terça-feira, 10 de agosto de 2010

Olhos Vermelhos - Capítulo 2


ㅤㅤ II
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ㅤㅤ Já fazia... Quanto tempo? Quanto tempo que eu estava daquele jeito? Perdi a conta, dias e noites foram tão rápido aos meus olhos. E, ao mesmo tempo, demoravam uma tão grande eternidade singular a se passar. Durante tantos... tantos e tantos anos, eu nunca consegui realmente definir o que havia acontecido comigo. Ou pelo menos, eu não me lembro. Acho que, quando o corpo se esvai e apenas resquícios da alma restam, o supérfluo e fútil desaparece.
ㅤㅤ Passavam pessoas ali, disto eu tinha certeza. Todo dias eu podia observar. Silhuetas negras, sombras disformes entravam no caminho da luz do sol ou do brilhar da lua. No início, eu tentei me comunicar. Juro que tentei. Gritava e esperneava pela atenção deles, mas nada deu certo. Eu parecia simplesmente não existir. Ou, pelo jeito, eu realmente não existia mais no meu mundo. Meu querido mundo de origem.
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ㅤㅤ Mas tudo começou a mudar naquele dia.
ㅤㅤ Eu pude sentir que algo grande começaria a acontecer. Que eu finalmente sairia do meu purgatório. Sombras passavam, como sempre, pela frente daquelas vidraças velhas que distorciam a forma de todos. E, como eu quase sempre estava fazendo, numa última e longa demonstração de esperança, sussurrava palavras quaisquer, na tentativa de alguém ouvir-me.
ㅤㅤ Recitava naquela noite alguns poemas, poucos poemas que eu havia aprendido em vida. Histórias lindas e sofridas de homens que se suicidavam por amor. E fui então que ela parou. A sombra me observava. Eu tinha certeza absoluta. Uma silhueta estava parada bem ao meio da vidraça, como que ouvindo ao meu declamar poético. Parei por alguns poucos segundos, tentando ligar os fatos. Não, talvez ela tenha alguma distração do lado de fora. Pensei, pessimista como havia me tornado.
ㅤㅤ A sombra, então, aproximou-se mais da vidraça, aumentando a nitidez e diminuindo seu volume. E entendi que ela me ouvira. Sorri, chorei e gritei de vida. E voltei a falar em voz alta, implorando para que ela me tirasse dali. Me salvasse.
ㅤㅤ Mas nada acontece tão facilmente.
ㅤㅤ E ela, assustada, se afastou de meus pedidos desconexos. E naquele dia não mais a vi.

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ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
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ㅤㅤ A única luz vista em todo o espaçoso apartamento era a do monitor ligado. Nem ao menos parecia um imóvel de luxo de frente para a praia de Copacabana. O sol estava no alto, e os berros e toda a movimentação de um domingo do Rio de Janeiro se manifestavam na avenida Atlântica. Mas nada daquela animação passava pelas cortinas fechadas e vedadas da cobertura daquele prédio.
ㅤㅤ O som do jovem que teclava no laptop era incessante, já estava ali sentado procurando suas informações já faziam dois dias seguidos. Tendo, como prova de seu esforço os olhos vermelhos e inchados pelo esforço.
ㅤㅤ – Ainda não? - Veio a voz rouca e grave, do sofá de couro.
ㅤㅤ – Ainda. - Respondeu o garoto, que não parecia ter mais de vinte anos.
ㅤㅤ – Pff, pelo jeito não vamos conseguir nada assim.
ㅤㅤ – Calma lá, chefia. O cara é bom, montou uma rede de segurança tão forte na rede dele, que é difícil até mesmo pra mim rastrear e penetrar. - Respondeu, sem parar de teclar. Os olhos vidrados nas sequencias e sequencias de códigos que surgiam. - Mas acho que já estou para entrar.
ㅤㅤ Vicente passou a mão pelos cabelos grisalhos bem aparados. Aquela espera toda lhe dava mais ansiedade que já tinha normalmente. Afinal, o que aquele velho estava pensando em fazer? Ele se torturava gerando hipóteses atrás de hipóteses. Era o mais afastado membro do grupo, ou pelo menos, era o único com o qual se comunicar era quase impossível. Seja pela sua personalidade, seja pela sua localização sempre indeterminada.
ㅤㅤ O hacker pareceu respirar fundo na frente do laptop de última geração, chamando a atenção de seu instrutor, que se ajeitou no sofá para observar a tela. Como resposta, ele apenas direcionou um olhar positivo para Vicente, e logo em seguida, virou-se para o monitor, apertando a tecla para prosseguir. Um turbilhão de dados começou a saltar na tela, ao mesmo tempo que o garoto disparava seus dedos freneticamente pelo teclado sensível, sem nem ao menos piscar. A tensão parecia aumentar a cada nova janela negra que surgia, com mais dados impossíveis para um leigo entender. Seus dedos aceleraram mais um pouco, e então, numa sequencia rápida e precisa, ele apertou as três mesmas teclas seguidas vezes. Fazendo sumir uma de cada vez as janelas do monitor. Conseguira quebrar a segurança.
ㅤㅤ Descansou o corpo para trás, enquanto o velho bem cuidado Vicente vinha até ele.
ㅤㅤ – Consegui. - Antecipou-se ele. - Entrei no sistema, agora é só pesquisar.
ㅤㅤ – Faça, rápido! Não temos tempo a perder. Qualquer coisa útil nos fará tomar nosso próximo plano de ação. Dependemos do que você conseguir encontrar, Marco.
ㅤㅤ – Certo. - O garoto voltou a pousar as mãos no teclado, agora com mais calmo. E começou a digitar barras de pesquisa no disco de diversos aparelhos ligados na rede em que se infiltrara.
ㅤㅤ Demorou cerca de mais dois minutos, até a informação saltar na tela e ele abri-la.
ㅤㅤ Vicente debruçou-se sobre a tela do laptop, ficando imóvel por alguns segundos.
ㅤㅤ – Então?
ㅤㅤ Marco levantou-se da cadeira espreguiçando-se, ao mesmo tempo que Vicente discava um número no celular dele. Finalmente havia tudo preparado.
ㅤㅤ – Vamos para Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Dimitri e Azaias vão junto.
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ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ ~
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ㅤㅤ – Caíram.
ㅤㅤ Uma gargalhada nojenta e alta cobriu o local.
ㅤㅤ – Perfeito! Guri, tu até que presta!
ㅤㅤ – Eu sou o melhor, simplesmente isso. - O jovem levantou-se da cadeira reclinada, ajustando o casaco de couro, enquanto puxava um cigarro e ia para a sacada. - Não sei como ainda não tomei seu lugar, afinal de contas.
ㅤㅤ O bom humor do velho parou na hora.
ㅤㅤ – Guri! Tá abusado demais, bostinha! Ainda tem muito pra aprender antes de me alcançar, cabra de merda! Agora vê se xispa daqui, quero pensar um pouco sozinho!
ㅤㅤ Ele não retrucou, mas manteve o sorriso nos lábios fumantes enquanto saía. Era cada vez mais fácil provocar aquele velho gordo e folgado. Deixou para trás o sobrado no qual havia a casa e a loja velha de seu mentor. Na tela do monitor ligado da sala, todo o histórico da invasão de Marco. Afinal, eles caíram na armadilha com uma facilidade imensa.

Um comentário:

  1. hmmm... surgindo histórias paralelas!
    Gostei muito de ter colocado a assombração em primeira pessoa !!

    muito fodamente bem aprofundado e estruturado, como sempre :)

    Ótimo escritor de novelas hein!! rs

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