. - Mas, você falhou novamente.
ㅤㅤ O anjo da renovação deixou de encarar o espírito do escolhido que poderia fazê-lo mudar de idéia. Soltou o controle com leveza, para no instante seguinte levar um tiro no meio da testa e cair para trás. Mas os olhos estavam abertos e o sorriso se mantinha face. Ele olhava para o céu, onde uma estrela cadente parecia surgir.

2 comentários:

  1. Rapaz... vou te falar uma coisa. De todos os blogueiros que eu sigo, o que mais tem verve de escritor é vc! Eu tenho certesa que vc vai publicar algum livro. E eu quero um autografado!
    As vezes vc dá uma perdida no meio desses pensamentos mil que tem dentro dessa cabeçona oca aí, mas no final seus textos são sempre muito bons!

    Agora...
    Esse texto aqui foi inspirado em tardes e tardes jogando videogame né?

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  2. Olá Querido Amigo!

    Passando na correria para deixar carinho e beijo pra ti.

    Confesso não ter lido seu texto... mas prometo voltar para lê-lo! Ok!!!

    Com carinho
    Sil
    Sempre aqui

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