sábado, 28 de agosto de 2010

Olhos Vermelhos - Capítulo 7


ㅤㅤ VII
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ㅤㅤ – Vamos, Dimitri, o que custa falar? - Insistiu Marco.
ㅤㅤ – Ora, mas esse moleque não recebeu educação? - O albino, claramente irritado, virou-se para o mestre do jovem. - Você bem que poderia dizer para ele que, quando uma pessoa não quer dizer algo, não se deve ficar pedindo tanto.
ㅤㅤ Vicente limitou-se a abrir um sorriso com os atos de seu pupilo. A viagem até Campo Grande duraria mais três horas, considerando que ainda tinham de pousar em Curitiba, para pegar alguns itens que estavam guardados num banco da cidade. Dimitri teria de ceder, ou a falação continuaria. Estavam num luxuoso jato particular, contratado por Vicente para levá-los, não havia como fugir das constantes perguntas.
ㅤㅤ – Não é nada de mais, Dimitri. Só estou perguntando porque mora com um casarão daqueles, dentro de uma favela. É muito estranho, não tem nexo, sabe?
ㅤㅤ – É um filtro. - Finalmente confessou o russo.
ㅤㅤ – Filtro?
ㅤㅤ – Exato. Para que meus clientes me procurem, eles precisam realmente estar interessados em meus serviços. Não posso aceitar qualquer trabalho, ou minha... Reputação cai. A Favela funciona como um filtro, afinal de contas, os moradores dizem que rico que sobe o morro geralmente nunca mais desce. É só um capricho meu, que acaba por selecionar melhor aqueles que me contratam.
ㅤㅤ – Hah. Entendi.
ㅤㅤ – Certo, Marco. Venha aqui agora. Chega de importunar o Dimitri. - A voz de Dimitri soou, no assento da frente.
ㅤㅤ – Importunar? Ora, nem é para tanto...
ㅤㅤ – Venha logo, Marco.
ㅤㅤ – Tá certo, Chefia. Tá certo.
ㅤㅤ E, relutante, o discípulo hacker voltava ao seu lugar. Dimitri suspirou aliviado, levando os olhos para o resto do avião. Azaias continuava sentado na cadeira mais a frente, um gigante negro montado num terno de mesma cor, ele continuava o mesmo desde que Dimitri o conhecera, tantos anos antes. Virou-se para o lado e viu seu filho sentar-se no assento ao seu lado.
ㅤㅤ – Papai. - O garoto disse, na voz baixa e suave. - Porque ele é... assim?
ㅤㅤ – Relaxe, Romanov. É apenas uma característica marcante da Liga dos Diamantes. Quase todo discípulo tem características marcantes, ligadas à magia que praticam e aos próprios mestres. Quando Vicente era jovem, ele era muito parecido com Marco. Mas agora, parece que se acalmou um pouco, como se os anos lhe tirassem o aparente vigor. Eu também... Era muito parecido com você, em sua idade. E meu pai, semelhante ao que sou agora.
ㅤㅤ – O vovô era um bom mago?
ㅤㅤ – Sim. Eu acho que já lhe contei: Ninguém sabe exatamente quando nossa linhagem adentrou a liga. Mas desde que nós começamos a praticar a magia, nos saímos muito bem em nossos papéis.
ㅤㅤ – Hm... - Romanov concordou com a cabeça. E pareceu pensar, por alguns segundos, antes de voltar seu olhar ao mestre. - O que exatamente é Olhos Vermelhos?
ㅤㅤ A feição no rosto do tranquilo Dimitri desfez numa cara com um semblante um pouco mais sério. Olhou para Vicente, que o observava atentamente no banco da frente, e aguardou até que o amigo lhe confirmasse com a cabeça. Assim que recebeu a resposta positiva, voltou-se ao filho.
ㅤㅤ – Veja bem, nós somos especialistas em conexões de almas. O Azaias, ali, é mestre em invocar e conversar com espíritos, foi graças a um desses que descobrimos sobre os planos de Tobias, alias. O Vicente e Marco sabem... - Vicente balançou a cabeça negativamente. - Bem, eles são peritos em invocações. Agora, tendo essas exemplificações, você imagina no que Tobias e seu novo discípulo são mestrados?
ㅤㅤ – Não...
ㅤㅤ – Tobias tem a capacidade de abrir portais entre os planos. Terra, Limbo, Inferno, Paraíso. A magia do velho gordo é poderosa. - Dimitri afagou os cabelos claros do filho. - Será que agora, você consegue entender o significado de Olhos Vermelhos?
ㅤㅤ Romanov esboçou um curto sorriso e meneou a cabeça.
ㅤㅤ – Um filho esperto você tem, Dimitri. - A voz grave e seca de Azaias surgiu, como se ecoada por todos os lados. O albino virou o rosto na direção do negro e sorriu.
ㅤㅤ – É, eu sei.
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ㅤㅤ Amaro saltou na cama, a respiração desregulada e o corpo molhado de suor mostrava o quanto ele estava assustado. Ele tinha aqueles sonhos ruins com frequencia, mas o que eram aqueles últimos? Que loucura era aquela que ele estava presenciando? Algo de muito perigoso estava acontecendo por perto, e ele sentia isso todas as noites. Pôs os pés no chão e levantou-se da cama, tomando cuidado para não acordar sua filha Luana, que dividia o pequeno quarto com ele. Ligou a luz da sala onde recebia seus clientes e passou para a cozinha, precisava tomar um copo de água. Olhou, triste, para sua casa durante a pequena caminhada. Ele precisava de dinheiro, precisava dar uma vida um pouco melhor para sua filha que já estava se tornando uma moça. Precisava dar a ela uma vida longe daquele no qual vivia. Observou a sala de visitas. A mesa circular ao centro, com algumas cartas amarrotadas e suja sobre o pano azul. Alguns lençóis de cores escuras davam ao local um ar mais misterioso para para o cômodo. Amaro, o Enigma. Era assim que ganhava o pouco que o sustentava. Tão pouco que nem comprara ainda a tinta para apagar as pixações na frente da casa que o chamavam de “Charlatão Farsante”.
ㅤㅤ Mas não era farsante! Realmente sentia coisas estranhas. Tinha visões no meio da noite e ouvia sussurros que ninguém mais ouvia. Por uma grande pena, era apenas a sua filha e mais alguns poucos daquele bairro pobre que acreditavam nele. Era exatamente por isso que orava todos os dias para que sua pequena Luana não herdasse seus dons, que tivesse uma vida normal e promissora sua filha. Ou nem mesmo um amor ela teria, a própria mãe de Luana deixara Amaro por causa de sua inconstância financeira e psicológica. Bebeu toda a sua água e voltou à cozinha, para deixar o copo de barro sobre a pia. Voltou-se para a sala e sorriu, pensava como seria sua vida, caso as pessoas acreditassem no que ele podia fazer, em como ele sentia as coisas.
ㅤㅤ Voltou à cama e tentou esquecer daquelas visões horríveis que estava tendo. Flashes de cenas horripilantes; olhos vermelhos, um japonês desesperado, gritos, tiros. Eram tantas e tão distorcidas que Amaro não tinha certeza de nada. Mas, mesmo não querendo aceitar, ele sabia que teria um papel naquilo tudo. Fechou os olhos e relaxou, teria um dia cheio de trabalhos temporários no dia seguinte, precisava ganhar dinheiro para sustentar sua filha.
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ㅤㅤ Luana, calada, assistia o tormento do pai. Mal sabia ele que ela já tinha as mesmas visões. Tinha as mesmas aptidões sensitivas do pai. Estava com o destino entrelaçado com os diversos fatos macabros e tenebrosos que viriam a acontecer.
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ㅤㅤ Os risos sádicos e frenéticos ocupavam toda a casa suja, fazendo até mesmo o velho Tobias despertar de seu sono profundo. O mago barrigudo caminhou até a sala, onde o aprendiz dormia quase sempre, e o encontrou ali, sentado na mobília antiga. Os cotovelos estavam apoiados nos joelhos, e a face deitada sobre as mãos; seu corpo chacoalhava freneticamente com cada risada grotesca que soltava. Tobias demorou alguns segundos até entender o que acontecia. Finalmente, sentou-se em sua poltrona e ficou observando o garoto, agora também tinha o mestre um sorriso na face enquanto seu pupilo fazia a continuação do rito de magia.
ㅤㅤ Felipe levantou o rosto do apoio das mãos, mostrando sua face louca. Seu sorriso parecia disforme e maior que o normal, para sua face. E suas órbitas agora brilhavam num vermelho forte, olhos de demônio.
ㅤㅤ – Pobre coitado... Sofre com os sonhos, não é mesmo!? - O discípulo de Tobias dizia, entre suas gargalhadas maquiavélicas. - Isso... Sofra! Grite!
ㅤㅤ E continuava a rir.
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