sábado, 28 de agosto de 2010

Olhos Vermelhos - Capítulo 8



ㅤㅤ VIII
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ㅤㅤ De alguma forma, Hiroshi sabia que estava sonhando. Que aquilo não era a mais pura realidade. A temperatura ali parecia ser muito alta, cinquenta graus, talvez mais. Nunca tinha provado de tanto calor antes. Seus olhos abriram-se lentamente, tentando definir formas e ganhar foco, sentou-se e coçou-os com força. Só conseguiu voltar a enxergar alguns segundos depois, quando já se colocava de pé. E quando finalmente pôde observar a paisagem, o nipônico se arrependeu da pressa que teve.
ㅤㅤ Estava no meio de um grande desertor, ou algo do tipo. O chão mesclava areia negra e areia branca, fazendo do chão um mosaico surreal. No céu não havia sol, entretanto, um brilho vermelho-sangue trespassava as nuvens negras que acobertavam tudo acima do horizonte. No solo, Hiroshi podia ver algumas poucas árvores dispersas aqui e acolá, mas nenhuma tinha sequer uma folha. Estavam secas e retorcidas. Limpou o suor da testa e começou a caminhar. Aquilo só podia ser um sonho, mas estava tão real que não parecia ser um.
ㅤㅤ Minutos, horas, segundos; Hiroshi já não sabia definir exatamente por quanto tempo caminhava, a infinidade de areia parecia brincar com com ele, deixando-o caminhar à deriva, sem esgotar suas energias, mas cansando seu psicológico. Depois de muito tempo – ou, o que supôs Hiroshi – ele finalmente perdeu a força de vontade de continuar seguindo. As pernas bambearam e falharam, deixando os joelhos tombarem ao chão, seguidos do resto do corpo. As roupas estavam encharcadas de suor, e ele podia sentir a areia pinicar a pele conforme seu corpo chafurdava mais e mais no solo. Começou a bolar com mais calma as hipóteses de como estar ali.
ㅤㅤ Centenas delas surgiram, algumas completamente malucas, e outras com um pouco mais de nexo. Mas nenhuma era tão convincente quanto a de que estava sonhando. Seus pensamentos iam e vinham, Hiroshi tentando sempre inventar uma nova teoria sobre como chegara ali. Perdeu mais uma eternidade toda perdida no mundo de sua cabeça, só foi puxado de volta para a realidade com um leve ruído. Parecia com um chiado. Um chiado que vinha de longe e de todas as direções. Levantou a cabeça e direcionou seu olhar para todos os lados, o som parecia aumentar, mas nada aparecia.
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ㅤㅤ Agora, o chiado parecia mais com uma gigantesca televisão com caixas de som grotescas, colocadas sem sinal perto do seu ouvido. O barulho era tão alto que quase não sobrava espaço para ouvir os próprios pensamentos, que segundos antes eram tão claros. Fechou as mãos em volta dos ouvidos e encolheu-se na areia em posição fetal, comprimindo também a boca e os olhos, como se isso ajudasse a anular o som. Não demorou mais alguns segundos para o solo começar a tremer. No começo, algo fraco e quase imperceptível, mas que em curto espaço de tempo, cresceu a ponto de parecer um terremoto de larga escala.
ㅤㅤ Hiroshi abriu os olhos para ver se agora tinha algum sinal de mudança no cenário. Assim que conseguiu definir sua visão, ele perdeu o fôlego. Ficou olhando, atônito, para aquela onda negra terrível. Uma gigantesca nuvem vinha por todas as direções, tampando o céu e colocando no lugar dele, milhares e milhares de pares de olhos vermelhos. Cada qual pertencente a um pequeno diabrete, demônio, ou seja lá o que era aquilo. Tinham o tamanho de cachorros de médio porte, formato de morcegos, olhos chamejantes e garras prateadas que refletiam o brilho do olhar. Mas, a pior observação que o japonês teve, é que todos eles se focavam num único centro: Ele.
ㅤㅤ Não havia nem ao menos para onde fugir. Para todos os lados, via a nuvem negro-avermelhada acobertar o céu. Encolheu-se na areia e pôs as mãos em volta da cabeça. Agora o som era ensurdecedor, Hiroshi não conseguia pensar em mais nada, só tinha medo, temia pela própria vida. Seja lá o que fosse aquilo, só estava piorando. Os demônios agora começavam a voar em círculos a sua volta, eram milhares, de modo que ele se sentia no centro de um tornado assassino, mas nenhum ousava atacar. Os grunhidos que eles soltavam pareciam expressar desdenho e graça de seu medo. Como se, caso ficassem voando ali por horas, Hiroshi ficasse gritando feito uma menininha para eles. Ele até poderia mudar de atitude, futuramente, mas agora estava preocupado demais com a própria segurança, encolhido próximo a areia.
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ㅤㅤ E foi então que, sobreposta a toda aquela algazarra, Hiroshi ouviu a voz maníaca e sácida na sua mente. Risadas, alguém ria de seu medo, alguém achava graça do modo como agia. Não era como aqueles demônios, era algo ainda pior. Sentia a voz soar dentro da própria cabeça, e podia vê-la em partes. Um par de olhos em brasa engolia sua mente de dentro para fora. Abriu os olhos para o terror a sua volta, os demônios, todos, de uma vez, investiram contra ele.
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ㅤㅤ – HAAAAAAAH! - O nipônico gritou, imediatamente caindo da cama. A camiseta estava encarda de suor e o peito subia e descia desregulado. Que maldito pesadelo era aquele!? Seus olhos e sua mente estavam ativos, não aparentava ter dormido, apenas aparentava ter piscado os olhos, e agora estava de volta ao seu quarto. Estabilizou a respiração, e logo depois passou a mão na testa, limpando o suor que também o enchia ali. Levantou-se do chão, precisava tomar algo antes de voltar a dormir, tirou a poeira das pernas e já ia rumar na direção da porta quando os olhos fixaram-se na janela. Ali, do outro lado do vidro, postava-se mais dois pontos brilhantes, um diabrete arranhava o vidro freneticamente, tentando adentrar o quarto.
ㅤㅤ As garras, o olhar, a pelagem, a forma; tudo era idêntico, aquilo era uma das feras que o atazanara no sonho. Mas agora, aquilo era real. Ou aparentava ser bem mais real que o sonho. Perdeu tanto tempo olhando abobado para a janela que a criatura teve finalmente a força necessária. Arremessou as garras contra o vidro e rachou-o, formando um mosaico tendo como centro o local do golpe, em seguida jogou seu corpo contra a barreira. O demônio caiu sobre os cacos de vidros, no chão do quarto de Hiroshi, que instintivamente afastou-se na direção da porta, sem desviar o olhar da criatura. Ela levou alguns segundos para se levantar, atordoada pelo golpe, e depois, virou-se na direção do nipônico. Esboçou um sorriso grotesco e avançou na direção dele com um salto. Hiroshi interceptou a criatura em pleno vôo, um chute bem dado trespassou o monstro e o transformou numa nuvem negra que desapareceu um segundo depois. Nunca pensava que poderia usar seu Karatê contra algo que não fosse humano.
ㅤㅤ Ficou olhando, abobado, para o nada, exatamente onde o diabrete estava. Tão fácil? Não poderia ser. Tinha de fazer alguma coisa, contar para alguém. Pensou nos seus pais, dormindo no quarto abaixo. Mas descartou a idéia de imediato, queriam ele, não valeria a pena arriscar entes queridos. As idéias sumiram quando ouviu grunhidos e sentiu um golpe trompar-se na porta do quarto. Estaria encurralado se ficasse ali.
ㅤㅤ – Certo... Hora de retribuir ao sono perdido. - Comentou para si mesmo. Abriu a porta de uma vez, fazendo com que dois diabretes tombassem juntos aos seus pés. De uma única vez, deixou seu corpo cair sobre eles, e mais dois se tornaram nuvens negras. Saiu para o corredor e perdeu o fôlego com a visão. Aparentemente, aquelas criaturas só tinham fraquezas a golpes originados dele, afinal de contas, elas haviam destruído grande parte dos móveis, janelas e tablados do segundo andar. Não tardaria muito para seus pais subirem as escadas e derem de cara com os bichanos.
ㅤㅤ Tomou fôlego, era quase um ato suicida, mas a única idéia que estava tendo. Avançou contra a horda de figuras negras, desferindo socos, pontapés e trombões à torto e à direito. Uma a um, eles foram desaparecendo. Sentiu cortes se formarem por todo o corpo, as garras e presas das criaturas se fincando e relando em sua pele, abrindo sangramentos aqui e acolá, mas mesmos assim, estava na vantagem. Ganhava das criaturas.
ㅤㅤ A última delas se tornou um vulto negro e dissipou-se em seguida. Hiroshi tombou, arfante, no canto do corredor. Já haviam se passado alguns minutos, mas os pais não vieram até ele. Onde estariam eles? Estava cansado demais para continuar, os cortes ardendo no corpo inteiro. Olhou para o corredor todo destruído, soltou um suspiro desconsolado. Aquele tipo de coisa estranha nunca aconteceu com ele, sempre com Melissa. Por que logo agora ele era avítima? E de algo tão monstruoso quanto aquelas criaturas? Fechou a boca e se arrependeu do que dissera, melhor ele do que Melissa. Os olhos arregalados procuravam um culpado, mas não achavam nenhum.
ㅤㅤ Um formigamento lhe subiu pela mão, e ele olhou para o corte nela. Aquele não fora provocado pelos diabretes. Era aquele corte que fez no fim da tarde, quando devia estar protegendo Melissa. Quase sem que ele mesmo notasse, começou a associar um fato com o outro. Sentia do fundo da alma que tudo aquilo estava interligado. E que coisas ainda piores estavam a vir. Mas, naquele momento, estava cansado demais para fazer qualquer coisa. Fechou os olhos, tinha de descansar.
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