domingo, 25 de outubro de 2009

Clarisse

Antes de lerem este conto. Gostaria dar meus sinceros agradecimentos para a Akina e para a Lori, que toda vez que posto algo novo, estão lendo e me dando suas opiniões. Espero sempre atingir ou superar a expectativa de vocês com meus escritos. Muito Obrigado. 


  E finalmente eu saí daquele transe esquisito. Mal pude notar quando já estava na minha sala de novo. A televisão mostrava agora apenas chiados e imagens sem nexo. Aquele vídeo havia finalmente terminado. Agradeci na hora, para seja lá para qual fosse a entidade divina que fez o “filme” ter fim. Mas a paz não durou mais que alguns segundos. 


- Gostou? Quer ver o vídeo de novo, certo? - Veio a voz de Thomas do meu lado.

  Óbvio que eu não queria ver aquele vídeo de novo, quem iria querer? Mesmo assim, sem o consentimento da minha consciência, minha cabeça balançou positivamente para a pergunta dele. Thomas abriu um sorriso nojento e desgostoso de se ver. O homem sentado ao meu lado era Thomas, um colega de trabalho que veio para minha casa me ajudar em algumas coisas. Sabe, até dois meses atrás, Thomas era um funcionário normal da empresa, era sorridente e quase sempre estava de bom humor. Embora algumas vezes já o tivesse vido estressado, mas visto que trabalhamos feito loucos, isso é aceitável. De qualquer forma, todo dia ele me dava “bom-dia” quando passava pelo meu escritório indo para o dele e sempre me tratava com respeito e carinho. Imaginei até que ele tivesse uma queda por mim, afinal de contas, tenho mais de trinta anos. Mas imagino que ainda sou bonita. 
  Mas talvez seja essa minha maldição. O que aconteceu foi que, de dois meses para cá, ele apareceu no trabalho com aquela feição. Olhos arregalados, e em movimento constante. Sua cabeça também se virava para todos os lados, como se imaginasse que estava sendo observado o tempo todo. Ele agora andava encolhido e quase não falava com ninguém. De qualquer forma, ele não foi despedido por isso. Mesmo que todos tenham estranhado, o chefe se alegrou porque daquela forma ele trabalhava com o dobro de eficiência. Estava fazendo os relatórios de quase todos os funcionários, inclusive os meus. E foi aí que... 

- Podemos combinar de conversar em algum lugar? Preciso saber de alguns detalhes para fazer os dois últimos relatórios de seu serviço. Não posso falar agora, aguardo resposta. - Foi o que Thomas disse para mim noutro dia.

  Dali, para ir até minha casa, foram dois passos. E para me mostrar aquele vídeo, mais três. E naquele momento lá estava eu, sentada ao lado do doentio Thomas, vendo um vídeo que particularmente me chocou demais, mesmo eu não entendendo muita coisa. Os chiados terminaram assim que Thomas rebobinou a fita e deu play. Voltando para a cena inicial. Tive calafrios que percorreram toda minha espinha, enquanto sentia minha pele ficar mais branca quase sem notar. 
  Na televisão a imagem de uma escrivaninha de madeira que parecia ser mais velha que eu. Ela tinha três gavetas na direita e mais duas na esquerda. Mas era claro que aquilo não havia me assustado de início, eu não era levada por coisas sobrenaturais, talvez fosse por isso que eu nunca fora muito fã de filmes de terror. De qualquer modo, depois daquele vídeo, eu comecei a tremer só e ouvir falar em assistir filmes de suspense ou coisas do gênero. O motivo? O que apareceu a seguir. 

  Passos. Passos lentos e rastejados no chão começaram a ser ouvidos. Meu coração quase parou quando ouvi aquilo de novo. Já sabia o que iria aparecer. Do canto da tela, apareceu o Ser. Se é que se podia chamar aquilo de algo vivo. Estava descalço e vestia trapos do que um dia já fora um terno luxuoso. Os pés e as mãos pareciam ser movimentados por algo, afinal, eles aparentavam estar pura e completamente sem vida. A cada movimento feito por eles, centenas de rugas de velhice eram criadas. Sinonimas às unhas rochas e podres deles. 
  A cara dele? Prefiro nem comentar sobre ela, talvez porque seja algo que não possa ser descrito com palavras. Talvez porque eu não queira relembrá-la novamente. Talvez porque caso eu contasse, vocês pudessem não querer o resto da história. Mas posso dizer uma coisa, a face dele lembrava apenas uma palavra: Morte

- Huhuhu. - Ouvi a risada maníaca que Thomas havia adquirido nos últimos tempos.

  Como vou morrer. Onde vou morrer. Quando vou morrer. Porque vou morrer. Se sentirei dor quando morrer. Se há algo mais depois da morte. Se posso viver livre sem pensar na morte. Estas eram apenas uma pequena parcela do que pensava enquanto olhava para a face temível e horrorosa daquela criatura. Os olhos dela pareciam emitir o infinito de desgraças. Pareciam criar a maior e pior tormenta do mundo apenas com um simples olhar. Eram o ódio e o desprezo juntos em pessoa. 
  Finalmente ele sentou-se na escrivaninha. Acomodando-se na velha cadeira que rangeu com seu pouco peso. E foi então que, mesmo já sabendo o que ele faria, meu coração quase saltou para fora da boca novamente. Uma por uma, ele foi jogando bruscamente as gavetas no chão. O movimento era rápido, violento e forte. Além de provocar um som altíssimo de madeira raspando em madeira. Fez isto em quatro gavetas, deixando apenas a única do lado direito ali. 

- É agora. É agora! Huhuhu! - Tentei ignorar, mas não pude. Thomas simplesmente me dava mais calafrios ainda.

  A imagem na televisão mostrou o Ser lentamente abrir a última gaveta, como se tivesse cuidado com ela. Logo depois, ele colocou a mão dentro da gaveta e retirou para fora lentamente um objeto. Era um velho gravador de som, que aparentava estar completamente vazio. Ele pôs o item acima da mesa, na sua frente, com extrema veemência e cuidado. E então apertou o play. 
  Mais uma vez aquilo aconteceu. 

- Aqui é... - Falei. Enquanto olhava ao meu redor.

  Num piscar de olhos, meu corpo parecia ter me levado à outro lugar. Eu estava nua, no meio de uma grande planície rochosa e sombria. A pedra onde eu pisava descalça me machucava apenas por estar em pé ali. Um vento, que inicialmente estava gelado passou por mim e me eriçou todos os pelos do corpo. Também para ajudar no cenário medonho, estava o céu, todo encoberto por nuvens cinzentas e macabras que trovejavam a cada segundo.
  Me senti sozinha e desejava encontrar alguém, ao mesmo tempo que desejava não encontrar ninguém daquele lugar. As questões mais comuns foram ignoradas, não faria sentido me perguntar como tinha ido parar naquele lugar. A resposta provavelmente só me deixaria mais confusa do que já estava. Eu não podia ficar parada lá, de qualquer maneira, então, comecei a andar pelo terreno rochoso. Perdi toda a noção de tempo pela qual já tinha sido elogiada. Não fazia idéia se estava andando por minutos ou por horas. E nem notei mudanças no cenário. 

- Onde diabos é este lugar? - Balbuciei. Enquanto me sentava para descansar. Já havia aberto mais de vinte feridas em meus pés que eram acostumados a ficar parados de baixo de uma mesa de escritório. Respirei fundo tentando imaginar em como sair daquele lugar. Mas não parecia haver uma saída para aquele lugar. Deitei-me começando a observar o céu.

  E talvez esta seja a primeira vez que eu tenha notado eles. Pequenos pontos negros no céu, que hora saltavam das nuvens aparecendo para mim, e hora desapareciam mergulhando nelas novamente. Abri um sorriso vendo-os e logo acenei e comecei a gritar por eles. 
  Depois de pensar que eles não me ouviam, finalmente obtive algum resultado. Dois deles surgiram das nuvens e começaram a descer em alta velocidade em minha direção. Nesta hora que minha ficha caiu: E se eles fossem malvados? Mas já era tarde demais, eles pousaram. 

- Quem é você? - Disse uma figura.
- Porque está aqui? - Disse a outra.

  Agora, vamos para uma descrição que me faz ter um embrulho no estômago: Aqueles seres eram provavelmente uma das coisas mais bizarras que alguém podia imaginar. Elas tinham uma forma humanóide, acompanhada de uma face que misturava escamas de répteis com formatos de bicos de pássaro pontudos. Os olhos possuíam uma estranha semelhança com olhos felinos, assim como ele parecia estar seríssimo enquanto falava comigo. Vale também lembrar dos pés deles, eram garras com quatro dedos cada, pareciam ser feitas de ferro ou coisa parecida. E também das asas, que eram escamadas e parecendo estar encobertas por grossas camadas de fungos. 

- Não sei... Eu simplesmente apareci aqui depois de...
- De... ? - Disse a primeira figura novamente. Gesticulando com as mãos horrendas. 
- Não me lembro. - De fato. Na hora do sonho, não me lembrava o que tinha acontecido.
- Perfeito. Sabe onde veio parar garota, pode ver tudo isso em volta?
- Em volta? Eu só vejo pedra para todos os lados. Fora vocês dois, claro. - E com este último comentário vi ele de súbito ser cutucado pelo outro bichano que teve uma troca de olhares para ele. O que parecia ser o modo com o qual se comunicavam, pois eles dilatavam a pupila um seguido do outro. Acabei me tocando que falavam de mim apenas segundos depois.

- Ei... Vocês o que vão fazer?
- Pedimos que nos acompanhe, mulher. - Falou o segundo ser, depois de dilatar a pupila uma última vez para seu amigo. E não me deram chance de responder à eles. Soltei um suspiro e comecei a seguir eles. Que outra escolha eu tinha?
- Para onde vão me levar?
- Pedimos que apenas responda as nossas perguntas, mulher. - Disse agora o primeiro.
- E se não aceitar ir caso não me responda?
- Pedimos sua colaboração. Caso não seja possível, a levaremos à força, mulher. - Disseram os dois em uníssono. Gelei e quase parei de andar naquele instante, eles não pareceram amigáveis quando falaram a última frase. De qualquer modo, apenas continuei seguindo os passos deles. Talvez caso não tivesse feito isso, estaria vagando naquele lugar até hoje.

  Dali em diante, foram mais várias horas de caminhada. Ou pelo menos, o que eu achava que eram horas, afinal, tinha perdido o meu senso de tempo. As duas figuras eram praticamente no jeito de falar e agir, como se tivessem sido feitas de um mesmo produto inicial. Elas hora ou outra se viravam para trás para ver o que eu fazia. Numa dessas, uma se pronunciou. 

- Pedimos sua colaboração. Pode sentir alguma coisa de diferente?
- De diferente? 
- Pedimos que não nos faça repetir a pergunta novamente.
- Hah... Desculpe. Não, tudo parece ser o mesmo vazio de sempre.
- Sim, entendemos. Pedimos que continue a nos seguir. - Disse, depois de virar para frente novamente enquanto andava. Depois daquela curta conversa, comecei a notar algumas coisas que não notava antes. Pequenos sussurros vinham do nada, junto com o barulho do vento soprando. Pareciam com gritos ecoados ao longe. Também agora podia sentir que o ar, antes frio e temeroso, agora era quente e fedido. Cheirando à enchofre cada vez mais forte.
  Me perguntei se era sobre isso que os dois estavam falando. Mas assim passaram-se mais várias horas. Meus pés, eu já não os sentia de tanta dor que eu parecia ter. De qualquer modo, não era hora para eu reclamar de dores. 

- Pedimos sua colaboração. Pode sentir alguma coisa de diferente?
- De diferen.. Hah, desculpe. É.. Não parece tudo comum.
- Sim, entendemos. - E trocaram aqueles olhares que tinham trocado antes. Mas agora, com muito mais velocidade, e a face deles que permanecia sempre séria agora também parecia medonha. Ficaram mais de cinco minutos na troca de faces e feições até finalmente olharem para mim, de súbito. - Não há mais o que fazer. Será mandado para Ele. - E antes que pudesse perguntar sobre Ele, um deles segurou minha face, de modo que minha visão foi tampada por um segundo.

  Quando ele retirou a mão que mais parecia uma garra da frente de meus olhos, novamente assustei-me ao extremo. E daquela vez, não me contive e soltei um gritinho junto. O cenário me fez assustar-me demais pela modificação. Eu estava no centro de uma plataforma feita de pedras de paralelepípedo niveladas, que tinha ao seu redor pequenos pilares feitos de pedra esculpida, que sustentavam um pequeno teto em forma côncava. 
  Esta estranha construção estava no centro de uma gigantesca cratera rochosa. Talvez aquilo fosse algum ponto daquele mundo. Mas mesmo com tantos detalhes mudados na minha volta, meu gritinho foi para as duas figuras. Agora elas pareciam aparecer em outra forma. Eram dois esqueletos humanos, encobertos por mantos negros. Ambos carregavam grandes armas consigo. Um levava uma marreta toda desnivelada de uso, e o outro usava uma foice ensanguentada. A face deles, mesmo sendo simples, agora me assustava muito mais que antes. 

  Mas não tive tempo de perguntar mais nada. Eles lentamente se afastaram, ficando cada um no meio de dois pilares. Demorou menos de três segundos para outras figuras descerem ao lado da construção, eram iguais àquelas duas, em seus estados iniciais, com asas e escamas. Mas o fato que me assustou neles: Conforme se aproximavam da plataforma, a forma delas mudavam, se tornando idênticas àquelas duas que me trouxeram até ali. Todas se posicionaram entre outros pilares, deixando apenas um espaço vago. 

- O que vocês querem fazer? - E novamente não obtive resposta. Estava aflita, mas o pior era o que acontecia com meu corpo. Ele simplesmente não respondia. Se fosse por mim, já estaria correndo fazia muito tempo. Mas meu corpo não corria como eu desejava.
  Talvez fosse obra deles, mas de qualquer forma, aquilo me fez presenciar mais uma cena terrível. Cada um deles, lentamente retirou o capuz que cobria parte da caveira, mostrando assim suas cabeças de osso inteiras para mim. Pude observar muito bem que haviam ali pequenas orbes vermelhas flutuando no centro de cada espaço vazio onde deveriam existir olhos. 

- Pedimos que... Responda ao nosso chamado. - Disseram todos, com vozes estridentes que saíram de seus corpos. E logo depois, acertaram a cabeça com suas respectivas armas. A marreta estraçalhou a cabeça e metade do corpo feitos de osso. A foice fincou-se no que era para ser a cabeça após despedaçar esta. A espada afundou no crânio trincando-o por inteiro. Assim como o machado dividiu-o no meio. Haviam outras diversas armas e muitos outros diversos modos de se estraçalhar um crânio, mas só pude prestar atenção nestes ditados.
  Se fosse apenas isto, ficaria tranquila. Mas não fora um simples ato de violência. Segundos depois de quebrados os crânios, uma aura negra foi expelida de cada corpo, que caiu sem vida no chão daquela construção. As auras negras se juntaram acima de mim, e logo foram absorvidas pelo centro do teto côncavo. Se por um leve instante, pensei que aquilo seria o fim do pesadelo, estava enganado. Pude apenas desfrutar de alguns segundos nos quais eu estava aparentemente sozinha. Mas logo, ouvi uma voz soar na minha frente. 

- Então, surgiu. - Veio a voz velha e macabra do meio dos dois únicos pilares que estavam sem um esqueleto humano caído na frente. Tentei falar, mas minha voz não saiu, assim como meus movimentos corporais não se fizeram presentes.
- É? Não pode se mover, certo? Percebe agora, o meu poder? Percebe o quanto de medo você sente, por ouvir uma voz e não saber de onde ela vem? Percebe como o ser humano é deplorável em alguns sentidos? Sim, eu deixo você me responder.
- Não entendo o que está acontecendo aqui. - Minha voz saiu, dizendo a coisa que eu diria segundos atrás.
- Hah, não entende? Bem típico. Narmudez e Górmum notaram isto antes de mim. Notou como eles conversavam avidamente sobre seu comportamento? É porque você pensa que está sozinha aqui.
- E não estou?
- É por isso que chamo humanos de seres tão tolos. Não deu uma mínima atenção ao que eles disseram, certo? Não prestou atenção em nada que ocorria a sua volta, certo!?
- Prestei, mas nada era diferente do normal.
- O normal? Veja novamente, mulher. Note o que você perdeu. Veja o que está em sua volta!

  E, inconscientemente seguindo ao conselho daquela voz, me voltei para o que acontecia fora daquela construção. No início, era o de sempre, vazio e silêncio. Mas isto durou pouco: Com apenas alguns segundos me concentrando, comecei a ouvir novamente aqueles sussurros que ouvi antes. Os sussurros de gritos que agora se tornavam cada vez mais nítidos. Eram gritos agonizantes e tortuosos, de gente que parecia estar sofrendo por séculos em que a dor apenas aumentava.  
  Mal notei quando fechei os olhos para ouvir aquele som, que agora parecia estar bem mais próximo. Já podia distinguir gritos de socorro e súplica. E gritos de praga e ódio. Agora eles cobriam tudo que eu poderia ouvir. Os gritos estavam ao meu lado, como se a multidão estivesse bem ao meu redor. Neste momento lembrei que estava de olhos fechados. 

- Não.... - Disse eu. E abri os olhos.

  Em volta da construção, centenas de milhares de almas desfiguradas mostravam crianças, homens e mulheres agonizando por uma sofridão eterna. Eram vítimas de um mesmo mal: A impossibilidade do descanso. Podia ver a face de alguns deles, choravam e amargavam de tanto que seus gritos pediam para serem ouvidos. 
  Queria fechar os olhos, mas meu corpo não respondia. Queria tampar os ouvidos, mas meu corpo não respondia. E nisto, ouvi novamente, acima das súplicas, a voz. 

- Vê agora, Mulher!? Era sobre eles que você estava passando! E é para junto deles que você irá ir! - E o ser surgiu para mim. Era aquele mesmo primeiro monte de existência que havia jogado as gavetas da velha escrivaninha para longe. Estava idêntico. Só que agora ele sorria maquiavelicamente enquanto apontava para mim. - Eu te sentencio, não pra a morte, mas ao sofrimento eterno! Pois, sendo você vítima de um de meus meios de contato com o seu mundo, apenas merece isto! Sofra! - E neste momento aquela ilusão toda acabava e eu voltava para meu sofá. Ou pelo menos era isso que tinha acontecido da primeira vez. Mas desta vez, não.

  Pisquei e ainda estava lá. As figuras dos esqueletos despedaçados haviam se reerguidos inteiros. Mas agora todos eles usavam correntes negras. Um a um, eles lançaram o item sobre mim, me prendendo das mais variadas maneiras possíveis. O aço negro das correntes me envolviam como uma cobra envolve sua presa. E nisso, só podia ouvir um misto dos gritos de morte com a risada macabra. 
- Morra, Mulher! - Ouvi novamente. E de súbito as correntes foram puxadas, cada um para seu lado. Senti meu corpo apertar-se até ser suspenso no ar, sendo segurado por todos os lados por esqueletos que, mesmo parecendo fracos, pareciam ter a força para partir o que quisessem. A dor me invadiu e eu comecei a gritar loucamente. Senti meus ossos trincarem enquanto a minha pele rasgava.

- ...mãe. - O sussurro surgiu na minha mente. Mas fora completamente coberto pelos gritos de desespero e pela risada. E logo eu esqueci daquilo que parecia ser apenas mais uma brincadeira da minha mente. A dor cobriu todos meus pensamentos e eu pude sentir quando meus braços e pernas pararam de resistir.
- Mãe. - Desta vez uma voz ecoou na sua mente, clara e pura. De modo que pude notá-la desta vez, e mesmo com os gritos que eu mesma emitia, somados com todos os outros sons e tormentas, eu pude memorizá-lo na minha mente. Aquilo me lembrava de algo. Algo que eu tinha esquecido desde que comecei a ver aquele vídeo. Mas, novamente as correntes apertaram mais e eu senti meu pulmão quase parar de bombear.
- MÃE! - E agora a voz dela cobriu todo o resto. Era claro.

  Era claro. Eu tenho uma filha. Clarisse, provavelmente estava no quarto quando eu via o vídeo. Mas aquelas imagens me ocuparam por inteiro e eu não consegui nem ao menos ir até o quarto dela dar um oi para minha amada. - As correntes afrouxaram e os esqueletos desapareceram. 
  Era claro. Clarisse me amava como ninguém havia me amado, e mesmo que o pai dela tivesse sido um traste, ela era tudo que eu tinha na minha vida. E por ela eu poderia seguir firme no trabalho. - Os gritos de misericórdia desapareceram. Assim como os espíritos do desespero se dissiparam. 
  Era claro. Clarisse era muito mais importante que um vídeo idiota. - O Ser maligno se dissolveu em uma névoa negra e desapareceu com um grito de raiva vingativo. Mas eu já não podia mais aguentar muito, meus pés tocaram o chão e eu me senti feliz antes de fechar meus olhos. 

- MÃE! - E meus olhos se abriram de repente. Encontrei-me com o olhar preocupado de minha pequena pimpolha de cinco anos. Eu estava dentro de uma ambulância, e aparentemente tinha sofrido um derrame cerebral. Tinha dado um baita susto na minha filha quando fiquei gritando enquanto me debatia no chão da sala. Mas naquele momento já estava melhor e sorri para minha filha. Ela chorou de felicidade até chegarmos no hospital e eu ser separado dela pelos médicos e enfermeiros.
  Descobri no outro dia que Thomas, o dito cujo, nunca existiu e que ele era uma pura invenção da minha mente. Me enviaram para um psiquiatra depois de alguns meses de repouso, não tinha sequelas. Mas a médica disse que eu não estava nem um pouco louca, fora a parte de eu afirmar a existência de Thomas. 

  Dei graças a deus que nunca encontraram fita de vídeo nenhuma em minha casa. E agora, eu sempre sorrio ao ver para a foto de minha filha, pregada na minha carteira. Para que eu nunca mais esqueça da coisa mais importante de minha vida.  

Imagem: Heaven or Hell? by ~Nohen


3 comentários:

  1. caralho :O o conto mais fooda que já li em toooda a minha pequena vida xDD parabéens tadashinho \o/

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  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  3. Uau. Muito bom, Tada.
    Cara...muito bom mesmo. Pude ver toda a euforia da mãe da Clarisse, todos os sorrisos nervosos enquanto ditava a história para alguém. Sim...por que isso é uma entrevista, ela está sendo entrevistada. Pelo menos a forma que você escreveu deu essa impressão, e gostei muito disso.
    Ótima história, Tadashi. x)

    E continue em frente, você tem a capacidade de ficar bem melhor.

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