terça-feira, 8 de junho de 2010

Cinco Séculos

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ㅤㅤ Ludgar estava de pé no alto de sua torre negra. A chuva despencava dos céus, fazendo molhar toda a vestimenta adornada de bronze que o velho mago decidira usar na ocasião. Mas a água sempre era um bom presságio, ela sempre caía quando um Ancião pagava pelos seus anos vividos. O Mago levantou os braços acima da face anciã, deformada pelas centenas de rugas e dobraduras que o tempo criara sobre a pele. A noite parecia ser sua única companheira naquela hora tão importante.
ㅤㅤ – Aqui está Ludgar Vindemis! - Um trovão ressoou ao longe. - E hoje me posto diante a vocês, Grandiosos Deuses, ao início de meu sexto século de vida!
ㅤㅤ Os gritos de Ludgar pareciam ser mais altos que a própria tempestade. Considerando que a cada palavra que ele entoava, toda a estrutura da torre negra de ferro vibrava.
ㅤㅤ – Tanto, para mostrar-lhes o quão magnífico foram vossos atos ao me permitirem transcender à vida comum. Quanto para mais uma vez implorar pelo sopro de vida! - Mais um trovão. - Relembro, com prazer e orgulho, de cada sacrifício que eu já dei em troca de meus séculos!
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ㅤㅤ Uma chama se acendeu ao redor do topo da torre. Uma chama púrpura e esférica que flutuava majestosamente.
ㅤㅤ – A Tortura Passiva!
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ㅤㅤ Naquela época, Ludgar ainda tinha alguns amontoados de fios brancos na cabeça. Mas mesmo assim, qualquer ação dele denunciava seu tempo de vida exagerado. Abaixou-se para acender a última vela vermelha. Haviam cinco, uma em cada vértice agudo do pentagrama. O mago afastou-se, deliciando-se com o ritual que montara naquele velho galpão abandonado.
ㅤㅤ Haviam dois corpos nus no centro do símbolo de magia. Um deles estava suspenso no ar, preso por ganchos que estavam acorrentados ao teto do galpão. Os ganchos não tinham piedade alguma com o garoto que prendia, estavam fincados na pele. Dois nas costas, e mais um em cada membro. Abrindo feridas que esbanjavam sangue a cada segundo. O garoto não parecia ter mais de dez anos, e estava aparentemente desacordado, indiferente a qualquer dor causada pelos ganchos.
ㅤㅤ Três metros abaixo dele, havia uma mulher deslumbrante, estando no auge de sua vida com seus cachos dourados soltos pelo chão coberto de feno. Ela estava solta, com os braços cruzados sobre os seios e as penas levemente viradas para um lado, de modo que suas partes íntimas estavam parcialmente ocultas. Ludgar gorgolejou enquanto bebeu de um líquido misterioso de uma taça, deixando derramar um pouco dele quando esboçou um sorriso de escárnio. Tinha completado, com sucesso, um século de vida. Que era o mínimo necessário para pedir aos Deuses, por mais uma vida humana. Seu ar de vitória se tornou ainda mais evidente quando pegou uma grandiosa lança, com ponta de um bronze adornado de figuras míticas.
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ㅤㅤ – É hora. - Sussurrou, e entrou um passo adentro do pentagrama.
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ㅤㅤ Subitamente, toda a luz do local – criada por tochas postas nas paredes do galpão – pareceu desaparecer. Fazendo com que a única iluminação presente viesse das velas que pontuavam o símbolo de magia. Ao mesmo tempo, também, um grito grotesco de dor veio do alto. Junto de um choro agudo e um chacoalhar de correntes.
ㅤㅤ – Vejo que acordou, jovem Elric. - Riu Ludgar, postado na frente da mãe do garoto, ainda desacordada. As palavras seguintes do menino vieram tão mescladas de choro e agonia que nada se pode entender. Ele tentou se soltar de várias formas, o que só fez com que a dor aumentasse mais. Desistiu de fazer qualquer coisa após alguns poucos minutos, quando finalmente se deu por vencido e deixou apenas o corpo ser segurado pelos ganchos tenebrosos.
ㅤㅤ – Socorro.... Socorro.... - Choramingou o garoto. - Mamãe... Socorro...
ㅤㅤ – Hahahaha! - A gargalhada tenebrosa de Ludgar encheu o salão. - Jovem Tolo! Será que o manto da dor cobriu toda sua lucidez!? Olhe atentamente! Abra os olhos e encontre sua mãe! Maldito e Abençoado garoto!
ㅤㅤ E Elric, pela primeira vez tentou discernir algo naquela escuridão abaixo dele. A figura assustadora do Mago Ancião se perdeu no seu pavo ao ver sua mãe, aos pés dele.
ㅤㅤ – Mamãe! Mamãe! - Elric gritou, novamente apavorado e se mexendo freneticamente. - Mamãe! Acorde! Mãe!
ㅤㅤ – Era isto que eu queria! - E gargalhou mais alto, o mago. - Agora, não tema mais por sua vida! Mas tema, sim, pelo horror de quem mais ama! Jovem Elric, o seu desespero, eu concedo aos deuses! E em troca, peço a autorização de viver Eternamente! - As chamas das velas pareciam crescer e dançar seguindo as palavras ritmadas de Ludgar. - Dêem a este valioso seguidor do conhecimento, mais uma vida!
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ㅤㅤ Naquele instante, Iorena começava a abrir os olhos. Pôde ainda ver quando o encapuzado Ludgar furou os dois olhos de Elric, seu filho, que urrava tentando se soltar. Mas a moça não conseguiu dizer nem fazer mais nada. O Mago já montara em cima dela com um punhal em mãos. Elric ouviu, durante a noite toda, os gritos de desespero e horror de sua mãe, enquanto Ludgar a estuprava e torturava, simultaneamente.
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ㅤㅤ Outra chama surgiu nos céus, rodeando a torre. Esta, brilhava num vermelho fortíssimo.
ㅤㅤ – Os Majestosos Representantes!
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ㅤㅤ – O Centenário atravessou a muralha! - O comandante berrou para os soldados. - Recuem para dentro do castelo e protejam o Rei! A vida do Grande Brathius deve continuar!
ㅤㅤ E uma grande massa de guerreiros se amontoava para entrar para dentro dos portões de ferro do castelo da Dinastia Brathius antes que elas se fechassem. Afinal, estar lá fora, lutando contra um Mago Ancião era suicídio. Aquela era uma batalha inesperada, em tempos em que a paz tinha sido selada com muito sacrifício. Não fazia nem mesmo um mês que todo aquele terror começara.
ㅤㅤ A cada semana, um Rei havia sido decapitado em frente a toda sua guarda pretoriana. As línguas comentaram e os mensageiros correram loucos por toda a terra: Ludgar, O Mago Centenário, estava buscando uma nova vida de conhecimento. E o sacrifício eram a cabeça de Reis advindas de grandes linhagens nobres. Ninguém sabia ao certo quantos Reis ele almejava matar, mas, em menos de duas semanas, todos os castelos estavam com seus guerreiros a postos dia e noite. E naquela madrugada, o castelo do rei Brathius fora o escolhida.
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ㅤㅤ Os portões do Salão Real nunca estivera tão bem guarnecido de defesas. Toras de madeira foram fincadas no portão e travadas em vãos próprios para elas no chão do Salão, correntes grossas de metal e amontoados de pedras fechavam a monstruosa porta de ferro única. A guarda pretoriana fazia um círculo em volta de Brathius. O velho rei vestia sua armadura de bronze e cobre e mantinha-se com o peito erguido frente à ameaça. Seus olhos não expressavam medo, e sim, coragem e determinação. Na sua visão, seria ali que ele derrotaria O Centenário.
ㅤㅤ O silêncio já predominava fora e dentro do auditório do Rei. Deixando cada respiração acelerada evidente, vinda de cada um dos melhores soldados de Brathius. Eram vinte homens de sua total confiança, conglomerados a sua volta. O velho Nobre tocou no ombro do guerreiro a sua frente, que era o que mais tremia.
ㅤㅤ – Teme pela sua vida, Meu Guerreiro? - Libertus, o soldado, tomou um susto.
ㅤㅤ – N-não, meu Senhor. Temo pela sua vida. - Ele respondeu, sem revelar muita confiança.
ㅤㅤ – Ora, não minta para mim. Diga o que seu coração sente.
ㅤㅤ – . . . - Libertus pareceu pensar antes de voltar a falar. - Descobri o amor de minha vida, meu Rei. E temo não voltar para seus braços depois desta noite. Temo não conseguir cumprir minha missão.
ㅤㅤ – E qual é sua missão?
ㅤㅤ – Derrotar O Centenário.
ㅤㅤ – Entendo. - Brathius retirou sua mão do ombro de seu guerreiro e levou-a para o cabo da própria espada. Sacando-a de uma única vez. Deixou o peso da lâmina bastarda cair sobre o punho por alguns segundos, antes de girá-la em alguns poucos movimentos. - Então, que derrotemos juntos este Monstro esta noite! Para assim dedicar sua vitória à sua amada! Será Libertus, o Matador de Anciões! - E virou-se para seus outros guerreiros. - Assim como todos vocês! Lutem pelo título e pela honra! Brandam a espada com toda força que vocês tem dentro de seus corações!
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ㅤㅤ Um urro de guerra se ouviu dentro do Salão Real. E por um instante, a população imaginou que Ludgar estava morto.
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ㅤㅤ Mas no instante seguinte um forte baque atingiu os portões. Fazendo as correntes tilintarem bruscamente e as toras de madeira racharem. Os guerreiros se posicionaram novamente em volta do rei, agora com um brilho no olhar. Um segundo baque atingiu a porta, e desta vez as dobradiças da porta de aço se romperam.
ㅤㅤ Um silêncio agonizante engoliu os segundos seguintes. Quem o quebrou foi Brathius.
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ㅤㅤ – Perdeu a coragem!? Ludgar Vindemis!?
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ㅤㅤ E como resposta ao rei, veio o último baque, destroçando a madeira e arrebentando as correntes. A porta voou longe, e levou consigo cinco dos guerreiros do rei. O Mago ancião estava do outro lado da porta, flutuando a um metro do chão. Atrás dele, a escuridão tomava forma, se materializando em vários tentáculos negros laminados de diversos tamanhos. Quatro caixotes de ouro, acorrentados à cintura de Ludgar flutuavam em torno dele, cada um carregando a cabeça de um rei morto. A luz do local diminuiu e dez guerreiros da guarda avançaram contra o mago.
ㅤㅤ Impiedoso, Ludgar lançou seus fulminantes tentáculos contra os homens do rei. A maioria foi pega na primeira investida, sendo jogada bruscamente contra a parede. Os que conseguiram se esquivar, foram alvos da segunda leva de tentáculos, tendo o mesmo destino dos primeiros. Os guerreiros atingidos não levantaram mais, inconscientes ou mortos.
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ㅤㅤ – Brathius Terceiro! - O Mago bradou. - Esta é a face do meu último Rei! E fui sábio em resguardá-lo para o final! Fora o único dos nobres que se postou diante de mim com bravura! Os outros, insignificantes, se esconderam feito ratos atrás de seus homens! Não me é surpresa que fora você o líder da união das províncias!
ㅤㅤ – Você fala demais para um mago, Ludgar!
ㅤㅤ Os cinco restantes avançaram. Eram eles Bilo, Groth, Selvegis, Orus e Libertus. Bilo e Groth foram jogados contra a parede e caíram mortos, Selvegis fora decapitado por um tentáculo antes mesmos de levantar a lâmina, Orus foi espremido por um aglomerado de tentáculos e Libertus, o último guerreiro vivo fora atravessado por quatro tentáculos e jogado de lado.
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ㅤㅤ – Tão incompetente é sua guarda, Brathius Terceiro!
ㅤㅤ – Ainda falta a mim, Mago Maldito! - E Brathius urrou avançando.
ㅤㅤ Aquelas foram as últimas palavras do Rei.
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ㅤㅤ Mais uma chama surgiu, brilhando com um azul fulgurante.
ㅤㅤ – O Guardião Destronado!
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ㅤㅤ Ludgar hesitou antes de dar o primeiro passo para dentro da floresta. Já torturou meninos e já matou reis. Mas, nas vésperas de seu aniversário de Quatro Séculos, ele precisava realmente impressionar os Deuses para ter mais uma vida a seguir. Os livros de magia negra indicavam todos o mesmo caminho: Ou ressuscitar um Guardião, ou Destroná-lo. Ambas eram tarefas árduas, visto que um Guardião perde poder conforme os séculos, mas em troca, ganha uma sabedoria inigualável.
ㅤㅤ O Mago Ancião decidiu-se por destronar um guardião. Ou, em outras palavras, retirá-lo do seu ninho. As criaturas criadas pelos próprios deuses tinham a função de proteger determinado local ou pessoa, e só deixaria de viver quando alguém de poder maior o retirasse de seu ponto fixo, o ninho. Ludgar avançava sobre território de Worthetis, o Guardião da Floresta Worth.
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ㅤㅤ – Doze séculos e este guardião ainda guarda tamanho poder? - Ludgar reclamou consigo mesmo. A velhice só lhe trazia mais rancor e ódio, e quando se tratava de seu próprio bem, chegava a se tornar doentio. A cada passo, o velho sentia a presença cada vez mais forte do Guardião. Ele estava vivo, e sabia da presença e das intenções de Ludgar.
ㅤㅤ Não fora necessário mais do que vinte passos antes de Worthetis agir. Raízes saltaram do chão, prontas para agarrar as pernas fracas e velhas do Mago. Contudo, Ludgar estava preparado, alçou vôo antes de as raízes tocarem seus pés, ainda tendo tempo de disparar uma rajada de chamas contra o conglomerado de madeira que o almejava.
ㅤㅤ – Não pegará Ludgar, O Matador de Reis, assim tão facilmente! Tolo Guardião! - Ele agora acelerava em seu vôo por entre a copa das árvores. Precisando, há todo instante, disparar feitiços contra raízes e animais que eram controlados por Worthetis.
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ㅤㅤ A energia crescia conforme Ludgar avançava para o centro da floresta. Podia sentir a presença do Guardião se fortalecer. Uma clareira se mostrou a algumas centenas de metros a frente. O Mago sorriu com seus poucos dentes e acelerou seu vôo. Era ali que o Guardião se ocultava. E era ali que o Ludgar conseguiria sua próxima oferenda.
ㅤㅤ Assim que passou pela última copa de árvore para avançar sobre o espaço aberto da clareira, a luz ofuscante do sol lhe cegou por alguns segundos. E algo lhe dizia que aquilo não fora mera coincidência. Quando voltou a abrir os olhos, uma montanha de caules espinhosos estava para cair acima dele. E caiu.
ㅤㅤ Durante alguns segundos nada se ouviu ou se moveu: Ludgar estava soterrado numa armadilha do Guardião. Uma brisa leve passou pelas árvores, fazendo as folhas emitirem um leve som ao roçarem umas nas outras, como se Worthetis estivesse convencido da vitória. Fora no mesmo exato instante que o baixo murmúrio começou. Quase inaudível, as pragas e os feitiços do mago atravessavam o monte de espinhos. Os sussurros se tornaram cochichos, e os cochichos se tornaram palavras suaves. Até o momento em que Ludgar urrou uma palavra indecifrável. Uma onda de podridão se espalhou e os caules caíram mortos no chão, ao redor do Mago que levantava. Tudo a volta também fora afetado, como se séculos tivessem se apossado das coisas em menos de segundos. Ludgar caminhou por entre a terra pútrida até o carvalho que se encontrava no centro da Clareira. Ele sangrava e parecia mancar sobre uma perna, com certeza os séculos que caíam sobre suas costas começavam a incomodar. Mas seu sorriso de escárnio se encontrava o mesmo.
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ㅤㅤ – A vitória é minha, Guardião. - E enfiou a mão dentro do tronco, como se este estivesse podre. Fechou o punho ali dentro e retirou de lá um cristal esverdeado que brilhava com ardor. Segurava Worthetis com orgulho, e logo em seguida levantou-o aos céus. - Aqui, mostro minha superioridade! Deuses, ouçam meu pedido novamente! - E quebrou o cristal.
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ㅤㅤ A quarta chama surgiu, espaçada entre as outras, chamando toda a atenção com sua tonalidade dourada.
ㅤㅤ – O Roubo de uma vida!
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ㅤㅤ Fazia mais de uma década que Artirius tinha feito a Tortura Passiva. E, desde então, vivia quase sempre escondido em sua biblioteca, engolindo livros e livros de feitiçaria. Sua magia nunca fora muito poderosa, e o velho, como um sábio ancião, tinha ciência disto. Sabia com precisão que ele ainda tinha de aprender muito, antes de começar a realizar artimanhas pelo mundo afora. Aquela biblioteca secreta fora um grande e arriscado investimento que tinha dado certo.
ㅤㅤ A escrivaninha que o Mago Centenário usava nos estudos era pequena e de madeira velha, ficava amontoada no meio de um imenso corredor de estantes de livros. Às vezes, Artirius se desconcentrava com o barulho que vinha de cima, principalmente em dias de feira. Seu oratório de magia fora construído embaixo de uma grande cidade. E, naquele dia em especial, o barulho estava quase insuportável.
ㅤㅤ – Mas afinal, o que há de tão bom para conversar lá!? - Rugia, com seus poucos dentes que restavam. O Mago deixou os anos se apossarem dele com mais velocidade que qualquer outro Centenário. Ele estava corcunda e mal andava direito. - Não há nada de bom lá.
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ㅤㅤ Folheou algumas páginas do livro de capa negra. Estava frustrado por não encontrar a magia certa para completar um ritual que planejava já fazia alguns bons anos. E sua interminável fonte de informações, que era aquela gigantesca biblioteca, fazia com que a sua busca pela informação correta pudesse durar por mais décadas a finco. Coçou os poucos fios de cabelo que ainda tinha e chutou com raiva uma pequena banqueta com anotações velhas, quando um grito de criança o desconcentrou.
ㅤㅤ – Pelos Deuses! Será preciso um Dragão para silenciar este povoado!? - E levantou-se bruscamente, olhando para o final do corredor. Ali, perdeu o ar por um segundo e entendeu o motivo pelo qual o barulho estava tão alto. Um feixe de luz mínimo indicava que a porta da biblioteca estava aberta. E Artirius tinha certeza de tê-la fechado. E com um lacre mágico de alto nível. Levantou-se, trêmulo e olhou em volta, fechando a mão no cajado que usava para andar.
ㅤㅤ – Quem está aí!? Responda!
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ㅤㅤ Mas Ludgar apenas sorria. Agora, já quase chegando aos seus quinhentos anos, ele almejava algo superior a tudo que já fizera. Caminhava pelas estantes de Aritius, folheando os livros como se fossem seus – e seriam, depois que matasse o outro mago – , escolhendo alguns que lhe interessavam para colocar debaixo do braço. Seu poder agora era desconsertante, e seria muito difícil para qualquer pessoa derrotá-lo.
ㅤㅤ Virou para entrar em outro corredor, avançou e parou ao final dele.
ㅤㅤ – Então este é Artirius Língua Ardente.
ㅤㅤ O mago pulou, só não caindo por causa de seu cajado. Fixou o olhar em Ludgar, ganhando a distância de alguns passos, lentamente.
ㅤㅤ – E você, quem é!?
ㅤㅤ – Hah, jovem, você me conhece.
ㅤㅤ – É melhor parar de charadas. Ou lhe transformo em um rato repugnante!
ㅤㅤ – Me transformar em rato!? - E Ludgar riu alto. - Conseguirá transformar em rato o matador dos cinco reis da União de Lethos? Conseguirá transformar em rato o destruidor do Guardião Worthetis?
ㅤㅤ – . . . - Artirius recostou as costas sobre a estante de livros. - Você é...
ㅤㅤ – Eu sou Ludgar Quarto, centenário energúmeno! E Você me guiará para eu viver meu quinto século!
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ㅤㅤ Tremores ocorreram em toda a cidade. E no fim do dia, alguns soldados em patrulha disseram ter visto um dragão negro montado levando nas garras um corpo miúdo e corcundo. A quarta tarefa para os deuses, era nada mais do que matar outro que havia vivido mais de uma vida comum. Para compensar o seu tempo na terra, retirando-a de outro que também quebrara a regra.
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ㅤㅤ – E aqui, estou eu! Deuses! O Destino desejou que mais cem anos se passassem e que eu continuasse vivo! O Destino me teme! - Ludgar gritou, com sua voz ribombando na escuridão. - Depois da Tortura, dos Reis, do Guardião e do Centenário. Novamente aqui me posto diante de vocês, e desta vez, minha servidão lhes concede um reino!
ㅤㅤ Uma chama negra nasceu no céu, do mesmo tamanho e intensidade que as outro quatro chamas. E desta chama, saíram dois lastros retilíneos de fogo que seguiram de esfera a esfera de fogo, ligando uma a outra. Um Pentagrama de chamas multicolores enfeitava aquele céu cinzento.
ㅤㅤ – Ouça a minha oferenda! - E suas mãos dançaram no céu. - O Reino Perdido!
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ㅤㅤ O brilho no olhar de Ludgar era tremendo, que ele não parecia mais ter sido humano algum dia. As dobras no seu rosto eram tão antigas, que até o guardião mais velho se perguntava se já existira algum mago que persistira tanto tempo. Uma tenebrosa aura negra dançante começava a cercar o corpo do velho, à medida que seu canto era entoado cada vez mais alto. Os céus pareciam se mover ao comando de Ludgar, também, abrindo espaço entre suas nuvens pesadas em vários pontos da província. Os relâmpagos se cruzavam numa sincronia impressionante, e não havia mais ave alguma voando. O céu parecia querer desabar sobre tudo.
ㅤㅤ Ao mesmo tempo, parecia que a vitalidade voltava ao corpo do Mago de quase Seis Séculos. Ele se perdia no meio de seu feitiço gigantesco, e sua voz ressoava sem hesitação por toda a terra, ao mesmo tempo que sua pele parecia retroceder alguns anos e seu vigor parecia ser restaurado. A chuva, que antes parecia tão horripilante, agora não era nada perto de Ludgar Vindemis.
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ㅤㅤ Sim! Eu sinto novamente a força dentro de mim! Está transbordando e nada pode me para! Eu sou o homem mais poderoso do universo! Hahahaha! Seu pensamento alto parecia criar uma segunda voz, que ressoava junto dos cânticos macabros que pronunciava. O ritual estava quase terminando.
ㅤㅤ Um único ponto vermelho surgiu no céu, bem ao longe, caindo lentamente. Uma bola incandescente de lava se dirigia para o centro de um vilarejo. Nem um segundo depois, outro ponto surgiu, e mais outro. E mais outro. O céu inteiro parecia despejar lava contra o reino. E para cada esfera de lava que surgia, o êxtase se Ludgar aumentava mais e mais.
ㅤㅤ Se perdeu tanto em seu prazer doentio que nem mesmo sentiu quando a lâmina atravessou suas costas. Só reparando no horror dela quando ela brotou no seu peito, trespassando o seu corpo brutalmente. O desespero e o horror substituíram a felicidade e o bom-gosto. O velho Mago saltou para trás com uma velocidade e agilidade anormais para sua idade, ganhando distância de seu algoz. Arfava pesadamente, pois qualquer ferida naquela idade era quase letal. Agora, do outro lado da torre, havia um homem encapuzado da cabeça aos pés. O único detalhe que se podia notar era a mão que segurava a espada que o atacou, o inimigo tinha uma pele quase tão enrugada quanto a dele. O Céu estava negro novamente, a chuva de lava não chegou ao reino.
ㅤㅤ – Como ousa atacar a Ludgar Quinto!? - Ele rugiu, já se preparando para invocar uma magia de podridão. Mas antes de qualquer outro ato completo, três espíritos o envolveram com uma força tremenda que ele não foi capaz de se concentrar na magia para invocá-la. Ludgar ganiu de raiva e dor, cuspindo uma boa quantidade de sangue, quando se viu prensado novamente. O controle de espíritos era uma técnica que nem mesmo ele sabia ao certo como fazer. Exigia mais de séculos de treino, e Ludgar agora sabia que abaixou a guarda para outro mago centenário.
ㅤㅤ – Argh! Insolente! - Gritou com raiva, e um braço escapou do muro espectral que o cercava. Mirou contra o misterioso mago e disparou a sua magia mais poderosa. Mas, antes que esta chegasse ao alvo, uma aura verde-clara se manifestou em volta do outro, engolindo por completo a magia de Ludgar.
ㅤㅤ O misterioso abriu um sorriso que trespassou a escuridão de seu capuz, mostrando os dentes amarelados num gesto de escárnio. E, como se respondesse as dúvidas de Ludgar, ele levantou o braço esquerdo, deixando o capuz se recolher para perto do ombro. Ali, na metade de seu braço, fincada sobre a pele velha e ressecada, havia um cristal verde brilhando fulgurosamente. Worthetis.
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ㅤㅤ " O Guardião Destronado
ㅤㅤ – Observe os espíritos, Ludgar Vindemis. - Falou aquele que recriou Worthetis, como a tarefa para ganhar a terceira vida. E o mago de seis séculos obedeceu, quase descrente do que deixava passar. Seus olhos, velhos, se fixaram em cada um dos espíritos apenas o tempo exato para ele raciocinar sobre os que estavam ali.
ㅤㅤ Havia o espírito de um jovem travando a sua frente.
ㅤㅤ " A Tortura Passiva
ㅤㅤ Um velho segurava seu braço direito, deixando os poucos dentes a mostra num sorriso espectral. E Ludgar sabia quem era.
ㅤㅤ " O Roubo de uma vida
ㅤㅤ Um forte e majestoso espírito segurava o resto de seu corpo, parecendo decidido a não soltá-lo nunca mais em toda a sua vida. Aquele era o Rei Brathius.
ㅤㅤ " Os Majestosos Representantes
ㅤㅤ Ludgar olhou para o outro mago com rancor e curiosidade, enquanto as forças se esvaíam de seu corpo que já aguentara tanto tempo na terra. Ele já não mais se sentia jovem.
ㅤㅤ – Porque guarda tanto rancor de mim? - Falou, compassadamente. - Porque gastou os seus séculos, apenas almejando uma vingança contra mim? Sou mais velho que você, sei disso. E mesmo assim, perdi em questão de Poder. Porque você tem ao seu lado a magia rancorosa e pesada da vingança. Sou terrível e inescrupuloso. Mas um doente como você com certeza é mais! Diga-me, quem é você!? Maldito!?
ㅤㅤ – Hahahaha.... - O Velho riu. Deixando a vista mais de seu corpo. - Você realmente não sabe, certo? Pois esteja ciente que já tenho quatro séculos de vida, dos quais todos eles, eu passei vivendo apenas para este dia! Falta ainda algumas boas décadas pela frente, mas você será aquele que usarei para meu sacrifício para o próximo século.
ㅤㅤ – Apenas isso? Não. - E Ludgar riu. - Não é só isso... Diga realmente o que você...
ㅤㅤ – Cale-se! Você não está em posição de fazer nada ou dizer nada, Ludgar Vindemis! Você será apenas um corpo sem espírito. Nada mais que um nada! Que é o que merece...
ㅤㅤ E o velho foi caminhando lentamente na direção de Ludgar. O controlador de espíritos era assombrosamente lento, de modo que o ele se sentiu extremamente envergonhado de ser pego de guarda baixa por um homem como aquele. O velho demorou cerca de um minuto para chegar até Ludgar, mas em nenhum momento o seu sorriso – que era a única coisa que podia ser vista em sua face – se desmanchara.
ㅤㅤ O velho se postou na frente do mago frustrado e soltou um longo suspiro.
ㅤㅤ – Sabe, na época que você me fez tanto mal, eu esperava que você fosse o homem mais terrível e poderoso do mundo. Mas agora, mais lúcido, eu pude notar. O homem mais terrível e poderoso que eu conheço, sou eu mesmo!
ㅤㅤ E com uma risada maligna, o mago puxou o próprio capuz, revelando sua face deformada. Os anos fizeram com que as duas marcas sobre os olhos, cicatrizes deixadas pelo próprio Ludgar, lhe ficassem mais temíveis ainda. Elric, mesmo cego, pôde imaginar a face de terror do outro.
ㅤㅤ – Pela minha mãe, maldito!
ㅤㅤ Sendo ajudado pelos espíritos de Artirius, Brathius e Libertus, um jovem sonhador que fora morto por Ludgar, Elric usou da lâmina para arrancar os dois olhos do mago fora. Seu corpo estava tão em êxtase pelo momento que ele tremia e soltava leves gemidos a cada ato de crueldade que fazia ao homem. Ele viveu por tantos séculos apenas por aquele momento. O momento da retribuição.
ㅤㅤ – Em comemoração pelo seu Sexto Século de vida, Ludgar Vindemis, Matador de Reis, eu o condeno ao sofrimento eterno! Hahahahaha!
ㅤㅤ O último golpe com a lâmina da espada afundou no estômago de Ludgar, até o ponto em que o cabo da arma estava para entrar no corpo do mago velho. Ali, na empunhadura, o cristal negro enfeitiçado fez seu trabalho e engoliu a alma de Ludgar para dentro dele. Ele viveria quanto tempo Elric desejasse, sempre queimando nas brasas intermináveis do inferno embutido para a alma de Ludgar.
ㅤㅤ E também, daquele século em diante, até muitos e muitos milênios depois, o nome Elric Olhos da Escuridão ficou conhecido por toda a terra, como o detentor da magia dos espíritos e o líder de mais de três guardiões.
ㅤㅤ

3 comentários:

  1. A vingança definitivamente é um prato que se come frio. Alimentar este sentimento é uma coisa meio feiosa pra mim, mas confesso que de uma forma ou de outra todos tem algo desse sentimento, querendo se mostrar melhor do que outros com o passar dos anos.

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