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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Olhos Vermelhos - Capítulo 11


ㅤㅤ XI
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ㅤㅤ – Todos para dentro, agora! - Felipe gritou irritado, saltando para o volante da primeira das vans. Uma pequena confusão se formou para entrarem nos veículos, irritando ainda mais o discípulo de Tobias, que ligou a chave do carro e acelerou, deixando os dois homens que iam subir no carro para trás. Virou a esquina com rapidez, ainda havia tempo de achar e capturar a Isca. O maldito velho vidente ainda iria pagar pela sua insolência com ele, o futuro Rei do mundo.
ㅤㅤ Tobias, que estava a escrever algum rabisco qualquer num pequeno e amassado caderninho que carregava consigo, fechou suas anotações e colocou sua cabeça para frente, encarando Felipe.
ㅤㅤ – Sendo passado para trás por um Charlatão, Guri? - A pergunta veio seguida de uma gargalhada nojenta.
ㅤㅤ – Não enche, velho.
ㅤㅤ Iria até dirigir algum comentário mais agressivo ao mestre, quando o som de estalos fortíssimos soaram no capô. Estavam atirando contra ele. Os contratados destravaram suas armas e se aglomeraram nas janelas, abrindo o suficiente para o cano das armas ficarem para fora, um dos mercenários, João Paulo, estava caído no fundo da van, ao lado de um buraco no vidro. Fora atingido no peito, e agora respirava com dificuldade, tentando clamar alguma ajuda para si. Mas, bem no fundo, sabia que ninguém iria auxiliá-lo; ninguém estava ali por demasiada bondade.
ㅤㅤ Do lado de fora, a falta de iluminação do bairro contribuía para que Romanov se ocultasse da van. Ele havia disparado dois cartuchos cheios contra a Van, mas sua pouca idade e falta de prática com armamento de fogo não permitiu que os segurasse por muito tempo. Saiu de sua tocaia, atrás de um amontoado de lixo para disparar as últimas balas do terceiro cartucho.
ㅤㅤ O som de pneus queimando veio as suas costas, Romanov sentiu um forte puxão, o tragando para o monte de lixo amontoado na beira da calçada. Seu coração só se acalmou ao ver a expressão quase imutável de Azaias ao seu lado. O negro mago estava diferente, os olhos estavam sem as orbes negras de sempre. O que indicava a presença de mais um espírito, além da do próprio Azaias, dentro do corpo. A segunda van virava a esquina, apressando-se para seguir a de Felipe. Romanov impressionou-se ao ver o parceiro de seu pai engatilhando a pistola facilmente e disparando com facilidade sobre o veículo negro. Duas balas certeiras atingiram a cabeça do motoristas, e outras duas fizeram as rodas dianteiras do carro murcharem. O carro ziguezagueou alguns metros antes de subir a calçada e ir de encontro ao muro de uma velha casa.
ㅤㅤ Um breve silêncio tomou conta do local, seguido de um segundo roncar de motor e tiros em seguida, vindos do outro lado da quadra.
ㅤㅤ – Vamos, mais ninguém virá deste lado. - Disse ao garoto. A voz do homem soou, fazendo até mesmo Romanov – que já estava acostumado com o mundo da magia, se arrepiar de leve. Não fora um único timbre, e sim dois que soaram. Duas vozes na mesma entonação e sincronia, dizendo a mesma coisa.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Assim que Azaias tinha pulado o muro da casa, instantes antes, ele se escondeu atrás de uma grande mangueira plantada no quintal da casa. Ali, puxou do bolso esquerdo do terno um velho livro de couro batido, fechado com uma amarra de barbante amarelado. Pousou a arma no chão e arrancou o barbante fora, começando a folhear o papel velho do livro de ritos que lhe fora passado pelo seu antigo mestre, já falecido há muito tempo. Os dedos acostumados com as folhas foram rápido em identificar a página. Na verdade, Azaias já sabia de cor e salteado as palavras que precisava pronunciar, mas o rito pedia o uso do livro.
ㅤㅤ Começou a ladainha em voz baixa, quase um sussurro incessante.
ㅤㅤ Januário Leite, pistoleiro de renome, que já havia há muito tempo sido assassinado por inimigos feitos durante a vida, sentiu sua alma vibrar novamente. Estava sendo chamado, novamente aquele homem o convidava para ingressar no reino dos vivos e açoitar mais almas. Alegre e excitado a alma respondeu ao chamado no mesmo instante.
ㅤㅤ Azaias piscou. Agora, não era apenas ele quem habitava o corpo. Seu forte e manipulador espírito envolveu a alma de Januário, deixou que ele parcialmente regojizasse novamente dos ares terrenos. Segurou a arma com a experiência de um mestre, girou-a no dedo e saiu de trás da mangueira, saltando para o lado de onde ouvira os primeiros tiros.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Dimitri encontrou sua tocaia atrás de um muro inacabado, calculou que aquela pequena barreira só seria capaz de ocultá-lo, pois era frágil demais para segurar balas que provavelmente poderia enfrentar. Buscou com os olhos por outro abrigo, mas a audição lhe tragou toda a atenção, pneus cantando. Voltou seu olhar para a esquina a ponto de ver os faróis saltando de trás da casa de madeira velha na ponta da rua. Não haveria tempo de se esconder em outro lugar, só podia era se ocultar ali e torcer para que demorassem a achá-lo, dado a rua também escura. Engatilhou a pistola e acomodou-se da melhor maneira possível atrás da mureta.
ㅤㅤ Josué estava pegando o celular para contactar Felipe na primeira van, quando o vidro do seu lado estilhaçou e atingiu o motorista de raspão, fazendo o gigante brutamontes frear e virar o carro bruscamente. O pistoleiro de carteirinha quase bateu a testa no vidro, visto que ainda não tinha colocado os cintos. Xingou o maldito e sacou a pistola, apontando para fora, exatamente para a mureta onde Dimitri estava. Josué tinha prática com tiroteios, os que enfrentara no Paraguai eram bem mais sangrentos e loucos que aquela simples troca de tiros, ele apontou a arma com precisão porque os anos lhe indicavam de onde vinham os projéteis.
ㅤㅤ Dimitri ouviu um estalo, e viu o tijolo ao lado da cabeça estourar, fazendo o ouvido tinir. Jogou-se no chão a tempo de ver outros cinco furos se fazerem no lugar onde estava de cócoras. Os tiros vieram de uma única pistola, apenas um dos malditos sabia onde estava, mas aquilo não duraria muito. Provavelmente o resto dos mercenários da van seguiriam o primeiro na direção dos tiros. Levantou a mão e disparou contra o carro. A falta de prática não ajudava muito, entretanto, perfurou o vidro do carro, e ouviu mais uns dois gemidos vindos de dentro. Cartucho vazio, recarregou rapidamente. Já ia se acocorar para atirar novamente com mais precisão, quando uma algazarra de disparos assolou seus ouvidos. Tiros pipocavam no chão a sua volta e na parede, no susto de ter de se abaixar, a pistola escapou da mão e voou alguns centímetros para fora da proteção da mureta que mais parecia queijo suíço agora. Dimitri sentiu uma leve ardência no ombro, mas ignorou a dor que provavelmente tinha sido causado pela sua brusca tentativa de se salvar indo ao chão. Bufou, dando um sorriso de leve, fruto de sua personalidade suave. Se pelo menos Tobias estivesse dentro da van, ele estaria sendo atrasado.
ㅤㅤ Olhou novamente para a pistola ali ao lado. Os tiros tinha cessado, mas a van ainda estava no mesmo lugar, o carro ligado e fazendo barulho do outro lado da rua. Talvez pudesse se aventurar e pegar a arma. Ficar ali, imóvel, era o que não poderia fazer. Respirou fundo, juntou as forças e flexionou as pernas fora do chão, deixando apenas a ponta dos pés sobre a terra da calçada. Tinha de tentar agarrar a pistola de uma única vez e em seguida correr, sua salvação seria caso chegasse mais adiante, atrás de um amontoado de tralhas velhas que só agora tinha notado. Deixou o silêncio lhe tomar o pensamento por alguns segundos e em seguida abriu um riso, afinal, se morresse ali, aquilo não seria o fim de sua jornada. Saltou com todas as suas forças para alcançar a pistola.
ㅤㅤ Dentro do carro, a mira impecável de Josué apontava para um lugar diferente da do resto dos seus homens. Eles pararam de atirar a mando dele, e agora aguardavam suas ordens, mirando todos para a mureta. Mas não seria ali que o inimigo estaria. Aquele desgraçado que tentara parar eles agora iria reaver sua arma de fogo, Josué estava pronto para disparar, a mira fixa alguns centímetros acima da pistola caída na calçada. Nos bancos de passageiros, dois homens estavam caídos, um com um sangramento feio no braço gemia feito uma morsa. O outro, com um buraco feio na jugular, jazia imóvel no chão do carro. Movimento, Dimitri saltou de trás da mureta e entrou perfeitamente na mira de Josué, ia puxar o gatilho, quando sentiu uma pontada de dor no ombro e a mira se desfez, fazendo seus disparos acertarem o muro atrás do pálido algoz dos mercenários.
ㅤㅤ – Josué! - Gritou um dos homens dentro do carro, olhando para ele e abaixando o fuzil.
ㅤㅤ – Anda com o carro, homem! - Foi o que ele conseguiu falar, direcionando seu olhar para o motorista ferido no braço, ao seu lado. O pistoleiro profissional arfava enquanto segurava com força o ombro ferido, uma bala certeira o atingiu ali. A van disparou pela rua, ganhando distância do tiroteio. Três tiros ainda soaram, quebrando o vidro de trás da van e arrancando a vida de mais dois homens.
ㅤㅤ Azaias abaixou a pistola, apoiado sobre o muro. Romanov estava ali atrás, dando seus ombros como apoio para o negro não precisar saltar o muro, e sim, atirar usando-o como barreira. Do outro lado dos tijolos, Dimitri sentava-se cansado na calçada, deixando o peito ir e vir freneticamente em busca de ar. O mago descendente de russos tinha um sangramento leve no ombro, fruto de uma bala que o atingira de raspão, instantes antes.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Felipe acelerava quase sem pensar que possíveis carros pudessem se colocar no seu caminho. Furava sinais vermelhos e deixava buzinas enlouquecidas para trás. Estava entrando para a área pavimentada da cidade, o trânsito aumentava, assim como os riscos de se dirigir daquela forma. Os dedos batucavam o volante, escondendo sua tensão. Queria fumar, relaxar, mas não era a hora exata para isso. Agora, tinha de se concentrar em achar a isca, ela já sabia da existência dele. Já sabia que não eram apenas sonhos e pesadelos, que não estava ficando louco.
ㅤㅤ Tentou, novamente invadir a mente de Hiroshi, mas descobriu que mais uma vez os laços feitos entre sua alma e a dele estavam obstruídos. Malditos Magos da liga! Queixava-se em silêncio. Olhou de relance para trás, vendo vidros estilhaçados e um homem gemendo no fundo com um ferimento à bala. Eles estavam agindo mais rápido do que pensavam.
ㅤㅤ – Não preciso voltar a dizer o quão estúpido você foi, preciso? - A voz de Tobias soou, rouca e grave, atrás do banco. - Dimitri, Azaias e Vicente são homens que não brincam em serviço. Quando você os atraiu, deixando as informações vazarem de seu computador, pensava que seriam meros peões no seu jogo todo. Mas a merda foi, guri, que você esqueceu-se que cada um deles é igual a mim. E eu não sou qualquer brincadeira, qualquer bostinha.
ㅤㅤ "No início, eu formulei todo o plano pra você. Te dei as dicas e indicações, e até mostrei como entrar em contato com a liga. Mas olha só, cabra, agora é com você. Eu, Tobias, sou só um velho arretado que está dando auxílio ao aprendiz. Se você não se cuidar, eles te derrubam. Principalmente o Vicente, quando o cabra enfia algo na cabeça, dificilmente ele larga mão.”
ㅤㅤ Não houve resposta para o monólogo de Tobias.
ㅤㅤ Felipe acelerou mais e virou bruscamente uma esquina, com um sorriso na face. Vira, de relance, a um outro veículo grande e quadricular virando a esquina adiante. Ignorou qualquer coisa que seu mestre falasse, ainda alcançaria a Isca. Ainda podia senti-la, mesmo que fracamente, dentro de seu ser. Afinal de contas, a decadência de Hiroshi era a sua ascendência. Piscou os olhos, deixando a energia maligna dominá-lo por um segundo, no qual soltou um grunhido inumano: Já sentia as forças crescendo dentro de seu corpo, logo tomaria seu lugar de direito.
ㅤㅤ
ㅤㅤ – Não, não. Espera, mano! - Carlos gritou no ouvido de Hiroshi, só assim se fazendo escutar.
ㅤㅤ O nipônico passava acelerado pelas ruas, havia poucos minutos, tinham entrado numa parte pavimentada do bairro, dando a eles um pouco mais de estabilidade da direção. Deixou toda a confusão da sua cabeça de lado e virou-se para Carlos, dando-se ao luxo de estacionar no acostamento para dar atenção ao amigo.
ㅤㅤ – Nossa, cara, tô te chamando faz tempão. Ficou surdo?
ㅤㅤ – Não, Carlos. Só... só estou tentando pensar direito.
ㅤㅤ – É. Mas nessa aí quase atropelou meio mundo. Olha, a gente não pode dirigir feito louco sem saber para onde ir. Tu vai pra algum lugar agora? Voltar pra casa ou ir pra casa de alguém?
ㅤㅤ – Não sei. Acho que vou pra um hotel ou coisa do tipo, não quero arriscar a vida dos velhos.
ㅤㅤ – É uma boa. - Respondeu Carlos, emfim podendo racionar melhor.
ㅤㅤ Subitamente, a menina colocou a face de pele escura no meio dos dois.
ㅤㅤ – Não. - E olhou para Hiroshi. - Você tem que ir para quem há de lhe revelar tudo.
ㅤㅤ Os dois olharam para a garota como resposta.
ㅤㅤ – E quem seria essa pessoa, menina?
ㅤㅤ – Luana.
ㅤㅤ – Luana? - Indagou Hiroshi, tentando lembrar de alguma que conhecia.
ㅤㅤ – Não, Luana é meu nome, não precisa me chamar de menina. A pessoa que você deve procurar é alguém que conhece você desde sua infância, vi vocês brincando juntos.
ㅤㅤ – Melissa? - O nome veio quase que de imediato.
ㅤㅤ – Não é uma mulher. É um garoto. Assim como você, é japonês – ou chinês, sei lá. Ele é pálido e magro, quase sempre parece ter uma cara de sono. Ele vai contar para você, de alguma forma, tudo que você precisa saber.
ㅤㅤ – Viu tudo isso?
ㅤㅤ – Mais ou menos.
ㅤㅤ – Certo. Eu já sei para onde vamos. - A fala de Hiroshi assustou ambos.
ㅤㅤ – Mas já? - Carlos perguntou, descrente.
ㅤㅤ – Só há uma pessoa que eu conheço que se encaixa nessas descrições todas. E acho que ele tem o jeito perfeito de encontrar tudo que precisamos.
ㅤㅤ – Bom, se tem tanta certeza, vamos rápido. - Luana disse, voltando a se sentar em seu banco.
ㅤㅤ – Certo.
ㅤㅤ Hiroshi já ia ligar o motor da van novamente quando Carlos intercedeu.
ㅤㅤ – Opa, opa. Calma lá, Hiro. Deixa eu dirigir.
ㅤㅤ – Você!?
ㅤㅤ – É.
ㅤㅤ – Já dirigiu antes?
ㅤㅤ – Já sim.
ㅤㅤ – Mas você não tem carro, eu tenho mais prática.
ㅤㅤ – Eu sei, mas só que você anda feito um louco pela cidade, cara. Se tu quer andar rápido, tem que fazer direito. E pra isso é preciso algo que você não tem.
ㅤㅤ – O que?
ㅤㅤ – A Malandragem.
ㅤㅤ Com o grandioso argumento, Hiroshi não mais questionou. Apenas trocou de lugar e deixou Carlos dirigir. O mulato, logo ao sair, passou raspando com o carro em dois veículos de jovens que se aventuravam na madrugada. Arrancando xingamentos dos meninos. Carlos riu em resposta, deixando tanto Hiroshi quanto Luana com medo da decisão de deixá-lo no volante.
ㅤㅤ Enquanto isso, no último um celular preto de última geração vibrava, sem chamar a atenção de ninguém.
ㅤㅤ
ㅤㅤ – Nada.
ㅤㅤ Marco já estava bem melhor agora. Sabia que Raquel, a moça, ainda não havia morrido, mas que em breve sua alma seria devorada por completo. Deixaram-na na casa abandonada desacordada, e assim ela ficaria até o fim de sua vida. Morreria, tendo como causa da morte um infarto. Mas na verdade, seu subconsciente lutaria até não poder mais para se livrar dos demônios. Balançou a cabeça, afastando os pensamentos e se voltou ao monitor do laptop ligado, no seu colo. Marco usava fones de ouvido e microfones.
ㅤㅤ – Mas que droga! O que diabos Dimitri e os outros estão fazendo!?
ㅤㅤ Estavam com o vectra estacionado numa rua onde rachaduras e buracos rompiam em vários pontos da estrada, o bairro pobre começava a ganhar novas infra-estruturas, mas havia muito tempo desde que o governo se importara em cuidar bem do que davam a eles.
ㅤㅤ Marco deitava os dedos sobre as teclas rapidamente, deixando o barulho de teclar rechear o carro sedã. Fazia duas coisas ao mesmo tempo, a primeira, era ligar para Azaias e Dimitri. A segunda era tentar invadir a rede de localizadores GPS da van que eles alugaram. Se não entravam em contato com eles, pelo menos poderiam segui-los. Ficou alguns minutos em novas tentativas de ligações, mas nenhum dos números discados tinham resposta. Finalmente, desistiu das ligações e começou a se concentrar na invasão do programa de ligazação. Entrou no site da empresa pelo prompt de comando e, de uma abertura da segurança do site, invadiu a rede de computadores. Os dedos viajavam enquanto ele quebrava defesa por defesa do firewall da rede. Não demorou muito, uma imagem do mapa da cidade, surgiu. E, nele, um ponto vermelho piscando em movimento, numa rua. Abriu um sorriso e virou-se para Vicente.
ㅤㅤ – Pronto, localizei.
ㅤㅤ – Está muito longe daqui? - O mestre foi direto, já ligando o carro.
ㅤㅤ O discípulo olhou para fora, identificando a rua em que estavam e o número de uma casa da quadra. Jogou informações no sistema aberto e logo outro ponto apareceu na tela. Seus olhos se arregalaram e ele se virou para vicente, que estava começando a sair do acostamento.
ㅤㅤ – Chefia...
ㅤㅤ – Diga, Marco.
ㅤㅤ – Lá.
ㅤㅤ No exato instante, uma van passou cruzando a toda velocidade na esquina. Segundos depois, uma segunda van passou correndo atrás da primeira. Vicente demorou um pouco mais para compreender a cena e tirar alguma conclusão. Provavelmente, Tobias descobrira que a Liga já estava ali, e estava os perseguindo. O vectra cantou com os pneus e disparou atrás da perseguição.
ㅤㅤ
ㅤㅤ O Tiradentes já estava ficando para trás, em breve a van agora dirigida por Carlos alcançaria a avenida. Hiroshi estava ainda tenso, sentia que ainda não estavam seguros, alguma coisa dentro dele dizia. Ainda conseguia controlar sua raiva, que antes o deixava desenfreado, mas agora voltava a sentir aquela grande presença sobre seu corpo, como se estivesse sendo observado.
ㅤㅤ Um toque gelado o fez quase saltar o banco. Luana segurava seu braço, a menina tinha os olhos vidrados a frente e a boca parecia tentar balbuciar alguma coisa. Estava da mesma forma que na primeira vez que a encontrara, na porta do quarto de Amaro. Ela respirou fundo, segurou o ar dentro de si por alguns segundos, para então soltá-los lentamente. Um sussurro veio junto de seu alívio.
ㅤㅤ – ...Perseguidos. - Disse apenas para Hiroshi.
ㅤㅤ Assustado o nipônico ajeitou-se no banco e olhou pelo retrovisor, no exato instante em que a van entrou no campo de visão. Calafrios passaram por todo o seu corpo, estavam atrás dele. Chacoalhou Carlos com tanta força que ele quase perdeu a direção.
ㅤㅤ – Estão nos seguindo. - E apontou para trás. - Acelera, cara! Acelera!
ㅤㅤ – Pode deixar, mano. Eles não alcançam a gente, mas nem a pau!
ㅤㅤ Engatou a próxima marcha e afundou o pé no acelerador. Não era o melhor veículo de corrida, mas por sorte o veículo do inimigo também era uma van. Felipe acelerava furioso a van, o pé deixando o acelerador praticamente encostado no solado. Ali atrás, ouviu seus capangas destravarem armas e fuzis. Sem desviar o olhar da estrada, Felipe comandou seus homens.
ㅤㅤ – Nenhum tiro certeiro! Apenas parem o carro, quero o cara ali dentro vivo!
ㅤㅤ A maioria não respondeu a ordem do garoto, mas eles já tinham entendido o comando. Janelas se abriram dos dois lados do veículo, e três homens colocaram metade do corpo para fora, mirando com as armas contra o carro a frente. Agora não precisavam esconder o poderio de fogo, os fuzis contrabandeados começaram a disparar periodicamente contra o carro a frente. As vans furavam sinais vermelhos e vez ou outra tinham de desviar dos carros no caminho, forçando movimentos bruscos que quase derrubavam os atiradores de Felipe e faziam Luana e Hiroshi se segurarem firms no carro a frente.
ㅤㅤ Os tiros, em suma maioria, não acertaram o veículo. Homens com miras excelentes eram difíceis de se achar, mesmo no submundo do crime. O fato de aquilo ser um tiroteio em movimento e de que Felipe os queria vivos dificultava ainda mais as rajadas de tiro. Carlos suava frio, e seus olhos mau piscavam enquanto mantinha-se focado na rua. Não havia nem mesmo ousado virar em alguma esquina, aquela pequena avenida teria de levá-lo o máximo de tempo que pudesse. Os vidros do carro, por algum sacro milagre, ainda estavam intactos e eles não haviam recebido nenhum tiro, mas os ouvidos tiniam com o barulho dos estalos na lataria da van. Estavam sob fogo inimigo. A concentração fora tanta que nem vira quando Luana se esforçou para jogar o corpo para frente, deixando com que metade do tronco ficasse no banco da frente, ao lado do motorista.
ㅤㅤ Hiroshi observou a menina, a feição dela ainda era extremamente estranha, e mantinha-se focada na estrada. Até que subitamente, ela desviou o olhar, encontrando-o com o seu.
ㅤㅤ – Sabe onde deve ir?
ㅤㅤ – O que?
ㅤㅤ – Estou perguntando se você sabe onde ir.
ㅤㅤ – Sei!
ㅤㅤ Ela apenas meneou a cabeça positivamente e virou-se para Carlos.
ㅤㅤ – No seu ritmo, chegaremos ao fim dessa avenida em instantes. Preciso que, quando vir uma grande placa vermelha, vire imediatamente na rua de sua esquina.
ㅤㅤ – Nem rola, guria. Acelerando assim a gente ganha distância, ou pelo menos a gente não deixa eles se aproximar. Diminuir velocidade pra uma curva é arriscado.
ㅤㅤ – Tem de fazer isso, caso contrário, morreremos todos!
ㅤㅤ – Como é que você sabe!? - Carlos virou-se, encarando-a por meio segundo antes de voltar o olhar para a direção. A resposta não veio dos lábios da mulata, e sim de um maldito solavanco que atingiu o carro. No instante seguinte, Carlos lutava para manter a direção e um barulho ensurdecedor vinha da lateral do carro, haviam estourado um dos pneus.
ㅤㅤ – Vire. Ou não conseguiremos!
ㅤㅤ – Tá! Tá! - Gritou Carlos, quase sem dar mais atenção a menina. O carro perdera velocidade e agora os tiros que acertavam a lataria eram cada vez mais constantes. Olhou atentamente a rua, realmente, estava para terminar. A menos de dez quadras a rua parecia se bifurcar em duas menores que iam uma para cada lado. Meteu os olhos nas casas ao lado procurando a tal placa vermelha.
ㅤㅤ Sorriso brotou do seu rosto quando viu “Americanas Express” na esquina da rua seguinte. A rede de lojas havia se expandido na cidade não tinha nem dois anos, e agora, em quase todo lugar haviam as Express. Era quase tão comum quanto os inúmeros supermercados Comper que haviam na cidade. Mas o que importava não era o fato da loja estar ali, e sim de sua placa estar ali: Um grande poste de ferro com o letreiro no centro de uma bola vermelha. Carlos diminuiu a velocidade e virou-se na esquina com tudo.
ㅤㅤ Entrou numa ruela pequena, porém pavimentada, que parecia levar até o início do núcleo central da cidade, que se fazia presente ao longe. As mãos do churrasqueiro estavam calejadas e doloridas de tanta força que implicava no volante para manter a direção reta. Agora, a van estava quase na cola deles, virara a esquina há poucos segundos dele. Luana cutucou seu ombro e apontou para o velocímetro.
ㅤㅤ – Você precisa chegar a noventa quilômetros.
ㅤㅤ – Como se fosse fácil!
ㅤㅤ – Você precisa! Senão nós...
ㅤㅤ – Tá! Senta lá, Luana!
ㅤㅤ Carlos desviou o olhar para Hiroshi, para tentar ver o que lhe arremetia. Assustou-se ao ver o nipônico repousando no banco, segurado pelo cinto de seguranças. Dormindo!? Numa hora daquelas!? Um flash veio a sua cabeça, lembrando da história que ele havia contado. Se tudo fosse verdade, talvez agora estivesse num dos tão horríveis pesadelos.
ㅤㅤ Luana chamou sua atenção novamente. Os tiros quebraram o vidro de trás, e uma bala atravessou todo o carro fazendo uma rachadura no painel da frente, bem próximo ao assento do motorista.
ㅤㅤ – Noventa!
ㅤㅤ – Cala a boca, guria!
ㅤㅤ E, num último esforço, Carlos desceu todo o peso no acelerador e estacou os braços no volante. A van num último esforço acelerou com tudo e atravessou uma rua, deixando para trás um enorme vulto que tampou tudo atrás deles.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Miguel não via a hora de voltar para casa. O caminhão de tantas viagens estava todo sujo da poeira da estrada, e agora ele teria três dias de folga para relaxar e lavá-lo quando desse vontade. A distribuidora que o contratou oferecia um bom salário e um ótimo seguro para seu parceiro de tantos anos, o caminhão Janete, como o apelidara. Morava no subúrbio da cidade, no Tiradentes. Tranquilo, estava a menos de cinco quadras de sua casa, passando com o gigante veículo pela estreita rua onde morava. Ia avançar uma esquina onde ele tinha a preferência, quando um vulto branco passou com tudo a sua frente. A reação de Miguel veio atrasada, e ele só consegui frear depois que a van passou, e seu gigante caminhão parara no meio do cruzamento.
ㅤㅤ Já ia botar a cabeça para fora para xingar o barbeiro que passara, quando ouviu um pneu patinar no asfalto do outro lado. Logo em seguida o som estrondoso de um carro tombando, por fim, um forte impacto sacudiu o caminhão, mas não o tirou do lugar. Assustado, Miguel soltou-se de seu cinto e foi para o assento do passageiro para ver pela janela. Ali, do outro lado, uma segunda van estava tombada, a lataria do carro grudada na Janete.
ㅤㅤ Felipe, enfurecido e atordoado, abriu a porta do carro e desprendeu-se do cinto. Esqueceu-se que o carro estava de lado, e logo seu corpo caiu com tudo. Grunhiu de raiva e levantou-se ali dentro, juntando forças para novamente sair do carro. Nem deu bola para os outros, a maioria ali ainda estava juntando forças e tentando recuperar a consciência. Até mesmo Tobias ainda estava parado de olhos fechados, segundos atrás ele gritava e urrava feito um louco, apreciando aquela perseguição maluca. O jovem discípulo fechou os olhos e reuniu toda a raiva dentro de si, abriu-os furioso e como reposta um brilho avermelhado emanou-se de suas orbes. Saltou para fora do carro de uma única vez, caindo sobre a lataria tombada da lateral da van.
ㅤㅤ Miguel gritava com o garoto louco, e já estava para descer do caminhão e cobrar explicações daquela maluquice. Quando por um instante seus olhos se encontraram com os de Felipe, o garoto tinha brasas nos olhos e uma feição quase demoníaca. Por impulso, Miguel se jogou para dentro da cabine novamente e benzeu-se, como crente que era. O garoto era o capeta!
ㅤㅤ Tudo o que o caminhoneiro fez foi se encolher ainda mais, quando ouviu um urro de raiva vindo de fora.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Vicente freou o carro bruscamente na esquina.
ㅤㅤ Ali, adiante naquela pequena rua viam um grupo de homens saltarem para fora de um veículo tombado na frente de um caminhão. O grisalho esboçou um sorriso faceiro quando identificou Tobias no meio deles, conversando com um jovem que só podia ser seu discípulo. Marco, por sua vez, apenas desviou o olhar por um segundo para fora e em seguida voltou-se para seu computador portátil. A tela mostrava um mapa no canto da imagem, junto de vários outros programas abertos.
ㅤㅤ – A nossa van está indo na direção da... Avenida Eduardo Elias Zahran.
ㅤㅤ – Certo. Acho que agora eles vão nos contactar.
ㅤㅤ – Já estão. Mas o número não é o dos celulares deles.
ㅤㅤ – Como é? - Vicente desviou o olhar do acidente por um instante vendo a tela.
ㅤㅤ Uma pequena janela piscava no canto, mostrando um número desconhecido.
ㅤㅤ – É um orelhão.
ㅤㅤ – Pois atenda! - Disse impaciente.
ㅤㅤ O discípulo respondeu apenas apertando uma tecla, que abriu a janela e a ampliou.
ㅤㅤ – Alô? - Uma voz baixa e suave soou.
ㅤㅤ – Romanov? - Marco respondeu pelo microfone.
ㅤㅤ – Sou eu, Papai e Azaias me deixaram para trás para que eu ligasse para vocês para lhes dar as informações novas. - Agora, prestando mais atenção, parecia que Romanov falava pesadamente. - Nós não conseguimos proteger a Isca, entretanto, demos nosso carro para que ele fugisse.
ㅤㅤ Vicente e seu pupilo se entreolharam por um segundo.
ㅤㅤ – Eles escaparam, acabamos de presenciar uma perseguição digna de filmes da Holywood. Pensávamos que eram vocês, e que Tobias estivesse atrás de nós.
ㅤㅤ – Não. Tobias e seu discípulo estão atrás da Isca, querem tê-lo como prisioneiro até o fim do rito. Contrataram um monte de capangas para fazer o trabalho sujo, estão enfiados em três carros. Nós fizemos um entrar dentro de uma casa, mas os outros dois escaparam. Tomem cuidado, se vocês estão de olho em apenas uma van, tem outra rondando a área ainda. ㅤ
ㅤㅤ Como que por instinto, Vicente levantou os olhos e olhou em volta. Em seguida voltou-se, deixando sua face também perto do microfone.
ㅤㅤ – Não há perigo. De qualquer forma, não tem do que desfiar de nós, o carro em que estamos tem os vidros com insulfilm . Somo um veículo comum parado no acostamento, neste instante.
ㅤㅤ - ... - Romanov demorou a responder. - Certo. Azaias ainda consegue localizar a Isca através dos espíritos, ele e o Papai vão atrás dela. Acharam uma moto velha na frente de uma casa da quadra onde o tiroteio aconteceu. Vão oferecer nossa proteção em troca de que ele coopere para o fim do ritual. Eu vou me arranjar por aqui, acho que assim que o Papai se estabilizar com relação à Isca, ele vai me contactar através de nosso elo, e vou direto para lá. O que vocês vão fazer?
ㅤㅤ Vicente olhou novamente para a rua, Felipe falava no celular. O grisalho concluiu que não demoraria muito para a outra van aparecer ali para pegá-lo. Trocou um olhar com Marco e em seguida meteu os olhos na maleta prateada no solado do banco de trás. Virou-se novamente, deixando com que a voz soasse pelo microfone.
ㅤㅤ – Nós vamos tentar raptar o garoto do Tobias. É essencial para que nós consigamos quebrar o ritual. E acho que não devemos deixar para última hora.
ㅤㅤ Romanov mais uma vez custou a responder, como se pensasse no assunto.
ㅤㅤ – Romanov?
ㅤㅤ – Tudo bem. - Disse finalmente. - Vou repassar todas as informações... Tome cuidado.
ㅤㅤ – Certo, vocês também, ajam rápido!
ㅤㅤ Marco fechou a linha e olhou para o mestre.
ㅤㅤ – Vamos mesmo tentar isso, chefia?
ㅤㅤ – É o jeito, meu caro. - Disse Vicente, arrumando coragem. - É o jeito.
Leia até o fim...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Olhos Vermelhos - Capítulo 10


ㅤㅤ X
ㅤㅤ
ㅤㅤ Aquele foi o primeiro sono em que Hiroshi pôde realmente relaxar desde a fatídica tarde em que entrara na estação ferroviária abandonada com sua amiga. Entretanto, não fora completamente tranquilo. Os grunhidos e rosnados das criaturas negras chiavam perto dos ouvidos, ao mesmo tempo que o bater das asquerosas asas faziam vento perto de seu ser. Eles não estavam longe, disso tinha certeza. Mas, pelo menos, não fora para aquele lugar terrível mais uma vez.
ㅤㅤ Quando abriu os olhos, não sabia onde se encontrava. Tudo estava silencioso e escuro, de modo que Hiroshi demorou alguns segundos para acostumar-se com a falta de luminosidade. A cabeça pesava e custou a lembrar as últimas visões antes do desmaio. Lembrava-se de estar montado sobre o corpo de um monstruoso homem de pele escura, também, tinha flashes de golpes que ele desferira e levara de um possível combate com aquele mesmo homem. Mas, nada ele podia se lembrar direito. Olhou pela janela do lugar, já era noite. Ficou imaginando agora se dormira por mais de um dia, aquele descanso foi revigorante, de modo que agora seu corpo parecia mover-se mais facilmente a pedido do corpo. Pôs os pés no chão na exata hora em que ouviu os passos no corredor. Passos solitários. Gelou a espinha, só agora se pegou pensando em onde estava, e quem o trouxera ali. Juntou o corpo na quina da parede e pegou uma garrafa de cerveja vazia que estava em cima do cômodo ao lado da rala cama. Reagiria se necessário.
ㅤㅤ A porta abriu, liberando dentro do quarto um pouco mais de luminosidade, parecia haver lâmpadas acesas no resto da casa. Uma mão passou pela porta e apertou um interruptor, logo acendendo uma luz fluorescente no teto, que iluminou o quarto modesto. A face de Carlos surgiu no vão da porta, e Hiroshi demorou a associar os fatos.
ㅤㅤ – Hiroshi! Que bom que acordou, cara, pensei que ia dormir a noite toda!
ㅤㅤ E entrou no quarto.
ㅤㅤ – Carlos... Por que estou aqui? Me achou aonde? É sua casa?
ㅤㅤ – Opa opa, uma pergunta por vez, mano. - E sentou-se ao lado da cama. - Essa aqui é uma casa que eu comprei faz um tempinho. O dono do terreno voltou pro nordeste, terra dele, e me vendeu baratinho o lugar. Como ainda tá em construção, não mudei ninguém pra cá ainda. Achei seguro te trazer pra cá, por esse lado do bairro a galera não me conhece ainda.
ㅤㅤ – Seguro? Seguro porque?
ㅤㅤ – Orra, Hiroshi! Tu não lembra de onde eu te achei não!?
ㅤㅤ – Não...
ㅤㅤ – Rapá! Tu tava capotado em cima do Alcidão! Tu deu cabo da vida do maior matador de aluguel das redondezas! Acho que nem vão tentar botar você em cana, mas o perigo mesmo é os trutas do maluco virem te procurar. Por isso te trouxe pra cá correndo.
ㅤㅤ – Espera... espera... Eu matei um cara?
ㅤㅤ – Tá com problema na cabeça, mano? Tu matou e muito bem matado! Meteu o facão dele no coração do desgramado. Capotou na hora! Me contaram que ele encrencou contigo, mas que tu nem deu chance dele revidar na sua primeira porrada. Bem que o seu Hideo disse que tu lutava bem o kung fu, ou karate, sei lá.... Mas não esperava que fosse tanto assim.
ㅤㅤ – Eu matei... um cara? - Ele dizia, ainda pensando naquelas palavras. As imagens iam voltando com ferocidade na mente, cada uma como uma pancada nele. Estava ficando louco, só podia. E não era uma loucura normal, era algo de outro mundo, algo do diabo ou coisa do tipo.
ㅤㅤ – É! Que porra tu tava fazendo pra cá, de qualquer forma!?
ㅤㅤ Hiroshi não respondeu, parecendo quase em estado de transe.
ㅤㅤ – Ei, responde, cara! - E Carlos deu um empurrão de leve no ombro do garoto.
ㅤㅤ Por puro instinto assassino, misturado com aquele ódio maluco que sentia, ele voltou o empurrão com um muito mais forte. E já levantou, preparando-se para socar o amigo.
ㅤㅤ – Opa! Opa! Calma lá, maluco!
ㅤㅤ Carlos conteve o garoto a tempo de não levar um golpe. As palavras romperam o quase formado lapso de loucura dele, os olhos voltaram a feição de antes. Hiroshi fechou os olhos e pôs as mãos em volta da cabeça, pressionando-as ali. Soltou um grito de raiva enquanto se afastava e socou a parede, fazendo feridas abrirem na mão.
ㅤㅤ Ali atrás, o churrasqueiro benzeu-se.
ㅤㅤ – Cruz Credo, cara. Que tá acontecendo contigo?
ㅤㅤ – Eu... Eu não sei, Carlos. Desculpa, mano, eu tô alterado. Não sei porque...
ㅤㅤ – É droga?
ㅤㅤ – Não! - Rebateu, quase raivoso.
ㅤㅤ – Então desembucha, não dá pra te ajudar se não falar. Nem liguei para os seus pais ainda, pensando que tu pudesse estar metido em alguma mutreta que eles não sabem. - E sentou-se na cama, que logo seria da sogra dele. - Tu dormiu a tarde toda, tá de noite. Se tu não deu notícia, eles devem estar preocupados contigo, te caçando por aí.
ㅤㅤ – Eu... Eu....
ㅤㅤ Desistiu de tentar reter tudo aquilo. Sentou-se ao lado do amigo e começou a contar tudo. Desde o início, como sua vida havia se tornado um inferno em menos de um dia.
ㅤㅤ
ㅤㅤ As três vans chamavam uma atenção gigantesca naquela rua tão pobre. Eram carros caros, não era qualquer um que podia pagar por eles. Raramente eram vistos veículos novos e bem lustrados naquele lado do Tiradentes. Os homens contratados por Felipe estavam amontoados dentro dos carros, eram mercenários do tráfico, a maioria foi recomendado pelo cara que contrabandeou as armas do Paraguai. Homens discretos, que faziam o trabalho sem questionar. Tobias, que estava no mesmo carro que Felipe, dera algumas instruções básicas para os capangas. Disse para não recuarem diante de coisas estranhas, que receberiam muito bem por isso. Não especificara muito mais, deixaria que o dinheiro falasse por si próprio.
ㅤㅤ Felipe, sentado no bando de passageiro ao lado do motorista grande e parrudo, estava com os olhos tensos num cenho raivoso. Seu joelho ia e vinha, mostrando a irritação. Até que desferiu um forte golpe que quase quebrou o apoio lateral, bufando de raiva.
ㅤㅤ – Droga! Por que não consigo manejar a isca!? - Disse, virando-se para Tobias no banco de trás. O velho riu em resposta, uma gargalhada alta e tranquila.
ㅤㅤ – Eles já estão aí, moleque. Se bem conheço o Vicentão, ele já deve ter começado a mexer os pauzinhos dele. Sabe como deixar os bichanos ocupados com uma coisa ou outra.
ㅤㅤ – Também não consigo mais puxar o rastro da alma. Ficou difícil saber exatamente onde o garoto está, isso também é coisa deles, não é?
ㅤㅤ – Hmm.... - Tobias coçou a barba. - Acho que o filho do Yohan pode ter feito isso. Faz anos que não o vejo. Mas agora, deve ser ele quem tem o alfinete de diamante. Dimitri o nome, eu acho. Eu te disse que não é tão fácil, garoto. Tu devia ter deixado as informações vazarem para eles mais tarde, mas tu teimou que já era hora. Viu no que dá? Nunca ouve meus conselhos e se fode legal.
ㅤㅤ Emendou uma gargalhada junto.
ㅤㅤ Felipe socou novamente o apoio lateral, agora o tirando do lugar. Não era para estar dando errado para o lado dele. Não mesmo.
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ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
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ㅤㅤ No fim daquela tarde, Raquel descansou tudo o que pôde antes de sair do expediente. O trabalho, como atendente da loja Anita Calçados no centro caíra-lhe como uma mão na roda num momento em que precisava do dinheiro extra para pagar parte da faculdade. Teve de juntar forças para avançar até a praça Ari Coelho e pegar seu ônibus. Por sorte, a sua condução era um dos poucos que saíam vazios da praça. Ia para um lugar onde muita pouca gente precisava de ônibus para rodar a cidade. Os arredores da universidade particular onde cursava jornalismo ficava perto de seus melhores alunos, os ricos filhos de fazendeiros e empresas da cidade.
ㅤㅤ Sentou-se numa cadeira qualquer, e deixou o corpo relaxar ali. Ânimo para estudar após o dia cheio era sempre bom, mas quase nunca adquirido. Os olhos começaram a viajar pelos cenários da cidade, quando alguém bateu na lataria do veículo, quase perdendo o ônibus. O motorista, generoso e com tempo adiantado, parou uma última vez para subir o rapaz. Era um garoto bonito, com cerca de vinte e poucos anos. Pele branca e cabelos castanhos escuros. Carregava uma única mochila, pequena e que parecia de marca. Os olhos do garoto cruzaram com os de Raquel e ele sorriu para ela, a moça virou-se, olhando para fora novamente, envergonhada. Era boba ou o que? Só um garoto bonito, um garoto bonito que sorrira para ela. Ele passou pela catraca e caminhou com o ônibus em movimento. Até para ao lado dela.
ㅤㅤ – Posso sentar aqui?
ㅤㅤ – Claro. - A resposta veio antes que ela parasse para pensar. A condução estava vazia, não era necessário ele sentar-se do lado dela. Só sentava ali porque queria. Ela corou com o pensamento e retirou a bolsa do lugar vago ao seu lado.
ㅤㅤ O rapaz acomodou-se bem ali. E sorriu mais uma vez para ela, enquanto colocava a mochila retangular sobre o colo. Passaram-se poucos minutos até que o garoto lhe dirigisse a palavra de novo. Ele virou-se para ela e olhou-a nos olhos, sem hesitação alguma. O sotaque carioca soou claro.
ㅤㅤ – Sabe, eu poderia ter pegado qualquer outro ônibus, mas eu resolvi pegar esse aqui.
ㅤㅤ – Por que? - A pergunta saiu antes que ela mesma pudesse pará-la, novamente.
ㅤㅤ – Porque eu te vi pela janela.
ㅤㅤ Raquel corou, ele estava a cantando claramente, e ela mesma parecia estar gostando.
ㅤㅤ Quinze minutos depois, os dois saltaram do ponto, rindo e trocando conversas como se fossem íntimos de anos. Tinham se afastado um pouco do centro, indo na direção de alguns bairros menores que ficavam entre a área principal da cidade e o núcleo da universidade. A menina iria faltar aula naquele dia, tinha coisas mais interessantes a se fazer. O garoto, Marco, era simpático e charmoso, além de dar cantadas e respostas que fariam qualquer garota virar um tomate. Por que não relaxar um pouco? Um dia, ou outro era bom se descontrair. Quem sabe aquilo não daria em algo mais excitante para ambos?
ㅤㅤ Caminhavam pela calçada, tinham decidido tomar uma bebida ali perto. Ela guiando o rapaz, que estava de passagem na cidade, visitando parentes. O garoto, que antes segurava na mão dela, agora deixava sua mão pousada na cintura dela, caminhando bem juntinho ao corpo dela. Viraram uma esquina, entrando numa ruela que adiantava umas duas quadras no caminho até o barzinho charmoso onde iriam. Raquel nem notou o carro que seguira o ônibus o caminho inteiro e estava ali, andando de farol desligado um pouco atrás.
ㅤㅤ Marco ria, e já ia começar um novo assunto quando uma música baixa soou. O celular do garoto tocando. Marco o retirou do bolso o suficiente para ver o nome ali: Vicente. Era o sinal. Nada de códigos ou coisas avançadas, era simples demais. Guardou o celular, ao mesmo tempo que agarrara um pano molhado que estava ali.
ㅤㅤ – Marco, quem é er....!!!!
ㅤㅤ A pergunta da garota não chegou a um fim. O pano tampou seu nariz e boca, dificultando-lhe a respiração. Um cheiro forte e nauseante a dominava e sugava suas forças, Marco fazia força para ela não escapar daquele maldoso golpe. Em poucos segundos, Raquel desmaiou.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Abriu os olhos, quase sem forças. O lugar era escuro, e ela mal podia distinguir uma forma cá e outra acolá. Podia ouvir um leve murmúrio a sua volta, quase parecendo um cântico. A mente doeu quando ela tentou recordar-se o que havia acontecido, apenas poucas visões lhe vinham, um garoto, uma rua escura e um carro. Mais nada.
ㅤㅤ Percebeu pequenos pontos luminosos dispersos a sua volta, demorando mais alguns segundos para notar que eram velas posicionadas em arco à sua volta. Agora, a visão estava quase perfeita. As velas estavam colocadas junto de círculos negros desenhados no chão. Os desenhos – quase tribais – formavam diversas formas à sua volta. Eram pelo menos cinco voltas pretas, que pareciam ter sido pintadas a pouco, visto que ainda parecia úmida próximo às velas. Tentou mexer-se, mas além da dor na cabeça, ainda percebeu que não conseguia mover-se. Estava presa, imóvel por completa presta numa coluna, ou algo do tipo. As vozes agora estavam claras, e ela pôde definir da onde o cântico vinha. Dois homens estavam sentados à frente dela, fora do círculo, um apoiado nas costas do outro. Pareciam imóveis, fora a boca que se mexia rapidamente formando o coro audível.
ㅤㅤ – .... - Raquel tentou falar. Mas a voz simplesmente não saiu, travada em seu peito, como se algo a impedisse. Tentou gritar, pedindo ajuda, mas nem um som conseguia emitir. Chacoalhou as correntes que a prendiam em volta do pilar de tijolos velhos, também não poderia se mover. Lágrimas brotaram de seus olhos, agora lembrando-se da bobeira que fizera, de como caíra na lábia do garoto tão facilmente. Deixou o corpo cair, sentando-se escorada à sua prisão. Lá fora, o sol acabava de deixar por completo aquela face do mundo.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Ela já não podia sentir o corpo. As vozes que antes eram um cântico silencioso agora pareciam gritar dentro de sua cabeça. Os dois homens estavam lado-a-lado, fora do círculo, olhando para ela com olhos inexpressivos como bolas de vidro. Um deles era Marco, o outro, parecia bem mais velho. O que era aquilo, Macumba?
ㅤㅤ Seja lá o que fosse, começava a mexer com ela. Ela estava tendo alucinações, loucuras percorriam sua mente conforme as vozes aumentavam. Ela ouvia cochichos maldosos e incompreensíveis perto de si, mas nada via. Podia ouvir passos e outros sons vindos de todos os lados, mas nada observava. A voz dos dois aumentou novamente, e agora, junto delas, as luzes das velas aumentaram magicamente. Os gritos maldosos ecoavam em sua cabeça, a loucura tomando conta da jovem estudante e esforçada.
ㅤㅤ Gritou, mas a voz não saiu, então, se limitou a fechar os olhos. No mesmo segundo, as vozes pararam e um silêncio aterrorizante tomou o local. Ela levou alguns segundos para abrir os olhos novamente. Os dois homens iam embora, estavam se dirigindo a entrada daquela casa velha e abandonada. Deixando-a ali, sozinha com seus medos. A luz das velas, que antes estava fortíssima, agora se encontravam estranhamente fracas. Quase miúdas a ponto de Raquel não ver mais tanto à sua volta. Ela suspirou, tentando ver um lado bom naquela situação toda: Agora, não havia mais os cânticos. Não seria mais atormentada, era questão de tempo até alguém achá-la ali.
ㅤㅤ Cochichos tomaram conta de seus ouvidos, os mesmos de antes. Ela abriu os olhos, saindo de seu breve cochilo. E seus olhos arregalaram-se ao mesmo tempo que perdia o fôlego. Ali, fora dos círculos, sombras sem dono rondavam a velha casa. Elas giravam rapidamente, como uma aura negra de morte que estava ali unicamente para ela. Raquel levantou-se novamente e tentou se soltar mais uma vez, sentindo os pulsos doloridos pelas inúmeras tentativas em vão. A voz ainda não saía. Os cochichos agora eram gargalhadas maquiavélicas, que soavam por todo o lugar, deixando o pouco que restara de lógico na garota se dissipar. Ela apenas queria sair dali, debatia-se como podia, mas nada acontecia.
ㅤㅤ As sombras pareciam querer tentar entrar no círculo a todo momento, mas as velas sempre oscilavam quando eles chegavam perto. E logo a penumbra viva se afastava novamente, voltando a rodar em torno dela como aquela aura maldita. A menina chorava alto, lágrimas sujando toda a face e parte do chão abaixo dela. Não era para estar ali, deveria estar estudando, dando duro para dar o futuro que os pais mereciam por educá-la tão bem. De repente, ela pôde ouvir o choro. A voz voltou. Limpou a lágrima dos olhos com o ombro, e sorridente começou a gritar por ajuda enquanto focava-se no lugar.
ㅤㅤ O sorriso morreu.
ㅤㅤ As velas haviam se apagado e novamente um silêncio assolava o lugar. Mas Raquel sabia o que aquele silêncio significava. Sabia que não mais voltaria para casa. Uma risada monstruosa soou novamente, mas agora, pareceu estar bem ao seu lado. Cheirando seu cangote. Gelou o corpo, e tentou se encolher no seu canto. Como se ele pudesse dá-la a proteção que necessitava contra aqueles demônios terríveis.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Já longe dali, Vicente dirigia o carro que alugara às pressas. Marco estava ao seu lado, de cara fechada, olhando pela janela. O mestre olhou seu pupilo pela quinta vez nos últimos cinco minutos, e novamente suspirou profundamente.
ㅤㅤ – Foi necessário, Marco.
ㅤㅤ O menino permaneceu em silêncio, olhando para fora.
ㅤㅤ – Caso isso não fosse feito. Eles estariam se amontoando em cima da Isca. E, em pouco tempo, não só a garota, como todo o resto do mundo estaria sofrendo.
ㅤㅤ Marco não respondeu, ainda. Vicente acelerou, Azaias havia ligado havia pouco tempo, já sabiam aproximadamente onde estavam a Isca e Tobias. Dimitri e Romanov fizeram um ótimo trabalho, dificultando as conexões espirituais que ocorressem nas proximidades; e Azaias, sempre saindo de seu corpo para conversar com os espíritos, não demorou muito à achar uma alma que o levara até a localização tão chamativa daquelas anomalias.
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ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
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ㅤㅤ Demorou muito mais que alguns poucos segundos para Carlos associar toda aquela história. Em menos de dois dias, ao que parecia, a vida de Hiroshi virara do avesso. Do nada, ele se tornou um assassino raivoso compulsivo, tinha pesadelos tão reais que sentia o calor na pele e ainda sentia-se sempre perseguido por uma estranha presença. O nipônico coçou a cabeça, sentindo dor nos cortes e machucados que a luta com Alcides fizera nele, ao que parecia, Carlos havia cuidado dos cortes, limpando-os e passando gaze em volta deles.
ㅤㅤ – É difícil de acreditar em histórias tão cabreiras assim, cara. - Finalmente ele falou, quebrando o silêncio. - Mas eu acho que te dou o valor dessa história. Meu tio Zé me contava umas coisas mais loucas que essa aí, e além disso, aquela estação ferroviária tem mesmo alguma coisa do cão, do capeta mesmo.
ㅤㅤ – Então, o que acha que eu devo fazer agora? Eu ainda estou tentando entender como estou conseguindo conter minha raiva, e como a sensação de perseguição diminuiu. Mas, é melhor não relaxar por causa disso. Quero resolver isso logo, cara.
ㅤㅤ – Acho que sei quem pode te ajudar... - Disse Carlos, pensando um pouco. Então, como se a idéia se firmasse em sua mente, ele levantou-se de impulso e foi em direção à porta do quarto. Abriu-a e passou por ela, enquanto desligava a luz. - É! Acho que só ele pode dar uma idéia melhor do que tu tem! Vamos lá!
ㅤㅤ
ㅤㅤ Já passava de meia noite quando bateram na porta. Mas Amaro, novamente, não conseguira ter uma noite de sono sossegada, estava ali, suando frio com os olhos arregalados virados para o teto. Uma vez um homem lhe dissera sobre a natureza de suas habilidades, disse que ele tinha o dom de ver o fluxo da vida e das almas, e por isso, tinha pequenas chances de vislumbrar o que ocorreria a uma alma, ou a um grupo de almas futuramente. Era um visionário. Na época, o homem ficou feliz com a revelação do motivo dos sonhos perturbadores que tivera durante infância e adolescência. Mas agora, arrependia-se todo dia pela maldição que lhe fora imposta.
ㅤㅤ Apenas pouquíssimas pessoas, entre elas nem sua esposa estava, acreditavam em seu dom. E fora graças a ela que ele ainda podia tentar sustentar sua filha, a única coisa que ainda fazia sua vida mover. Luana, jovem como era, sempre tinha energia e ânimo. Já arranjara emprego num bar do bairro, ajudando a pagar as contas de casa. Além disso, estudava duro, tinha planos para o futuro. Amaro estava feliz por ela não ter puxado seu dom, tinha certeza disso, ela nunca mencionara nada sobre ver coisas. Aquelas visões que só traziam desgraça. Aquelas visões que agora o tragavam para entrar na pior aventura de sua porca vida. Levantou-se, era hora de encarar aquelas pessoas que seus sonhos a tanto tempo diziam que encontraria.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Carlos estacionou a moto na frente da casa.
ㅤㅤ – Tem certeza que esse cara pode ajudar, Carlos?
ㅤㅤ Hiroshi tinha perdido a esperança de achar algo de útil ali. A casa caindo aos pedaços e as pixações denegrindo o nome do humano com dons sobrenaturais em questão não deixaria ninguém esperançoso. Parecia realmente a casa de um charlatão. Um farsante qualquer. Mas o churrasqueiro voltou o olhar para ele com uma seriedade enorme.
ㅤㅤ – Se engana não, mano. O Amaro aí já ajudou pra caramba uns primos e outros camaradas meus por aí. Chegou do nada e disse para o Lucas, meu primo, tomar cuidado com a família nos próximos dias. Não deu outra, três dias depois uns encrenqueiros que perderam uma aposta com ele apareceram na casa de tarde, na hora que meu primo estava trampando. Iam pegar toda a família do coitado. Mas, graças ao aviso, o primo Lucas ficou em casa junto de mais uns amigos e parou os desgraçados. - Disse, avançando na direção da casa. - Ele é gente boa, e a filha dele é uma lindeza do bairro. Acho que ele pode dizer algo dessas coisas anormais que te ocorrem.
ㅤㅤ – Sei... - O japonês ainda não acreditava muito nas palavras do amigo.
ㅤㅤ Passaram pelo portão enferrujado e entraram na casa. Poucos segundos e Carlos bateu na porta de madeira velha. O silêncio respondeu de volta nos próximos segundos, era de se esperar, dado o horário. Já ia bater de novo, chamando pelo nome de Amaro, quando ouviu passos. Quase correndo, o homem veio à porta e abriu-a.
ㅤㅤ O sujeito era pequeno, não passava do ombro de Hiroshi. A barba branca e mal feita despontava na face, e o pouco de cabelo desarrumado mostravam que estava tranquilo. Era muito magro, dado o fato de que não bebia álcool e nem comia direito. O velho mulato observou os dois com os olhos quase saltando das órbitas, ele não parecia ter dormido. Não deu muita atenção para Carlos, mas quando seu olhar se encontrou com o do nipônico, ele estacou, imóvel.
ㅤㅤ – Amaro! Precisamos da sua ajuda! - Carlos cortou o transe.
ㅤㅤ – Eu sei que precisam! O garoto aí está com tantos problemas que eu não consigo pegar no sono faz dias! Entrem logo, e não façam barulho, porque minha filha parece estar dormindo ainda.
ㅤㅤ A resposta inesperada fez os dois entrarem abobados, sem nem perguntarem mais nada. Amaro afastou-se para deixá-los passar, tendo muito cuidado para não encostar em Hiroshi, quando este passava. Fechou a porta em seguida, com uma grande rapidez e trancou-a.
ㅤㅤ Os dois visitantes olharam a pequena sala onde Amaro fazia o pouco de dinheiro que podia com suas visões. Estava todo sujo e empoleirado, mas tinha lá seu tom de mistério, dado principalmente as lâmpadas de abajus e os grossos lençóis que cobriam as janelas. Pararam ao centro da saleta, encostando-se à mesa circular. Amaro tinha ido a cozinha, e agora voltava, tomando um copo de água. Definitivamente, o velho não parecia descansar a um bom tempo. Agora, com mais iluminação, Hiroshi e Carlos podiam ver as largas olheiras nos olhos fundos do velho, fora a tremedeira que fazia o corpo d'água quase derramar.
ㅤㅤ – Sabia que eu viria? - Disse Hiroshi, finalmente.
ㅤㅤ – Sabia que você estava em perigo, e que coloca muita coisa a perder.
ㅤㅤ – Coisa a perder?
ㅤㅤ – É. Se você não fazer o que deve, nada vai ser igual.
ㅤㅤ A conversa estava confusa demais. Hiroshi coçou a cabeça e sentou-se na cadeira de madeira da mesa, tomando ar e contendo a irritação que crescia dentro dele. Agora era fácil contê-la.
ㅤㅤ – Calma, calma. Amaro, certo? Olha, eu nem queria vir aqui, o Carlos que insistiu que você podia me ajudar. Mas você vir até mim dizendo um monte de coisas complicadas e estranhas não vai ajudar em nada. Pode ser um pouco mais claro?
ㅤㅤ Amaro deixou o copo em cima da mesa e tentou respirar fundo, contendo o nervosismo.
ㅤㅤ – Olha... Eu nem sei por onde começar. - Falou ele, sentando-se em outra das cadeiras. - O Carlos deve ter te contado que eu tenho visões do que acontece vez ou outra. Isso sempre vem em forma de sonhos ou quando estou distraído. O problema é que, nos últimos dias, eu estou tendo pesadelos horríveis, coisas que nunca vi antes surgiam aos meus olhos. E, no centro de toda essa trama, eu vi você.
ㅤㅤ – Eu?
ㅤㅤ – É. Eu nem faço idéia do seu nome ou de quem é você. Mas eu te vi, em várias visões, junto de várias pessoas diferentes em situações de risco ou situações anormais.
ㅤㅤ – Como o que?
ㅤㅤ – Vi você com os olhos brilhando num verde cabreiro e forte. Vi você no meio de um descampadão quente e arenoso. Vi você se jogando contra um monte de capetas num corredor. Vi você sozinho dentro de um lugar escuro pra caramba. Mas as cenas que mais me assustam nessa porra toda, não tem você no meio.
ㅤㅤ – Tipo em quais?
ㅤㅤ – Eu vi um par de vezes, um velho fedido e um garoto conversando. Sempre quase trocando insultos, dado o grau de agressividade dos dois. O Velho parecia sempre contestar, mas o garoto ignorava qualquer palavra dele. Esse garoto... Ele é quase um capeta em pessoa, rapaz. Quase um capeta.
ㅤㅤ – Espera, no que eles se encaixam nessa história toda? Não tem algo a ver com uma assombração ou coisa do tipo? Que diabos tem um velho e um garoto no meio disso?
ㅤㅤ – É aí que você se engana, guri. Teu inimigo não é o Macedo, também tive visões dessa alma penada e sem lugar pra ir. O garoto foi só uma vítima, como você. Teu inimigo tá bem vivinho, e sempre na sua cola. - Amaro olhou para a frente de casa, como se estivesse com medo de encontrar alguma coisa pela janela. - Todo cuidado é pouco. Olha, rapaz, qual seu nome?
ㅤㅤ – Hiroshi.
ㅤㅤ – Hiroshi, eu nem faço idéia de como você chegou aqui. O Carlos aqui, primo do Luquinhas que eu ajudei outro dia, deve ter mexido os pauzinhos dele para te colocar aqui dentro. Eu sabia que tu viria de algum jeito, estava no seu destino. Mas, deixando tudo isso de lado... Hiroshi, você acredita em magia?
ㅤㅤ – Magia?
ㅤㅤ – É, magia. Acho que posso te dar mais informações que vão te ajudar daqui pra frente na sua jornada. Mas, para isso, preciso saber se tu acredita nessas coisas...
ㅤㅤ Hiroshi acomodou-se na cadeira de madeira.
ㅤㅤ – Olha, não sei, não, Amaro. Eu acredito nessas coisas de fantasma, de assombração, tanto é que eu me meti nessa enrascada por ajudar minha amiga nisso. Não foi?
ㅤㅤ – Foi. A primeira das visões que eu tive foi sobre esse dia aí.
ㅤㅤ – Então, nisso eu acredito. Mas nunca soube nada de magia.
ㅤㅤ – Mas está tudo interligado, guri. - Amaro apoiou os cotovelos na mesa, gesticulando com as mãos. - A magia se baseia em pessoas com dons e treinamentos para manejar almas e coisas relacionadas a ela. Como para onde ela vai, de onde ela veio, das ligações dela aqui e das que tem casos especiais; como almas penadas e assombrações.
ㅤㅤ – Se magia for isso, acho que acredito.
ㅤㅤ Amaro abriu um sorriso na face. Sorriso, que esmoreceu alguns poucos segundos depois. A filha surgiu na porta do pequeno quarto, os observando. Antes fosse que ela estivesse com uma cara sonolenta, acordada com a conversa deles; Luana tinha os olhos arregalados e as mãos seguravam com força a quina da porta. Ela olhou para Hiroshi como se já o conhecesse. E Amaro sabia muito bem daquela reação, foi daquela forma que ele mesmo encarou o homem que apareceu em sua primeira visão. Ele sonhou com o senhor que vendia jornais na esquina, sonhou que o via agonizar e morrer com tiros. Na semana seguinte, ele apareceu morto na banquinha dele, vítima de assalto que terminou em homicídio.
ㅤㅤ Luana avançou alguns passos, tentando conciliar algumas das coisas que rondavam na sua cabeça. Naquela noite, ela havia conseguido dormir, mas o sono veio carregado de tantas imagens que mal conseguira lembrar-se delas por um todo. O pior foi abrir a porta do quarto e dar de cara com o protagonista da maioria das visões. Estava descrente do destino.
ㅤㅤ – Minha filha... - Disse Amaro aos gaguejos. - Volta, a dormir, querida. São amigos do pai.
ㅤㅤ – Precisam... - A voz baixa da menina mulata soava.
ㅤㅤ – Eles já vão sair daqui a pouco, querida. Pode ir dormir...
ㅤㅤ – Vocês precisam sair.... - Disse ela, quase inaudível.
ㅤㅤ – Como é?
ㅤㅤ Carlos calou-se de seu silêncio de ouvinte.
ㅤㅤ – Vocês precisam sair....
ㅤㅤ Falou mais uma vez, agora apontando pela janela. Do outro lado da rua, uma van branca e uma preta estavam estacionadas, com os faróis ligados. Amaro direcionou o olhar para van e entendeu, com horror, que a filha também tinha o seu dom. Aqueles veículos apareciam em várias das imagens que inundavam seus sonhos. E sempre surgiam como um mau agouro.
ㅤㅤ O velho levantou-se apressadamente, correndo ao quarto e voltando em segundos com um bolo fechado por jornais na mão, colocou na mão da filha e deu leves tapas no rosto dela, de modo que ela saísse em partes do transe dos sonhos. Ela piscou repetidas vezes, estava ciente do que acontecia, mas agora não agia como um oráculo inexpressivo.
ㅤㅤ – Filha, desculpa por tudo. Não era pra tu ter um pai tão maldito a ponto de ter essas coisas, e pior ainda, não era pra você ter herdado isso desse velho aqui. - Disse em lágrimas, apertando o bolo na mão da filha. - Aqui tem todo o dinheirinho que eu consegui juntar pra quando tu entrar pra faculdade. Desculpa, amor, como queria te ver formando!
ㅤㅤ A menina também chorava.
ㅤㅤ – Pai... Não Pai, tem algum outro jeito. Tem que ter...
ㅤㅤ – Você viu o que eu vi, não? Sabe que não tem jeito, querida. Essa é a hora que eu mais temia. Agora você tem que ir. - Olhou para os dois, que quase nada entendiam daquilo que falavam. - Tem que levar eles pra longe daqui, sabe que ainda vai ter um papel importante nisso tudo, não sabe, querida? Então, precisa ir!
ㅤㅤ O velho Amaro limpou o rosto de lágrimas e abraçou e beijou a filha uma última vez, para então ela se afastar um passo, na direção da cozinha. A garota voltou seu olhar triste para os dois homens e fechou o maço de dinheiro na mão.
ㅤㅤ – Vamos, tem uma porta dos fundos na cozinha. A gente tem que sair daqui, agora.
ㅤㅤ – Não, espera, eu não estou entendendo nada agora. - Hiroshi se pronunciou.
ㅤㅤ – É, complicou até pra mim, Amaro, que tá acontecendo?
ㅤㅤ O velho foi até os dois e pôs uma mão sobre o ombro de cada um deles. Olhou-o nos olhos com toda a coragem e dignidade que tinha.
ㅤㅤ – Esse velho aqui tem que cumprir seu papel nessa história, rapazes. - E voltou-se pra Carlos. - Você também ainda tem algo muito importante a fazer, algo que só você vai conseguir. - Virou-se então para Hiroshi. - E você, guri, tudo depende de você. Olha, sei que tá difícil entender qualquer coisa, mas coloca algo na cabeça, dentro dos próximos dois dias, sua vida vai complicar ainda mais. Mas você vai ter que se mostrar firme, porque o mundo todo depende de seus atos. Eu podia ficar falando um monte pra vocês, mas só dá tempo de dizer uma coisa: Comece a agir contra seus inimigos. Procure sobre o termo “Olhos Vermelhos”.
ㅤㅤ – Olhos Vermelhos? - Um calafrio subiu pela espinha ao ouvir o termo.
ㅤㅤ – É, isso mesmo. Olhos Vermelhos. - E apontou para as vans, tinha gente saindo de dentro delas. Amaro apagou as luzes da sala, deixando-os na penumbra. - Aqueles caras ali são os capetas vivos. Se eles ganham, vocês e todo o mundo morrem. Só tu consegue fazer algo, moleque. Agora vai! Vai e deixa minha filha protegida!
ㅤㅤ Amaro empurrou os dois para a cozinha onde a menina já aguardava eles. Carlos, ainda perdido naquilo tudo, resolveu confiar nas profecias do velho Amaro, ele sempre estava certo, afinal. Seguiu junto de Hiroshi pela cozinha, saindo para a porta dos fundos. Ali, Luana já estava pronta, com o maço de dinheiro num bolso do pijama ralo que usava. Os muros do fundo da casa eram baixos, e ele já estava subindo ele quando os dois chegaram. Chegou ao topo e olhou para ambos.
ㅤㅤ – Vamos. Precisamos correr para não sermos pegos.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Felipe desceu do carro com um sorriso na face, sabia que o garoto estava ali. Tinha total certeza, afinal, havia pouco tempo, sua capacidade de localizá-lo tinha voltado. Tobias preferiu esperar no carro, sabia que aquela jornada toda tinha como protagonista o seu pupilo, e não ele. Deixaria que o garoto decidisse como agir ao modo dele. Metade dos homens também desceram junto, cada um portando uma arma, presa a cintura. Aquelas eram as pistolas, discretas e chamativas. Não mandaria eles usarem fuzis iraquianos numa situação daquelas.
ㅤㅤ Atravessaram a rua com pressa, e Felipe fez sinal para que a maioria esperasse lá fora. Apenas Josué e o Cabide foram apontados para avançarem junto dele. A disposição dos homens em volta da casa formava um arco, e, no centro, os três homens avançavam. Felipe abriu o portão de ferro e adentrou com calma e um sorriso na face. Parou novamente apenas na frente da porta de madeira, virou-se para Cabide, o capanga mais forte que contratara, e acenou com a cabeça. O gigante chutou a porta, que tombou para dentro de uma única vez. Josué entrou em seguida, sacando a arma e apontando para dentro, Josué era o extremo contrário de Cabide, era esguio e ágil com uma pistola, mas não tinha força alguma. Cabide entrou atrás do companheiro, sacando sua arma.
ㅤㅤ Só depois de ambos, Felipe aventurou-se porta adentro, andando com calma e paciência. Mas o sorriso morreu na face assim que não encontrou a figura de Hiroshi ali na sala. No lugar dele, havia apenas um velho senhor, sentado numa mesa ao centro da velha sala, com os cotovelos sobre a madeira. Ele acendeu um pequeno abajur na mesa, fazendo a luz amarelada e oscilante percorrer a sala. Amaro sorria para os invasores.
ㅤㅤ – Boa noite. Vieram ver a sorte? - Disse, em som de deboche. - Tá meio tarde, mas minhas cartas ainda estão na mesa e eu posso fazer uma forcinha.
ㅤㅤ – Onde está o garoto, velho? - Cortou Felipe, nervoso.
ㅤㅤ Amaro fez uma cara cínica de não ter entendido o que o garoto falava e sorriu em seguida, vendo os dois homens com as pistolas apontadas para sua cabeça. Sabia que morreria ali, mas também sabia que poderia comprar o máximo de tempo para os três escaparem com segurança.
ㅤㅤ – Olha, sou apenas um velho vidente. - Começou Amaro. - O guri veio aqui pedindo ajuda e tudo mais, quando vocês apareceram. Ele ficou desesperado quando vocês desceram do carro. - O vidente diminuiu a voz e sorriu, apontando para o quarto. E, num sussurro, continuou. - Se escondeu no Armário.
ㅤㅤ Felipe sorriu para o velho, pelo jeito, o charlatão estava querendo cooperar com eles. Acenou para os dois capangas. Josué continuou com a arma apontada para o velho, enquanto o Cabide avançou na direção do quarto. Um novo chute fez outra porta cair, e o gigante entrou no quarto escuro. Demorou alguns segundos, até que voltou à sala, com um sinal negativo balançando na cabeça. Mais uma vez o sorriso de Felipe encolheu-se, e ele voltou a face para o velho.
ㅤㅤ – Não estão lá, caduco. - O próprio Felipe sacou uma arma, destravou-a e encaixou o cano dela na testa de Amaro. - Por que você não larga de brincadeirinha e me diz logo onde eles estão?
ㅤㅤ No exato instante, ouviu-se um ronco de motor vindo de trás da casa, do outro lado da quadra. Não era preciso ser um carro potente para que o barulho fosse ouvido, afinal, a quadra toda estava silenciosa. Felipe demorou alguns segundos até entender o que ocorria, voltou-se furioso para ameaçar o velho ainda mais. Mas encontrou o velho Amaro sorridente em sua mesa velha. Ele olhou para Felipe com seus olhos de sabedoria e graça.
ㅤㅤ – Nunca vai conseguir pegá-los, capeta.
ㅤㅤ Felipe urrou de raiva e disparou, dando cabo à vida do velho Amaro.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Luana, Hiroshi e Carlos cruzaram duas casas até chegar ao outro lado da quadra. Quase tiveram de se defender de um grande cachorro pastor-alemão numa casa, mas tiveram tempo de correr. Estavam cruzando o último muro que os separavam da rua. Luana foi a primeira a saltar, seguidos de perto por Hiroshi e Carlos. Tocaram a calçada despavimentada do outro lado. Seria hora de correr.
ㅤㅤ Seria.
ㅤㅤ Da esquina, a van branca surgiu, dirigindo com certa velocidade até eles. O coração de Hiroshi gelou e Carlos já começava saltar de volta o muro. Luana estava imóvel, junto do japonês. Carlos virou-se para trás para dar-se conta que apenas seu coração malandro e espertinho soube reagir à nova van. Os outros eram lerdos demais! Saltou de volta e puxou-os pela manga.
ㅤㅤ – Esperando o que!? Vamos logo!
ㅤㅤ – Não dá tempo, Carlos. - Respondeu secamente Hiroshi. - Melhor encarar agora. Eles tem um carro, podem nos achar facilmente se estão cercando a quadra com vans. Acho que o plano de fuga não deu muito certo.
ㅤㅤ A van parou em frente a eles, o vidro escuro os limitava de ver quem estava dentro do veículo. Encostaram-se os três na parede, observando atentamente aos movimentos dos passageiros do veículo. A porta destravou-se, e um breve segundo se passou, até que as portas se abriram, tanto a do motorista, quando a dos passageiros. Surpresos ficaram eles quando o primeiro que desceu foi uma criança de pele alva, vestida em camisa e gravata, com um sobretudo por cima. Em seguida, desceu atrás dele um outro homem, também de pele branca, vestindo-se praticamente igual ao garoto. E, do banco de motoristas, o negro alto surgiu, deixando a porta aberta e o carro ligado.
ㅤㅤ Os três estranhos ficaram de frente para Hiroshi, Carlos e Luana. Até que finalmente, Dimitri apontou o dedo na direção de Hiroshi, acenando positivamente com a cabeça. Romanov e Azaias apenas assentiram. Logo em seguida, os estranhos da Liga se afastaram da van, correndo Dimitri para um lado da quadra e Romanov para o outro, enquanto Azaias se preparava para saltar o muro.
ㅤㅤ – Quem são vocês!? - Finalmente conseguiu soltar Hiroshi.
ㅤㅤ O negro que subia o muro, ao lado deles, olhou-o rapidamente.
ㅤㅤ – Use a van para fugir daqui. Nós o encontraremos em breve, Isca. Vamos segurar os homens de Tobias por um instante, mas não sabemos o quanto podemos atrasá-los, saiam daqui, rápido.
ㅤㅤ Azaias saltou o muro, não deixando tempo para que eles fizessem mais pergunta alguma. Hiroshi demorou dois segundos para entender que essa van não estava do mesmo lado que as outras vans. Talvez esses fossem até aliados. Olhou para Carlos, e Luana, aguardando confirmação deles. A menina, ainda quieta, apenas concordou com a cabeça.
ㅤㅤ – Vâmbora daqui. - Complementou Carlos.
ㅤㅤ Saltaram para dentro da van e Hiroshi pisou fundo no acelerador.
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Leia até o fim...

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Olhos Vermelhos - Capítulo 9



ㅤㅤ IX
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ㅤㅤ Hideki ouviu a campainha na porta, afastou-se da sua grande escrivaninha com um impulso das pernas, fazendo sua cadeira presidencial rolar pelo pequeno quarto. Já fazia alguns bons meses desde que decidira morar sozinho, os pais acabaram o apoiando. Afinal de contas, Hideki já tinha o trabalho de programação de sistemas e o bico com os tios.
ㅤㅤ Levantou-se, deixando a sua querida companheira de todas as noites para trás. Era um complexo de três computadores e um laptop. Haviam cerca de quatro monitores no local, fora o embutido no computador portátil. Nas diversas telas, imagens diferentes, todas ligadas pela rede poderosa que ele portava. Descalço, o magro nipônico cruzou a sala da kitnet e foi até a porta, abrindo-a sem precisar conferir quem era. Naquela hora da noite, só podia ser uma pessoa.
ㅤㅤ – Oi, Hideki. - Melissa o cumprimentou rapidamente com um beijo e passou por ele. Sua face não estava nada boa. A garota, na verdade, não estava muito bem desde a tarde do dia anterior. Sentia-se pesada e com uma estranha sensação de incômodo dentro de sua própria mente. Mas, o rapaz tinha outra suposição para o porquê daquele mal-estar que a fizera marcar com ele ali.
ㅤㅤ – O Hiro tá estranho....
ㅤㅤ Confirmada a hipótese. Realmente, Melissa sempre vinha ter com ele, quando o assunto eram as fases mal dormidas de Hiroshi. Ele fechou a porta atrás dela, e sentou-se na pequena banqueta de madeira, ao lado da entrada.
ㅤㅤ – A Tia Yumi me disse a mesma coisa. Perguntou pra mim sobre ele, alias. E, desculpe por quebrar sua confiança, Lissa, mas eu não estou sabendo de nada.
ㅤㅤ A face da garota desmontou. Esperava que o primo, tão companheiro de Hiroshi, soubesse de alguma coisa. Ela deixou o corpo cair sobre o sofá, e relaxou, realmente, algo estava muito errado em toda aquela história.
ㅤㅤ
ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
ㅤㅤ
ㅤㅤ Voltando um pouco no tempo. Aquele fora realmente um dos piores dias de Hiroshi. Seus olhos abriram vacilantes naquela manhã. A mente estava trabalhando a mil por hora, segundos atrás estava transformando demônios em fumaça negra, e agora lá estava ele em sua cama. Levantou-se lentamente, e observou o corpo: nenhuma marca ou arranhão. Deixou o corpo pender para trás. Podia estar livre de qualquer ferida física, mas sentia seu psicológico frágil. Carregava toneladas na mente, era como se todo o terror que vivera agora se incrustasse no que restava de são em seus pensamentos. Estava duro manter-se lúcido o suficiente para começar a distinguir realidade de novas alucinações, e também, havia aquilo.
ㅤㅤ Uma sensação incômoda o circundava, uma aura de baixo astral e mal estar. Era como se estivesse sendo observado, como se olhos estivessem montados em suas costas e rissem de cada sofrimento e confusão que seu cérebro gerava. Ele sentia-se como se não estivesse sozinho nem dentro de sua alma, estava junto de uma má companhia, que mexia com todas as suas ações.
ㅤㅤ Manteve-se olhando para o teto do quarto por alguns segundos, e depois deitou o rosto, observando a janela do quarto. Estava intacta, mesmo sendo por ali que o primeiro demônio investira contra ele. Ficou perturbado com as lembranças, e subitamente desejou afastar-se dali, para encontrar qualquer outra coisa. Tudo a sua volta começou a causar irritações em seu ser. Vestiu a primeira roupa decente que achou e desceu as escadas com pés pesados.
ㅤㅤ – Hiro! Já acordou? Mas que rarida...
ㅤㅤ A voz da Senhorita Yumi se calou quando o filho passou reto pela cozinha, sem nem ao menos lhe dirigir um olhar. Estava estranho. O pai, sentado à mesa da cozinha, observou o gesto de descaso de seu garoto com maus olhos.
ㅤㅤ – Volta aqui, Moleque! Cumprimenta sua mãe direito! - Bradou.
ㅤㅤ Mas, como resposta, só conseguiu ouvir os passos se afastando cada vez mais. Enervado, levantou-se aos berros indo atrás do filho. Hiroshi parecia inerte a tudo que lhe ocorria a sua volta. A mãe lhe irritava, o pai também; por que nunca percebeu isso antes? Seria tão melhor que eles morressem de uma vez por todas! Os gritos do seu velho ficaram distantes de sua mente, ele abriu a porta da frente enquanto olhava para os bolsos, verificando se celular e carteira estavam ali. Quando foi avançar, deu de cara com Melissa.
ㅤㅤ Estacou na entrada.
ㅤㅤ – Oi, Hiro! - Ela disse, sorrindo.
ㅤㅤ – .... - Desviou o olhar, fechando o punho para conter aquela personalidade tão diferente.
ㅤㅤ – Que foi? Não vai me cumprimentar direito não? Vim ver como está a ferida na sua mão... Hah, seu pai está te chamando.
ㅤㅤ Foram os gritos do Senhor Hideo que o trazeram de volta àquela insanidade. Afastou Melissa com um empurrão e saiu pela porta da frente, deixando a garota abobada para trás, junto de seus pais, visivelmente preocupados com a atitude revoltosa do filho.
ㅤㅤ Que todos fossem para os ares! Quem pensavam que eram para gritar com ele!? Nem sabiam pelo que ele estava passando. E Melissa? O que diabos ela vinha fazer ali? Só de lembrar dela sentia os nervos aflorarem, afinal de contas, se não tivesse entrado na maldita estação ferroviária, talvez nada daqueles estranhos sonhos viessem a ele. Sentia que estava tudo interligado, simplesmente sabia. Garota persistente e chata, não entendia o porquê de tê-la como amiga, seria melhor se estivesse morta também!
ㅤㅤ
ㅤㅤ Hiroshi respirou fundo.
ㅤㅤ Já estava a tantas quadras distantes da casa que não ouvira nada da algazarra que ele criou no portão. O que ele estava dizendo? O que era toda aquela fúria? O garoto não era daquilo, não aquele que treinou por onze anos a filosofia de vida do Karatê, que aprendeu os cinco lemas e tentou segui-los tão fielmente. Era um homem disciplinado, de caráter e boa índole. Como pensou tão mal dos pais... e de Melissa? Ele era apaixonado pela garota! Vivera com ela por tantos anos e nunca se confessou por puro medo de perder a amizade que construíram com tanta perfeição.
ㅤㅤ Deixou o corpo apoiar-se no muro: Precisava relaxar. Esfriar a cabeça. Caminhou até o próximo ponto de ônibus que achou, e subiu na primeira condução que estacou-se a frente dele. Agora, um pouco mais relaxado, tentava ligar os fatos, compreender o que estava acontecendo com ele e um modo de voltar à normalidade. Percebeu que sempre que deixava a mente fluir livremente, os pensamentos começavam a se tornar malévolos e raivosos, como se tudo que ele era fosse por água abaixo. Tinha de se policiar. E, mais que isso, encontrar algo que o tirasse daquela pseudo-loucura. Olhou para a mão, o corte feito com a navalha dentro do quarto sujo estava estancado e envolto por gaze. O nipônico sentia extremo mal estar, sempre que direcionava os pensamentos para a cena, ou sempre que se concentrava demais na ferida.
ㅤㅤ Como fora companheiro de Melissa por todos estes anos, ele não duvidava de algo místico. De alguma coisa além do normal estando apossado nele, fora isso, ele não tinha nem certeza que Melissa estava bem. Ela não parecia na melhor das condições quando a deixou em casa. E, somado ao tormento que vivia, ainda havia aquela sensação de estar sendo observado. Como se os grandes olhos flutuassem a sua volta, olhando-o com graça e desdém.
ㅤㅤ Tinha de entender o que estava se passando. Mas agora, só se preocupava em tentar esfriar a mente das visões, das dúvidas, dos sonhos e da insanidade.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Era uma plena segunda-feira de manhã, de modo que Hiroshi pegou um ônibus abarrotado de gente. Mas, conforme o veículo passava pelo centro e pelos pontos próximos às escolas, houve espaço suficiente para Hiro se acomodar num banco e apreciar a paisagem urbana que passava por seus olhos.
ㅤㅤ Achou impressionante como o sul mato-grossense tinha uma tranquilidade para certas coisas. Mal havia começado a semana, e ele encontrara algumas rodas de amigos recém-despertas, sentadas na frente das casas, desfrutando da boa erva-mate gelada, popularmente chamada de Teréré. Apoiou a testa no vidro e deixou que a imagem trocasse diversas vezes na frente de seus olhos. Até que finalmente, sentiu-se cansado demais para qualquer coisa. Um peso desceu sobre sua mente e o forçou a dormir novamente. A entrar no mundo dos pesadelos, no mundo cercado de Olhos Vermelhos.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Tobias enchia a boca com o pão quente que comprara no supermercado Comper, passava manteiga rudemente sobre as bordas, mordendo-a em seguida, e fazendo questão de mastigar com a boca aberta. A outra mão brincava com a pequena lasca de diamante suja e empoleirada, símbolo que pertencia à Liga. Seus olhares, que normalmente estavam voltados para a televisão, estavam fixos no seu discípulo aplicado. Havia poucos segundos, ele havia ligado novamente para um advogado da família. Já tinham sido inúmeras ligações naquela semana, alguns para o advogado dele, e algumas para alguém que Felipe chamava de Risada.
ㅤㅤ Mas agora, o jovem aprendiz de magia negra se encontrava sentado no sofá, com a cabeça pendendo para trás, apoiada no acosto do móvel. Seus olhos novamente brilhavam num vermelho intenso, e um sorriso novo era esboçado nos lábios.
ㅤㅤ – Olá, minha presa. Hora de provocá-los com o que tem a oferecer novamente.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Não! De novo não! Mas o que diabos estava acontecendo com minha mente!? Não conseguia mais compreender nada! Meus pés se moviam sem que eu precisasse fazer muito, eles se afastavam do nada para ir ao nada por puro desespero. Correr no meio daquele deserto sem fim, para onde já tinha ido uma vez. Tudo por causa de uma maldita assombração ou coisa do tipo! Não... Eu não queria vê-las novamente.
ㅤㅤ Ouvi um riso e um sussurro dentro da minha mente, algo como um “Hora de provocá-los... novamente”. Tremi nas bases, era aquela voz que assoprava em seu ouvido e atiçava sua raiva, era aquela presença que o irritava, que o enchia de pavor e rancor. A terra tremeu e um chiado eu pude ouvir a distância. Não... eles estavam vindo novamente...

ㅤㅤ
ㅤㅤ – Ei! Garoto, acorda!
ㅤㅤ Hiroshi levantou-se de súbito com o cutucão. O cobrador estava de pé ao seu lado, parecia que já estava tentando acordá-lo faz um bom tempo, dado a cara enraivecida que tinha. Mas Hiroshi não adormeceu, tinha certeza de que aquele súbito sono não era algo normal. Afinal de contas, mal fechou os olhos para a realidade e entrou naquele mundo surreal, onde fora novamente torturado e dilacerado pela presença das criaturas macabras. Naquele momento, parecia até mesmo que o cobrador lhe era um salvador, que o tirara das garras do mal.
ㅤㅤ – Já demos duas voltas de rotina. Vamos voltar para a cooperativa agora, guri. Você dormiu o tempo todo, sorte que ficou do lado da catraca, e eu pude cuidar pra que ninguém botasse a mão nos seus bolsos. Até tentei de acordar umas vezes, mas você pareceu ter morrido aí! Desce agora que é o último ponto.
ㅤㅤ Uma fagulha de raiva lhe subiu o peito, aquele velho senhor de pele escura estava o expulsando do ônibus. Aquela raiva anormal, ele começava a notar agora as anomalias que lhe atarracavam desde a aventura com Melissa: Sonhos loucos, Ódio incontrolável e aquela sensação de que alguém o estava espiando a cada passo. Conteve e apagou o fogo de rancor em seu peito e desceu do veículo de cabeça baixa. Demorou alguns segundos até a curiosidade lhe tomar contar, e ele levantar o rosto para ver onde estava.
ㅤㅤ A estrada estava destruída, grandes rachaduras rompiam o cimento, junto das falhas tentativas de tapar alguns dos grandes buracos que se seguiam na pista. A calçada era de terra marrom e ele podia ouvir os gritos aqui e acolá. Acabou parando num bairro pobre de Campo Grande. Um sorriso lhe envolveu a face quando viu os casebres em volta. O prefeito ainda dizia que aquela era uma cidade sem favelas. Ótimo, não haviam favelas, mas a situação continuava precária. O Sorriso esmoreceu segundos depois, quando parou para analisar a própria situação. Estava largado num bairro que, até o momento, nem fazia idéia de qual era. A recepção dos marginais de regiões como aquela com gente de fora – fora o fato de ser nipônico e usar roupas boas – não era das mais apreciadas. Loucura! Tinha que falar com a Melissa logo, perguntar para a desgraçada o que ela tinha feito com ele naquela tarde. Vai ver o fantasma que ela procurava tava estava montado em seus ombros. A raiva tomou conta de sua mente novamente, o deixando isento de raciocinar.
ㅤㅤ
ㅤㅤ As duas senhoras passaram de cabeça rápida e passos rápidos por ele. Alcides sorriu com a reação delas, aquilo mostrava o quanto já era respeitado pelos arredores do Tiradentes. Também, não era para menos, não passava dos quarenta, e era conhecido como o matador de maior eficiência. Ele tinha prazer na profissão que exercia; sendo contratado por traficantes, ameaçando vidas, extorquindo dinheiro e matando pessoas. Era experiente, não matava com pistola, dava muita trela. O facão que sempre usava era sua companheira fazia mais de dez anos, já tinha passado ela pela garganta de tanta gente que sangue seco já era decoração da lâmina. Por sorte, também, os jornalistas e policiais eram burros ou subornados; só a família dava por falta de um filho ou um marido que não voltou nunca mais. Dias depois, os entes apareciam na televisão, dando-os como desaparecidos.
ㅤㅤ Nunca esperavam que eles já estivessem em cinzas e jogados em algum canto da mata alta, acabavam sendo mal-interpretados. “Fugiu com a vizinha”, falavam uns. “Foi se droga por aí”, falavam outros. Mas mal sabiam que todos tiveram o fim no mesmo facão.
ㅤㅤ Alcides ainda não tinha entendido o porque de ter acordado cedo, talvez fosse por não ter bebido na noite passada, ou por não ter traçado alguma garota charmosa do bairro. Agora estava ele ali, sentado com as pernas esticadas em frente à sua casa. A construção era a maior das quadras ao redor, única com um quintal e sobrado até bem cuidados, embora ainda demonstrando precariedade de cuidados. O movimento era murcho, a maioria das pessoas do bairro tinham ido para o centro, ou seja lá para onde, tirar o ganha-pão. Ficando ali apenas os aposentados, as donas de casa e os vagabundos. Nada muito bom a se apreciar.
ㅤㅤ Já estava para fechar os olhos e tirar um breve cochilo, quando a figura lhe chamou a atenção. Um japonês cruzava a calçada, do outro lado da rua. Em toda a sua vida, Alcides só tinha visto um ou dois nipônicos no bairro, e nunca a pé. O jovem parecia rico, tinha roupas bonitas e falava ao celular, também aparentemente caro. Mas o que mais chamava a atenção nele, exceto o fato de ele simplesmente estar ali, era a feição. Ele esbanjava raiva e indignação a tudo em volta, uma face fechada que fazia as pessoas desviarem dele na rua. Alcides sentiu um calafrio lhe passar pela espinha, a primeira vez em muito tempo. Era... Medo? Impossível. Pousou a mão na cintura, onde estava o facão e agradou saber que estava ali. Hora de brincar.
ㅤㅤ O sono e o tédio haviam partido, levantou-se e cruzou a rua em passos mais que rápidos.
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ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
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ㅤㅤ – Mas que porra toda é essa? - Tobias, truco como era, observava abismado àqueles homens parados na frente dos carros estacionados na avenida Calógeras, em pleno horário de pico. Eram três vans, duas brancas e uma preta; e, na frente delas, vários trogloditas e mau-encarados olhando para Felipe. O garoto, por sua vez sorria. Voltou-se para o seu mestre.
ㅤㅤ – Contratei-os. Eu acho que em breve os magos da Liga estarão por aqui. Não quero arriscar nada. Eu sei que eles serão a próxima refeição após a Isca se esvair, mas são perigosos demais para simplesmente ignorarmos a existência deles até chegada a hora.
ㅤㅤ O velho gordo coçou a barriga.
ㅤㅤ – Tu acha que esses palermas seguram aqueles caras? Tá muito louco. Só cara de bandido não faz nada, Guri. Já te falei deles, te falei muito, antes de a gente bolar essa joça toda. Sabe quem são.
ㅤㅤ – As vans estão cheias de munição de alto nível, trazidas do Paraguai. - Ele disse num sussurro para Tobias. - Podem não ser o suficiente, mas vão quebrar um belo galho caso qualquer coisa acontecer. Não concorda com isso?
ㅤㅤ Apertava insistentemente a lasca de diamante no bolso do short velho e abarrotado com a outra mão. Deu alguns passos de um lado para o outro, como se imaginasse as estratégias do menino que ele ensinara. Ali estava a explicação de tantos telefonemas nos últimos dias, antes mesmo de marcada a Isca, a Presa.
ㅤㅤ – Como conseguiu grana pra juntar isso tudo?
ㅤㅤ – Meus pais curiosamente entraram em estado vegetativo durante um passeio. - Ele sorriu, desviando o olhar para a rua que agora borbulhava de carros. - O advogado me ligou, e, como único herdeiro, assumir temporariamente o controle das finanças.
ㅤㅤ Tobias sorriu. Realmente, apenas Felipe servia para ser seu aluno.
ㅤㅤ – Aproveitou do laço espiritual entre você e seus pais para mandar eles pra outro plano, mantendo os corpos. Mas que filho-da-puta você é.
ㅤㅤ – Não tanto. Estão no limbo, perdidos, largados. Melhor que se mandasse-os para o inferno. Aquilo deve estar uma algazarra ainda pior com a liberação da Isca. E, também, não quero assombrações em cima de mim, por causa do destino que dei a eles.
ㅤㅤ O velho se dirigia para dentro da pobre loja de calçados velhos e sentou-se na cadeira de cordas de plástico no fundo, mantinha um sorriso torto e amarelo na face.
ㅤㅤ – Tá ótimo, então, guri. Faz o que tu quiser por enquanto.
ㅤㅤ Felipe avançou no meio dos trogloditas contratados e acomodou-se no passageiro da primeira van. Os homens entraram em seguida, cada um tomando sua posição nos carros alugados.
ㅤㅤ – Vou atrás da Isca, agora. Chega de deixar ela solta por aí. Ele morto agora não ajuda em nada, só vai atrasar nossos planos em alguns meses ou anos. Precisamos agir agora, ou os malditos da Liga podem querer interferir no meio termo.
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ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
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ㅤㅤ Azaias já estava naquele estado por mais de meia hora. Seus olhos abertos com as órbitas viradas eram inconstantes, assim como os lábios tremiam enquanto palavras baixas e sem nexo soavam dele. Vez ou outra, soltava um grito ou dois. Gente sensitiva, veria em volta do grande negro, uma aura púrpura tão densa que quase engolia-o por completo. Dimitri dirigia o carro alugado por Vicente antecipadamente. A van estava esperando no pequeno aeroporto de Campo Grande, fora questão de minutos até que ali estivessem. Seguido pelo GPS embutido no carro, Dimitri seguia rumo ao centro da cidade, o Jandaia Hotel marcado num ponto vermelho piscando na pequena tela.
ㅤㅤ O terno negro do mais alto da liga estava impecável, assim como ele permanecia imóvel, deitado na última fileira de bancos da Van. Vicente estava na primeira fileira de bancos, logo atrás do pálido russo, que dirigia. Seus dedos batucavam com cerca velocidade o couro do assento ao lado. Ele parecia o mais tenso, perto da inexpressão normal de Azaias, ou da tranquilidade incrível de Dimitri. Respirou fundo e olhou para trás, Marco mexia no laptop concentrado em algo interessante para ele; ao lado estava o pequeno Romanov, deliciando-se com um suco de caixinha que Dimitri comprara para ele no aeroporto.
ㅤㅤ As batucadas dos dedos aumentaram de ritmo e então pararam subitamente. Vicente deu um tapa no assento e decidiu livrar-se logo de toda aquela tensão. Só tinha de fazer algo, pressentia que precisava agir. Tobias e seu discípulo faziam alguma coisa.
ㅤㅤ Bateu no ombro de Dimitri.
ㅤㅤ – Pare o carro assim que puder, Dimitri. - A fala tragou a atenção de todos na van, exceto de Azaias, ainda em transe.
ㅤㅤ – O que pretende? - Rebateu o motorista.
ㅤㅤ – Eu e Marco vamos ir atrás de Tobias, assim poupamos tempo. Eu sei de um jeito com o qual podemos localizar o velho gordo. Acho que ainda estamos na cola dele. - Vicente olhou para trás, vendo os pés para fora do assento no último banco. - Também tenho total certeza que eles já marcaram a Isca. A Presa. Só esperem a confirmação e as informações que Azaias tenta extrair com os espíritos.
ㅤㅤ A van estacionou num espaço vago na avenida Afonso Pena.
ㅤㅤ – Assim que souberem onde está a Isca, vão até ela. Dêem proteção e vigilância, e tentem fazer algo para retardar o processo de consumo da alma dele; mas, não soltem mais informações do que o necessário. Eu e Marco, assim que acharmos o velho, tentaremos descobrir qual dos dois foi o invocador do rito. Tendo essa certeza, tentaremos um rapto.
ㅤㅤ – Rapto!? - Marco quase deixou seu aparelho cair.
ㅤㅤ – Sim. - Disse olhando o discípulo. E logo em seguida voltando seus olhares para Dimitri, antes observando a inexpressão de seu filho. - Precisamos agir em conjunto, em tempo ágil. Acho que estamos em cima da hora, enrolamos demais para nos reunirmos para vir aqui. Eu vou indo então...
ㅤㅤ Pegou uma maleta prateada grande abaixo do banco, foi em direção a porta de passageiros da van e tentou abri-la. Trancada. Olhou para Dimitri, que lhe devolvia com um olhar um tanto mais sério que o comum.
ㅤㅤ – O que foi?
ㅤㅤ – Vicente, o que descobriu e está escondendo?
ㅤㅤ – Nada, é apenas pressentimento...
ㅤㅤ – Não me engana. Diga logo.
ㅤㅤ O grisalho fitou o descendente de russo por alguns bons segundos, sem alterar a séria expressão que sempre lhe tomava a face. Entretanto, subitamente soltou um suspiro e desviou o olhar, colocando sobre o banco onde estivera sentado.
ㅤㅤ – Invoquei um deles dentro de minha alma, quando cochilava no avião. Ele estava tão cheio de energia e empolgado que quase não consegui contê-lo dentro de mim. Olhos Vermelhos, Dimitri, eles já estão com o rito em andamento. E, presumo, que a Isca já deva estar bem fraca. Chuto que é o discípulo quem está fazendo o rito. Uma vez que, quanto maior a jovialidade e a energia, mais rápido o rito procede. O velho Tobias tem mais experiência, mas o rito demoraria bem mais para ser feito, se ele usasse de seu corpo acabado.
ㅤㅤ Romanov ajeitou-se em seu banco, dando passagem para Marco, que carregava a mochila com seu laptop nas costas. O discípulo parou ao lado do mestre, com as costas encurvadas, e olhou para Dimitri, que parecia processar os fatos.
ㅤㅤ – Precisamos agir, Dimitri. - Vicente finalizou o monólogo.
ㅤㅤ A porta destravou.
ㅤㅤ – Vê se não cai na cilada deles, Vicente. - Disse Dimitri.
ㅤㅤ – Até logo. - Romanov emendou.
ㅤㅤ – Fiquem atentos aos seus celulares, ligarei a qualquer momento para pedir ou mandar informações. Quero terminar isso em menos de dois dias, embora acho que tenhamos menos tempo que isso para nos virarmos.
ㅤㅤ Vicente saiu, carregando a maleta prateada e Marco desceu atrás dele. Olhou uma última vez para Dimitri e acenou com a cabeça, antes de fechar a porta.
ㅤㅤ
ㅤㅤ Mal se passaram cinco minutos desde que saíra da vaga na Afonso Pena, a voz ecoou vinda do fundo do veículo. Romanov, quase sempre quieto e calmo, aparentemente assustou-se com a voz.
ㅤㅤ – Esqueçam o hotel. Precisamos agir.
ㅤㅤ Azaias levantou-se, passando a mão pelo cabelo raspado.
ㅤㅤ – Onde está Vicente e o garoto dele?
ㅤㅤ
ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
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ㅤㅤ Tentou ligar pela trigésima vez para alguém pelo celular. Aparentemente, estava fora de área, o que contribuía para o rancor do jovem aumentasse ainda mais. Hiroshi virou a esquina, nem observava por onde andava com sua caminhada apressada, talvez estivesse andando em círculos e nem sabia. Estava mergulhado em pensamentos, que vinham um após o outro, sem dar a ele tempo para fazer mais nada direito. Imaginava como sairia dali, por onde começaria a achar a solução para a perturbação que sentia, que tipo de esporro daria em Melissa pelo grande presente que ela lhe dera, que tipo de assombração estava montada em cima dele.
ㅤㅤ Tão compenetrado em suas dúvidas, mescladas à raiva, ele estava, que nem ao menos percebia os gritos do homem que estava quase aos seu calcanhares. Quando finalmente pôde voltar um pouco para a realidade e encarar a sombra que se formava às suas costas, virou-se, dando atenção as berros nada suaves.
ㅤㅤ – Garoto filho-da-puta! Não me ouve não!?
ㅤㅤ A figura de Alcides assustaria qualquer um; era um moreno alto e de musculatura definida, olhos de gente sofrida ele tinha, além das duras feições que lhe esculturavam a face. Entretanto, o medo pareceu minguar dentro dos sentimentos de Hiroshi, só havia espaço para raiva, rancor e ódio.
ㅤㅤ O rapaz observou Alcides de cima abaixo, com desdém, e logo em seguida virou-se, voltando a caminhar, mergulhando nos próprios pensamentos mais uma vez. Estava claramente perturbado. O matador de aluguel sentiu o sangue subir o corpo e sua face esquentou de uma única vez: Ninguém nunca o tratava daquela forma. Segurou o garoto pelo ombro e deu um forte puxão, enquanto a outra mão pousava sobre o facão. Mas não teve tempo de reagir, Hiroshi virou-se, usando da força do próprio Alcidez como impulso e virou com o braço já se projetando para frente. O soco encaixou-se perfeitamente no nariz do matador, que tombou para trás de uma única vez.
ㅤㅤ – Filho da....
ㅤㅤ Agora, ele também parecia mover-se por ódio. A situação invertera-se de um modo completamente inesperado para Alcides; era ele quem devia estar ameaçando, causando dor e medo ao garoto, não o contrário. Pelo único soco bem colocado e doloroso que sentira, definiu que o japonês não era um alguém qualquer, ele sabia lutar e usava disso sem escrúpulo algum. Já estava para se colocar de pé, já com o facão em mãos, quando o chute acertou seu estômago, tirando-lhe o fôlego e o fazendo cair novamente no asfalto de terra.
ㅤㅤ Para Hiroshi, agora estava num mundo completamente surreal. Tudo o que podia ver eram flashes de visões que ele era para estar vendo nitidamente. Novamente perdera o controle do corpo, novamente sentia sua alma definhar e perder a força para assumir o mundo material. Mas o que mais o assustava era o pouco que enxergava. Via-se batendo num mulato grande e parrudo, de relance, pudera ver que carregava uma arma, algum tipo de faca. Hiroshi nunca reagiria assim, o Karate lhe ensinara a saber quando reagir: Apenas em situações de extremo risco. Ele poderia ter fugido do grandalhão, claramente era mais leve e rápido que o gigante, mas lá estava, montado sobre o corpo pesado dele, o contendo e enchendo o maluco de golpes atrás de golpes.
ㅤㅤ Alcides urrava de raiva, seus olhos percorriam rapidamente o que acontecia a volta. E podia ver a face de donas-de-casa assustadas com a posição humilhante na qual o maior matador das redondezas se encontrava. E realmente, sentia-se humilhado. Queria esmigalhar o japonês ninja que achara, mas o peso dos joelhos dele estavam caídos sobre seus braços, e o corpo dele pressionava o do mulato, o impedindo de fazer mutia coisa senão levar golpe atrás de golpe. Seu rosto já sangrava aos montes e o nariz estava quebrado, imaginava até se algum dente tinha saído do lugar. Pelo menos, o nipônico não estava ileso. Hiroshi sangrava no braço e na perna com dois grandes cortes do facão de Alcides, além de vários pequenos arranhões e cortes num pequeno combate antes de domá-lo. O assassino entendeu que estava naquela posição pela sua própria burrice, por ter subestimado e ter feito graça do moleque sem ter se precavido. Em situações normais, já teria desmembrado o rapaz e enterrado cada parte dele em lugares separados.
ㅤㅤ Mas, mesmo tentando sobrepor a lógica por cima da humilhação que sentia, ele ainda tinha de confessar uma única coisa: A feição do moleque não era normal. Os olhos dele expressavam pura raiva e ódio, como se ele nunca tivesse amado nada em sua curta vida. E Alcides conhecia olhos de rancor, ele mesmo tinha os dele; mas nada eram perto da raiva contida no garoto, em cada soco que ele disparava.
ㅤㅤ Apagou aqueles pensamentos, não era hora de filosofar sobre os pesadelos da vida. Mexeu as mãos dormentes pela falta de sangue bloqueada pelos joelhos pesados de Hiroshi, o facão não estava mais ali. Contudo, ainda tinha seu último recurso, ainda podia pegar o coldre da pistola enganchada no seu short, na parte de trás. Só uma bobeira de Hiroshi, e fim de jogo. Até lá, ficava resistindo aos golpes dele. Parecia que, quanto mais raiva ele continha, menor era a técnica nos socos. Os primeiros eram raivosos e precisos, socos de artistas marciais, mas agora, socava pior que os moleques de rua, só se aproveitando dos músculos dos braços. Sentiu o joelho esquerdo do garoto levantar-se um pouco, num ato de fúria para um soco que o pegou na têmpora, aquela tinha era sua chance.
ㅤㅤ Puxou com tudo seu braço e deixou o garoto desequilibrar-se em cima de seu corpo. Tempo suficiente para puxar agora o outro braço e ver-se livre do moleque montado em seu peito. Fechou os punhos e desferiu dois potentes socos contra ele, fazendo Hiroshi cair para trás e rolar no chão, ralando braços e pernas. Alcides levantou-se com velocidade, já puxando a pistola do coldre e apontando para o nipônico. Os olhos arregalaram-se quando viram que ele já não estava onde tinha caído. Ouviu um barulho na esquerda, virou-se apontando a arma, mas não houve tempo. Hiroshi salto para cima dele, afundando o facão no peito de Alcides, que disparou as armas para pontos desconexos do céu. Sentiu o corpo perder a força, ao mesmo tempo que uma dor que nunca antes sentira assomava seu corpo. Estava morrendo.
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ㅤㅤ A clareza começou a voltar à mente de Hiroshi. Via-se caído sentado sobre o peitoral de um homem gigantesco, fitou o rosto do homem com calma, enquanto seu próprio peito arfava loucamente. Começou a recordar-se das visões que estava tendo no seu momento de fúria, aquele era o mulato contra quem lutava. Levantou as mãos, colocando-as em seu campo de visão. Estavam empapadas de sangue. Sangue que não era dele. Mais uma vez, um cansaço descomunal tomou-lhe a mente. O sono terrível que o levaria para o terror do deserto dos demônios. Seu corpo bambeou de um lado para o outro; até cair, cansado e sem os sentidos na terra da calçada.
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ㅤㅤ A moto já tinha ido para a oficina por causa de um problema no motor. Mas não havia do que Carlos reclamar, afinal, pagara uma pechincha no veículo. A tarde de segunda sempre era agradável para ele, um dia de descanso após a loucura de três dias trabalhando incessante na Feira Central. E, naquela tarde em especial, lá estava ele, andando com sua moto recém-adquirida. Deixava o vento passar no rosto, deixando a sensação de frescor levar embora os minutos gastos no pequeno passeio pelo bairro. Alguns conhecidos gritavam ao longe, acenando para ele e dando-lhes os parabéns pela nova moto; pessoas queridas, amigos de infância com quem vivera muitas das loucuras que os moleques daquela classe social aprontavam.
ㅤㅤ Virou a esquina, para voltar para casa. Em breve, o almoço já estaria na mesa. Passou de relance por uma ruela aonde não entrava muito e viu, ao longe, algumas pessoas aos berros e outras correndo em direção a um mesmo ponto na calçada, no meio da quadra. Movido pela pura curiosidade, virou na ruela e aproximou-se diminuindo a velocidade. Pôde distinguir dois corpos caídos no chão. Um sobre o outro. O de baixo, parecia ter uma faca enfiada no peito e criava uma grande poça de sangue abaixo dele, enquanto o de cima, mais peculiar ainda, tinha pele branca e não parecia nem de longe daquelas redondezas. Desceu da moto e abriu caminho pelo pouco de gente que crescia a cada novo berro dado. Estacou imóvel e sem reação ao ver o rapaz ali. O grande mulato caído era o Alcidão, matador de aluguel temido na região, morto pelo próprio facão que usava como ferramenta de trabalho. Entretanto, não era nem o velho alcides que lhe chamava a atenção. O pior, era aquele que estava desacordado acima dele. O que diabos Hiroshi, o filho do patrão e amigo de conversas rápidas, fazia ali!?
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Leia até o fim...

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