quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Olhos Vermelhos - Capítulo 3


ㅤㅤ III
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ㅤㅤ – Certo. Dois espetos de filé, um de coração de galinha, e mais três sobás pequenos, certo?
ㅤㅤ Os fregueses menearam com a cabeça para Hiroshi.
ㅤㅤ O atendente apertou uma série de teclas no seu pequeno aparelho eletrônico, e em menos de alguns segundos, o pedido saltou na tela da cozinha, indicando a ordem dos pedidos e o que eles teriam como guarnição. A Feira, que antes era na rua, largada às tendas e lonas, agora tinha um toque de modernização nunca antes visto.
ㅤㅤ Era quarta. Dos quatro dias em que se fazia feira, aquele era um dos medianos, mas mesmo assim, Hiroshi tinha de levar pedidos para mais de 6 mesas. O que era um trabalho em tanto. Sentiu um toque no ombro e virou-se a ponto de olhar seu primo passando. O japonês pálido, magro e baixo era uma figura, e até hoje não entendiam como ele atendia tão bem, sendo tão calado. Hideki havia lhe chamado a atenção para a entrada da barraca.
ㅤㅤ – Hiro! Hideki! - Melissa gritou na entrada.
ㅤㅤ Ambos acenaram ao mesmo tempo, enquanto corriam com os pedidos, Hideki quase derrubando o sobá que carregava na cabeça de uma velha freguesa. A menina para qual acenavam era uma amiga antiga, que conheceram no pré. Os três estudaram juntos no Visconde de Cairu, escolha cheia de descendentes de japoneses e mestiços, e a amizade se prolongou pelo fundamental e ensino médio facilmente.
ㅤㅤ Ela sentou-se na mesa do canto, ajeitando os cabelos negros, típicos da mestiça que era.
ㅤㅤ – E aí, Lissa, vai o que? - Hideki abordou-a com o pequeno equipamento em mãos.
ㅤㅤ – Hm. Quero Dobradinha hoje. Tem?
ㅤㅤ – Tem sim.
ㅤㅤ – Pequena, então.
ㅤㅤ – Beleza.
ㅤㅤ Como de costume, o pálido garoto se esquecera de perguntar sobre bebidas. Por sorte, os muitos clientes antigos já se acostumaram à desatenção do garoto. O difícil era quando encontrava novos clientes. Melissa ajeitou-se na cadeira e olhou em volta. Não demoraria muito para o pedido chegar. Surpreendeu-se apenas ao ver Hiroshi o colocando na mesa. Geralmente, ele não entregava o pedido dos outros. Então, aquilo poderia ser quase um elogio para ela, que sorriu para ele.
ㅤㅤ – Quanta honra para mim o sucessor da Yamada Sobá me servindo. - Brincou ela.
ㅤㅤ – É. Só não se acostuma, Lissa. - E colocou o prato a frente dela. - Escuta, fiquei sabendo do festival de Karaoke. Parece que Campo Grande vai realizar a festa de novo. Tu vai?
ㅤㅤ – Hah, vou sim. Ultimamente um monte de festas japonesas estão vindo para cá, né? Tá certo que Campo Grande é um antro nipônico, mas me surpreendo com o número de eventos que vem surgindo. Vai ser mês que vem, o Pato vai cantar, alias.
ㅤㅤ – O Pato?
ㅤㅤ – É. A galera disse que ele tá treinando loucamente.
ㅤㅤ Hiroshi riu.
ㅤㅤ – Vou tentar ir, então.
ㅤㅤ – Isso, vamos juntos. Chama o Hideki também, Hiro!
ㅤㅤ – Beleza. Então depois eu vejo direit..
ㅤㅤ – Hiro! Menos conversa! Mesa 8 pedindo o yakisoba! - Bradou o pai, quase ao mesmo tempo que a mãe lhe observava com um sorriso de deboche, pela bronca de graça.
ㅤㅤ – Ok! Nos falamos depois, Lissa.
ㅤㅤ – Tá. Vai lá.
ㅤㅤ Hiroshi voltou à correria.
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ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
ㅤㅤ
ㅤㅤ E, depois daquela primeira aparição, eu demorei muito a vislumbrar aquela cena novamente. A sombra, aquela pequena centelha de esperança que me iluminou por breves minutos desapareceu por horas, dias, anos. E eu me perdi novamente na minha solidão, restando a mim apenas a tarefa de clamar por ajuda. De soltar meus murmúrios e gritos por ajuda para aquelas silhuetas disformes que passavam com tanta constância a minha frente, do outro lado da vidraça.
ㅤㅤ Meu pessimismo tomava conta de mim mais uma vez. Afinal, você também perderia as suas caso passasse pelo que passei. Toda aquela dor, todo aquele sofrimento! É talvez a única coisa que nunca poderei esquecer. Nesta minha prisão, sem um corpo fixo. Sem minhas lembranças. Ha! Como eu gostaria de poder morrer de uma vez! De ser levado ao Vale Negro, ou às Portas do Paraíso! Qualquer coisa é melhor do que todo este negro, todo este silêncio.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Mas naquele dia, surgiu novamente a minha frente.
ㅤㅤ Uma silhueta postava-se do outro lado da vidraça velha, como se apreciasse observar meu sofrimento. Encarei-a, não era a mesma da outra vez, a aura era completamente diferente. Mas mesmo assim, aquela também podia me ver e ouvir. Forcei minha voz e clamei pela sua ajuda. E como resposta a cada uma de minhas súplicas, ele se aproximava um passo, fazendo a sua forma tornar-se mais nítida. Até que finalmente, ela tocou no vidro.
ㅤㅤ – Qual mundo é mais terrível, afinal de contas? O seu, inundado de solidão. Ou o nosso, inundado de ignorância? - Disse, a primeira voz que eu escutava em muito tempo. Tinha uma tonalidade fraca, como se fosse um garoto mal-formado no mundo dos homens, e seu tom de pseudo-gentileza causava calafrios de medo em minha consciência.
ㅤㅤ – Clama por algo melhor. Mas o que é melhor?
ㅤㅤ A sombra começou a afastar-se.
ㅤㅤ – Você é patético. - Ela disse por fim, e, antes de partir, dois pontos incandescentes se formaram. Dando a mim o vislumbre do vermelho novamente. Mas não fiquei feliz pela quebra do monotonismo, aqueles eram olhos inumanos. Olhos terríveis, como os deles.

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ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
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ㅤㅤ A marmita estava aberta e fria em cima da mesa. E, como sempre o local estava úmido e escuro demais. Mas nenhum dos dois ligava para aquilo. Felipe afundou o cigarro no cinzeiro e usou as duas mãos para mexer nos dados do seu laptop, afinal de contas, aquilo era o que ainda dava o lucro para sua sustentar aquela casa. Não que aquilo fosse mais do que uma necessidade fútil.
ㅤㅤ – Guri, quase esqueço. - A voz veio do sofá velho e surrado. - E a presa?
ㅤㅤ – O que tem ela? - Felipe respondeu, sem muito interesse na fala do velho.
ㅤㅤ – Já achou?
ㅤㅤ – Não. Qualquer um tá bom.
ㅤㅤ – Qualquer um! - Retrucou o velho, levantando-se. - Qualquer o cacete, guri! Se quem você escolher for espertinho demais, pode fuder com o esquema todo. Também, se for qualquer um, pode ser alguém de alma fraca e sem-graça. Aí, de nada adiantaria.
ㅤㅤ Felipe suspirou, vendo o velho levantar-se do sofá. Como sempre sua camisa estava desabotoada, deixando a barriga grande e gordurosa para fora. A barba estava sem ser feita havia semanas, e ele cheirava a pinga em cada centímetro de seu corpo. E, mesmo assim, aquele ainda era seu instrutor. Deplorável.
ㅤㅤ – Todo o plano foi idéia minha, Tobias. Fui eu quem tive a brilhante idéia de fazer algo no final de sua vidinha azeda. Pode deixar que vou fazer tudo certinho.
ㅤㅤ O tapa veio certeiro na cara pálida de Felipe. O velho ria alto, na cara dele.
ㅤㅤ – Idéia sua!? Se não fosse pelo que eu te falei até agora! Se não fosse por isso, você teria errado logo na primeira manobra, bostinha! Vê se me respeita que ainda tu é meu pirralho. Que tu ainda aprende comigo. Agora, cuida logo da presa, ou vai dar problema.
ㅤㅤ Respirou fundo, era sempre assim. Sempre rude demais. Aquilo não combinava com ele, com Felipe, que fora criado numa família nobre de Belo Horizonte. Mas sacrifícios e tempos duros eram necessários para recompensas maiores. E, para tudo aquilo que ele almejava, valia a pena sujeitar-se a Tobias das Claras Neves. Desviou o olhar para o próprio laptop novamente, voltando a digitar com calma.
ㅤㅤ – Eu despertei um pouco mais da alma do Macedo, e fiz ele ter ainda mais medo de ficar só. Agora ele vai conseguir se comunicar com qualquer pessoa que tenha um sexto sentido um pouco mais aguçado. Como o cara foi um babaca, e ainda é, não vai demorar muito pra ele implorar por ajuda e alguém atender, mesmo sem saber o que fazer. Ele nem se lembra da gente, eu acho. - E parou de digitar, olhando para Tobias, novamente. - É só juntar isso, com a situação perfeita, que nosso jogo começa.
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ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
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ㅤㅤ – É isso então, Lolô.
ㅤㅤ Messias cumprimentou o amigo. Carlos nem acreditava que tudo tinha dado certo. Esperava que sua mulher fosse reclamar que seria dinheiro jogado fora, ou pensava que surgiria algo urgente a se pagar com o dinheiro extra. Mas tudo correu bem, a esposa aceitou e não nenhuma conta apareceu. A moto do Messias já estava bem desgastada, as rodas estavam com alguns remendos, a pedaleira e a chave de ignição meio emperradas, mas, para Carlos, aquilo parecia o veículo mais lindo do mundo. O seu veículo.
ㅤㅤ – Trago a papelada toda até quarta. - Disse, enquanto colocava as chaves na mão de Carlos. - Até lá, acho que tu já pode aproveitar, não pode?
ㅤㅤ – Valeu, Messias, tu me fez um preço camarada nela.
ㅤㅤ – Que isso, eu poderia pedir até menos nela, mas é que preciso da grana. Sabe como é...
ㅤㅤ – Tranquilo. Então, deixa eu levar ela pra casa, que a patroa já tá esperando.
ㅤㅤ – Haha, vai logo então, Lolô.
ㅤㅤ E assim Carlos deixou a casa do amigo, levando a moto pelo guidão. Ainda não se arriscaria a montar nela. O entusiasmo era tanto que poderia causar um acidente, tão feliz ele estava que até se esqueceu do estranho incidente do outro dia.
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2 comentários:

  1. Olá Tadashi, tudo beleza?
    Eu acho que vc escreve muito bem e já está pronto para escrever um livro.
    Gosto dos detalhes da sua narrativa. Mas se vc aceita uma crítica construtiva, eu acho que os posts em blogs não podem ser tão longos, pois os blogs são como revistas eletrônicas, que as pessoas entram para ler algo rapidamente. Se não for algúem que gosta de lar assim como eu, acho que as pessoas não lêem.

    Um abração!

    Depois se vc tiver tempo, dá uma entradinha na minha pagina no recanto das letras e me fala o que vc achou dos textos de lá, até acho que vc deveria colocar uma pagina sua lá também, o link da minha pagina está no meu blog.
    Eu indico os textos:
    Anjos
    O misterio da falta d'agua
    Ainda não é o apocalipse

    Outro abração, hahahahaha

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  2. Tadashi!!!
    Acompanho os caítulos lentamente, mas já estou me empolgando na leitura!
    Os posts realmentes pareciam muito longos até agora, mas é só até engranar a história e os personagens se tornarem mais próximos do leitor.
    Agora li com mais facilidade, e o mistério da narrativa está me deixando maais curiosa!
    Vou passar pro próximo capitulo!! ^^
    Voce escreve muuito beem, é livro na certa!

    ( postei a ultima parte do conto lá ^^) beijo

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